“Se fechas tudo à chave, mesmo que tenhas coisas valiosas, não inspiras ninguém”

Uma expedição numa floresta à procura de borboletas nocturnas, quando era criança, foi o momento inspirador de que Stuart Hine precisou para ser um naturalista. Hoje é o director do Centro para a Biodiversidade britânica, criado em 2010 pelo Museu de História Natural de Londres, onde qualquer pessoa pode ir para pedir ajuda na identificação de espécies que encontrou em casa ou num passeio. Acredita que abrir as colecções dos museus às pessoas é uma grande oportunidade para as inspirar.

 

Wilder: Como se transforma alguém num naturalista?           

Stuart Hine: Fundamentalmente é inspirar as pessoas. E isto é válido para qualquer interesse, desde os aviões à culinária. Temos de ter momentos inspiradores.

W: Qual foi o seu momento inspirador?

Stuart Hine: Cresci numa família que se interessava por História Natural até certo ponto. Os meus pais alimentavam as aves no nosso jardim e levavam os filhos a passear no campo. Mas o meu momento inspirador aconteceu numa noite em que me juntei a uma expedição para contar borboletas nocturnas numa floresta. A certa altura, o ar estava cheio destes insectos. Não sabia que havia tantos e nem que havia tantas espécies. Fiquei maravilhado. Foram as borboletas nocturnas que me mostraram que a natureza pode ser fascinante.

W: Então, o que inspira as pessoas para a natureza?

Stuart Hine: Não é preciso reinventar a roda. Podemos olhar para nós próprios e procurar as razões de termos chegado até aqui. É óbvio que não conseguimos tornar todas as pessoas em naturalistas. Há quem goste de automóveis ou de relógios e há quem goste de História Natural. O que precisamos de garantir é que as pessoas tenham oportunidades suficientes para fazer aquilo de que gostam. É importante organizarmos muitas actividades para o público em geral se envolver com a História Natural. E hoje há mais oportunidades do que nunca.

W: Apesar disso, cada vez há mais pessoas a viver nas cidades, onde o contacto com a natureza é mais difícil…

Stuart Hine: É verdade. Será que os urbanos apreciam a natureza? Muitos provavelmente não. Mas alguns sim e estes vão à procura da natureza nas cidades. Porque isto é algo de que eles precisam enquanto seres humanos, ver o verde e sentir o ar livre. É importante criar eventos para as pessoas participarem. E não há nenhum museu ou grupo que possa fazer isto sozinho; todos temos um papel muito importante na promoção da História Natural.

W: E qual é o papel do Centro que dirige?

Stuart Hine: No Reino Unido existem muitos grupos e sociedades que se interessam por aranhas, escaravelhos, borboletas, etc, e que têm milhões de sócios. Nós queremos galvanizar isso, ser um “hub” para quem se interessa por História Natural. Apoiamos os naturalistas experientes mas também as pessoas que só agora estão a dar os primeiros passos. E o primeiro degrau nesta escada pode ser proporcionarmos um serviço de identificação.

W: E como fazem isso?

Stuart Hine: Por exemplo, alguém encontra um insecto no jardim ou dentro de casa e não faz a menor ideia do que é. Pode pôr o animal dentro de uma caixa de fósforos e vir ter connosco. Sentamo-nos com essa pessoa e dizemos-lhe o que trouxe. Normalmente são criaturas muito vulgares. Isso é o primeiro degrau. E acho isso fascinante. É muito gratificante poder derrubar mitos e garantir que aquilo não vai comer as suas cortinas nem fazer mal aos filhos ou ao cão (risos). Mas podemos ir mais longe.

W: Como assim?

Stuart Hine: Podemos ajudá-la a descobrir sozinha que espécie é aquela que trouxe. Convidamo-la a utilizar o espaço onde trabalhamos, a utilizar os microscópios, a pesquisar nas centenas de livros e guias de identificação, a tirar dúvidas com os nossos peritos. E a abrir as gavetas das nossas colecções e a mexer nos espécimes para comparar com o seu. Se fechas tudo à chave, mesmo que tenhas coisas valiosas, não inspiras ninguém. Queremos ver quem nos visita tornar-se mais especialista à medida que vai avançando.

W: E qual é a importância de subirmos essa escada “naturalista”?

Stuart Hine: É uma medida de aprendizagem. Se só dissermos às pessoas que espécie de animal ou planta ou que fóssil trazem, não sabemos o que farão com esse conhecimento. Seria óptimo pensar que elas saem daqui e vão contar aos seus vizinhos e amigos que encontraram um escaravelho de meia dúzia que podem facilmente ver no seu jardim e ensinar-lhes o que elas próprias aprenderam. Assim estamos a encorajá-las a procurar mais espécies e a regressar para aprender mais. Qual é o valor nisso? Para mim, é o primeiro passo para envolvermos as pessoas. É fazer da História Natural algo acessível e simples.

W: Os cidadãos naturalistas são, ou não, importantes para a ciência?

Stuart Hine: São, especialmente nos projectos de “citizen science” (ciência feita por cidadãos) mais simples e com um foco muito forte. Há duas coisas muito importantes. Primeiro, as pessoas têm de sentir que a sua contribuição valeu a pena. E depois, os projectos têm de captar a imaginação dos cidadãos. As lesmas podem não ter a mesma adesão das joaninhas, por exemplo. Muitas vezes não temos de fazer um projecto de “citizen science” mas sim um projecto para as pessoas se envolverem.

W: Mas vale a pena fazer um projecto de “citizen science” quando não se espera grande ciência dele?

Stuart Hine: Penso que continua a fazer sentido fazê-lo, mesmo se não tiver valor científico. O que estamos a pedir às pessoas para registarem pode não responder a nenhuma pergunta científica, mas habitua-as a registar. E podemos utilizá-las no futuro, construindo um banco de naturalistas comprometidos.

W: Os cientistas têm tempo para se dedicarem aos cidadãos?

Stuart Hine: Depende da personalidade de cada um. Temos pessoas que não conseguem comunicar bem, outras que conseguem mas não querem fazê-lo porque lhes tira tempo e depois temos outras que são muito boas e que têm todo o gosto nisso.


W: A equipa do centro trabalha aqui a tempo inteiro?

Stuart Hine: Sim. Temos um investigador que faz a identificação de rotina para insectos, zoologia e ossos; temos um botânico e uma outra investigadora para a identificação de fósseis. Tentamos fazer o máximo que podemos. Recebemos, em média, 5000 pedidos por ano, sem contar com o nosso fórum online. O nosso entusiasmo é quase tão grande como o das pessoas que aqui chegam. Se nos trazem alguma coisa para identificarmos, isso é fascinante! Já o vimos antes, mas é brilhante na mesma.

W: Como imagina este centro no futuro?

Stuart Hine: Com mais recursos para as pessoas fazerem as suas identificações. Há muitas pessoas interessadas em História Natural mas que não querem ter de aprender factos. Querem olhar para imagens e identificar imediatamente a espécie que procuram. Vamos apostar em galerias de boas imagens das espécies mais comuns e abundantes, de acordo com as nossas bases de dados de registos. Por exemplo, as 20 espécies de lagartas mais comuns. Se alguém encontrar uma lagarta no jardim há 99% de probabilidades de que esteja nessa lista.

W: É preciso simplificar.

Stuart Hine: Absolutamente. Um erro que se comete é dar toda a informação sobre uma espécie. A maioria das pessoas não vai estar interessada e fica satisfeita com um mínimo de informação. E agora que já sabem qual é a espécie, se tiverem interesse, podem descobrir o resto sozinhas. Temos de dar espaço para as pessoas descobrirem coisas por si próprias.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.