Corais, oásis dos oceanos estão a transformar-se em areia

Os recifes de corais, tidos como as florestas tropicais dos oceanos, são um dos ecossistemas com maior diversidade do planeta. São verdadeiros oásis onde se refugiam peixes, nudibrânquios, tubarões, tartarugas, esponjas, lagostas, algas, estrelas-do-mar e anémonas.

 

Mas também são dos mais ameaçados. Se começarem a desaparecer, cerca de 25% das espécies marinhas que conhecemos podem desaparecer também. Porque não teriam hipótese de sobreviver noutro lugar.

Nós, humanos, também perderíamos muito com o desaparecimento deste incrível ecossistema. Mais de 450 milhões de pessoas vivem perto de recifes de corais. Muitas delas dependem diretamente dos seus serviços, desde o peixe pescado, ao próprio material dos corais que pode ser usado para diversas aplicações, ao turismo e à proteção às zonas costeiras. Os corais, tal como os mangais, são a primeira linha de defesa contra tempestades, tsunamis e furacões, portanto o seu desaparecimento pode trazer pesadas consequências, particularmente em regiões mais expostas a estas intempéries, como é o caso de ilhas tropicais.

Nas águas azul turquesa das Caraíbas podem ser vistas cerca de 100 espécies diferentes de corais e entre 500 a 700 espécies de peixes. O naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) foi responsável pela identificação de algumas destas espécies, possivelmente sentado numa confortável cadeira no seu escritório em Paris enquanto os seus discípulos tinham o prazer de ver alguns deles, provavelmente pela primeira vez. Colecionavam tudo o que encontravam e levavam partes de todos os tipos de corais para mais tarde serem analisados pelo mestre.

 

 

Duas das espécies identificadas por Lamarck foram descritas pela primeira vez em 1816 e estão hoje em risco de desaparecer sem que a próxima geração lhes consiga pôr a vista em cima, a não ser através de caixas de vidro num museu. Elkhorn e staghorn, traduzidos para corais chifre de alce e chifre de veado, respetivamente, são dois tipos de coral com um aspecto delicado e complicado, pertencentes à família Acropora, e assemelham-se bastante ao que o seu nome sugere. Durante os últimos 40 anos desapareceram mais de 80% das populações de ambas as espécies, o que lhes confere o título de espécies Criticamente Em Perigo de extinção. Eram estas duas espécies que eu andava à procura no Panamá.

Isla Escudo de Veraguas é uma ilha habitada por 120 pescadores e as suas famílias, e é de difícil acesso à maioria dos turistas. Tem recifes prístinos, ou pelo menos foi isso que me foi vendido. Como que tirado de um postal, as cores da água e da areia são aquilo que imaginava que fossem. Uma ilha intocada pelo tempo, com palmeiras e mangues em todas as direções. Só faltava uma coisa para completar o quadro. Corais.

Demorei um bocado a processar aquilo que estava a ver quando mergulhei a cabeça debaixo de água. Fosse qual fosse o lado para que me virasse estavam corais chifre de alce, em absolutamente todo o lado! Todos os tamanhos estavam representados, desde uns meros centímetros a um par de metros desde a ‘raiz’ à ponta. Com o seu amarelo-torrado e as incríveis formas ali presentes, era difícil desviar o olhar. Era fácil esquecer-se que se estava debaixo de água e que era necessário respirar de vez em quando. Era sem dúvida um oásis, com peixes a nadar em todas as direções formando um arco-íris de cores naquelas movimentadas auto-estradas de corais.

 

 

Tendo em conta a incrível abundância de corais ali presente, é difícil imaginar que estão à beira de desaparecer. Em espécies sésseis pode haver elevados níveis de abundância em determinadas áreas se as condições forem as ideais e se as ameaças forem poucas, o que era o caso. O mesmo acontece com plantas, por exemplo. Isto significa que a conservação destas espécies é relativamente mais fácil do que para espécies que se movimentam. Preservar a área onde a espécie vive, bem como a área circundante, é facilmente alcançável e é uma das ações com mais sucesso no que toca à preservação de espécies.

No entanto, os corais têm mais alguns desafios que podemos não conseguir resolver a tempo. As alterações climáticas estão a ameaçar seriamente a sua sobrevivência, com o aumento da temperatura e a acidificação dos oceanos sendo apenas dois exemplos. Isto não é necessariamente um problema para os corais, mas para os seus simbiontes (zooxanthellae), que não apreciam águas demasiado quentes. Os zooxanthellae ajudam os corais ao providenciarem-lhes com até 90% da energia que requerem e são também responsáveis pelas suas cores. Quando a água atinge uma determinada temperatura, que varia de espécie para espécie, eles desanexam-se dos corais e estes começam a morrer, iniciando um processo chamado branqueamento, que é o que está a acontecer aos corais um pouco por todo o mundo (estima-se que mais de 90% dos corais da Grande Barreira de Coral na Austrália estejam a sofrer branqueamento). Quando morrem, os corais começam a desintegrar-se, eventualmente transformando-se em areia.

Estão também ameaçados por outras coisas como a pesca intensiva, pesca de arrasto, ou elevados níveis de turismo.

Os corais estão em apuros e, de acordo com os especialistas, é muito provável que se extingam durante este século. Estima-se que 90% dos corais desapareçam até 2050. Por isso agora é uma boa altura para levar os filhos a ver corais.

 

 

Corais chifre de veado também foram avistados, mas com mais dificuldade e em números que não se aproximaram nem de perto aos chifre de alce. Escondendo-se em fendas de rochas, ou a profundidades que requer o uso de equipamento de mergulho, e com tamanhos nunca excedendo os 20-30 centímetros, estes corais não são tão memoráveis quanto o outro parente, mas não deixam de ser únicos e formosos e que  aparentam ser mais frágeis ainda. Infelizmente, a maioria dos espécimes que vi já estavam num processo de branqueamento. Não tenho dúvidas de que existem lugares onde os chifres de veado existam em quantidades tão impressionantes quanto os chifres de alce, eu é que não tive oportunidade de os ver nesse estado.

Lamarck foi um dos impulsionadores de teorias de evolução. Seria triste pensar que estas espécies que ele descreveu para a Ciência venham a desaparecer e não possam originar novas espécies no futuro devido a processos evolutivos.

Como todas as espécies que estão ameaçadas, o panorama aparenta ser negro. Mas existem quase sempre pessoas nos bastidores a mover montanhas para assegurar a sua sobrevivência, e os corais não são exceção. Não tenho dúvidas de que a incrível diversidade de espécies de corais vai sofrer uma talhada, mas os recifes talvez consigam sobreviver se cientistas, conservacionistas, governos, mas também o público em geral, trabalharem juntos para minimizar os efeitos das alterações climáticas e conferirem aos recifes de corais a proteção que merecem, quanto antes.

 

[divider type=”thick”]

Henrique Bravo Gouveia é biólogo dedicado à comunicação de Ciência. Nos próximos 12 meses é um dos cronistas da Wilder, com a série “Lonely Creatures”. Este é o nome da organização não governamental de Ambiente que criou recentemente.

Através de uma rede de biólogos e fotógrafos, esta associação recolhe informação acerca das espécies ameaçadas – classificadas pela UICN como Criticamente Em Perigo, Em Perigo ou Vulneráveis – e conta as suas histórias, mostrando como são fascinantes. E importantes.

Saiba mais sobre a Lonely Creatures aqui e aqui.