O recuo das florestas e o avanço da agricultura

 

Se pudéssemos voar por cima do território continental português há 7000 anos atrás, encontraríamos uma região ainda coberta por florestas de carvalhos, sobreiros e azinheiras.

Mas se olhássemos com atenção, iríamos reparar em áreas consideráveis de vegetação aberta, sobretudo nas montanhas. Não, não são pastagens naturais onde se alimentam habitualmente herbívoros como os veados ou coelhos-bravos. Na verdade, são áreas conquistadas à floresta por pequenas comunidades que fazem agricultura e criação de gado. E não foi por acaso que escolheram zonas montanhosas para as suas atividades.  É que tanto a vegetação como os solos são mais fáceis de “domar” nestas terras mais altas. Para abrir estas clareiras e controlar a vegetação natural, usam o fogo, o gado e, em menor grau, ferramentas de pedra polida.

O modo de vida agro-pastoril começou no litoral centro e sul do nosso território, progredindo depois rapidamente para o norte e interior. Por exemplo, num abrigo rochoso chamado Buraco da Pala que se localiza em Trás-os-Montes (NE de Portugal), foram encontrados grãos de trigo, cevada e fava com cerca de 7000 anos. A ocupação deste abrigo por grupos agro-pastoris era sazonal, sendo esses cereais usados para consumo doméstico. Com o passar do tempo, as comunidades humanas tornaram-se maiores, deixando assim a itinerância e passando a fixar-se em determinadas áreas.

Mas a desflorestação em grande escala para criação de áreas para agricultura e pastorícia só começou há cerca de 4500 anos. É para isso que apontam os estudos dos pólens antigos, recolhidos do fundo de lagos e pântanos- uma das formas habituais de estudo das alterações da vegetação ao longo do tempo. Por exemplo, o abrigo do Buraco da Pala passou a ser usado durante esse período para armazenar cereais, o que aponta para um aumento da produção agrícola. É, também, de registar o início da exploração de leite, lã e estrume de cabras e ovelhas. E como se explica a expansão da agro-pastorícia e a desflorestação em grande escala? Para além do crescimento populacional, pelo uso de inovações na agricultura tais como a tração animal, o arado e a irrigação.

Este período também se carateriza pelo início do uso da metalurgia (cobre) e pela adoção de fortificações ou fossos em áreas de habitação, o que conferia mais segurança aos seus habitantes.

Houve, também uma maior diversificação das atividades económicas e um aumento das trocas comerciais. Por exemplo, nas escavações de Leceia (Oeiras) foram encontrados anzóis de cobre produzidos noutros locais, bem como utensílios de pedra polida feitos com rochas que apenas existem a mais de 120 quilómetros deste local. Tanto as rochas como os anzóis terão sido trocados por excedentes agrícolas e/ou silex provenientes de Leceia, o que indica a existência de rotas de comércio.

Durante milhares de anos, o nível da água do mar foi subindo até que estabilizou à cota de hoje há cerca de 3500 anos. A paisagem continental portuguesa já tinha extensas áreas desflorestadas a maior altitude, estando as áreas de vegetação densa concentradas sobretudo nos vales. Durante este período, o arado e a tração animal tornaram-se mais eficientes, havendo também melhoramentos nos sistemas de rega. Por isso, os solos mais pesados e mais produtivos dos vales começaram a ser usados. Os metais tornam-se mais comuns, passando a integrar o bronze.

Paralelamente, actividades como a caça, a pesca ou a extração de sal continuaram a ser complementares à agricultura e à pastorícia. Veados, corços, javalis, coelhos e lebres fazem parte da dieta destes povos agro-pastoris. Mas o auroque (uma espécie de bovino semelhante ao touro) e, provavelmente, o cavalo selvagem já estariam extintos no nosso país.

 

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Bruno Pinto, biólogo e pós-doutorando no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, escreve sobre o clima, as plantas e os animais que viveram no território continental português nos últimos 10.000 anos. Uma crónica por mês. Esta é a terceira.