Em longas esperas de Verão

E eis-nos chegados ao Verão. Dias quentes que, por serem também os maiores do ano, nos permitem longas caminhadas. Ainda que tenhamos de contornar as elevadas temperaturas que se fazem sentir no período entre o final da manhã e o meio da tarde.

Nesta série de crónicas tenho sugerido esperas em locais propícios a boas observações de fauna selvagem. É uma abordagem que se encaixa na perfeição nestes longos dias de estio.

 

Estratégias e a escolha do local

A estratégia é começar cedo, partindo às primeiras horas do dia até um local distante, daqueles que só nesta época do ano se conseguem alcançar.

Normalmente a escolha recai algures numa encosta com um amplo campo de visão – sobre um vale, se possível com um curso de água – mas onde também exista por muito perto (a dez ou 20 metros de distância) um penhasco ou uma grande árvore isolada. Árvores com ramos secos são locais que atraem as aves, também elas desejosas de pontos favoráveis à observação. São dois requisitos nem sempre conciliáveis, já que o primeiro, impõe-nos que fiquemos expostos, enquanto o segundo exige que permaneçamos “invisíveis”.

Há que procurar formas de gerir este conflito sem ter de recorrer aos abrigos (hides) que normalmente se utilizam na fotografia de vida selvagem mas que se revelam pouco recomendáveis em abordagens de um só dia e em que vamos caminhar bastante.

A escolha do local também tem a ver com o alvoroço que a nossa presença gera, um indicador de que por ali “há vida”. Uma vez imobilizados e bens instalados, assistimos então a uma diminuição desse “ruído” que, após um momento de calmaria quase absoluta, dá lugar ao regresso dos sons que voltam a ecoar por todo o espaço envolvente.

 

A espera, a surpresa… ou o susto

Inicia-se então o período de espera. A expectativa é alimentada pela aproximação das aves mais curiosas entre aquelas que nos viram chegar e, mais raramente, pelo restolhar de vegetação bem junto a nós. São animais que, inadvertidamente, se aproximam bastante, mas que, por estarmos tão escondidos, não os conseguimos ver. A não ser quando vêm direitos a nós como por vezes acontece com raposas e javalis. Aí a surpresa – ou o susto – é normalmente mútua.

Mas a confirmação de que a escolha feita foi acertada, só a temos se pelo nosso amplo campo de visão passam boas “presas”, ou, mais ainda, quando no poiso que temos perto de nós se imobiliza uma ave, nem que seja por escassos segundos. Dependendo do sítio onde nos encontramos, o que vamos ver é muitas vezes uma incógnita e isso aumenta ainda mais a expectativa.

Foi assim que ainda há poucos dias consegui um encontro muito imediato com uma ave menos conhecida. Já a tinha ouvido duas ou três vezes por perto, mesmo antes de me dissimular na base de um grande castanheiro com ramagem até ao solo. A minha esperança era que ela também achasse que um outro enorme exemplar arbóreo, mas seco, situado a uns escassos dez metros de distância, fosse um bom local para pousar. Nesta vasta encosta serrana, as opções não são muitas já que as duas árvores fazem parte de um pequeno e isolado castinçal.

Cerca de duas horas de espera bastaram para desfrutar de várias observações de torcicolo (Jynx torquilla), uma ave pouco comum da família dos pica-paus, muito discreta, tanto no que se refere ao seu comportamento como ao mimetismo da sua plumagem. Quase só é detectável pelo seu canto, um piar muito característico, que emite com frequência na Primavera. O seu nome advém do facto de girar o pescoço.

 

A poupa

Mas o que aconteceu antes merece ser referido por se tratar de uma situação que, inadvertidamente, geramos e que deve ser corrigida, logo que detectada. Ainda nem imaginava que o torcicolo se tornaria a estrela do dia, uma poupa (Upupa epops) com uma larva no bico pousou na mesma árvore e aí permaneceu muito tempo, imóvel. Um sinal claro de que tinha um ninho por perto e de que a ele não acedia para alimentar a sua cria, porque me viu chegar ou porque sentiu a minha presença.

 

Rapidamente deixei o local, afastando-me, sempre de olho na poupa até a ver levantar e dirigir-se para um terceiro castanheiro bem próximo daquele sob o qual me encontrava. Aproveitando o seu afastamento em busca de novo alimento, escolhi outra árvore de onde fui mais tarde acompanhando o seu vaivém, até me concentrar no torcicolo. Outras aves mais expectáveis, como um chapim-rabilongo e uma toutinegra-de-cabeça-preta, foram utilizando o velho castanheiro ao longo do dia.

Começo a fazer a viagem de regresso ao ponto de partida da jornada já mais ao final da tarde. Antes, uma breve passagem pelo “castanheiro da poupa” deu para ver uma cria, já muito desenvolvida, à porta de um buraco no tronco dissimulado por alguma ramagem, a uns escassos 30 centímetros do solo.

O mesmo trajecto percorrido muito cedo está agora de novo “impoluto”. A minha passagem matinal ocorreu há tantas horas que a probabilidade de me cruzar com animais mais esquivos, nestas últimas horas de luz, é idêntica às da manhã. A atenção está toda concentrada nos mamíferos. Presas e seus predadores. O seu avistamento será tema de futuros dias com vida selvagem.