O cheiro a tomilho, os mochos e os musgos numa quinta abandonada

São as primeiras chuvas que começam a cair…e faz frio. No solo queimado pelos fogos de verão, surge agora um manto verde de pequenas herbáceas que aparecem de um dia para o outro. Ainda há animais nos pastos e, depois da secura, este coberto é o melhor que poderia acontecer.

 

Fico a olhar as ovelhas que caminham devagar apesar da chuva, depois param e ficam ali, quase encharcadas a comer.

Desta vez aventurei-me num novo caminho de terra que há muito não é percorrido. Procurava musgos e líquenes para, através de uma lente, observar as estruturas destas florestas de microcosmos. São sempre diferentes, intricadas e surpreendentemente reveladores de muitas outras formas de vida.

Os muros de granito separavam-me dos diospireiros, com frutos tão delicados que se desfaziam ao cair das árvores. E, entre a curiosidade de tentar identificar mais umas espécies de briófitas e a tentação de apanhar dióspiros “selvagens”, decidi saltar o muro e entrar numa quinta abandonada. Era a abundância de Dezembro do outro lado …laranjas, limões e romãs a perder de vista.

Junto às árvores, os vestígios das fossadas de javali pareciam recentes e havia também um forte odor a tomilho. Vagueei por ali com as poupas azuis a cruzarem-se à minha frente.

A quinta abandonada estava a regressar a um estado assilvestrado e a vegetação arbustiva preparava-se para dominar os outrora pomares de citrinos.

 

 

As amoras-silvestres (Rubus fruticosus) já ressequidas são os frutos dos arbustos vulgarmente designados como silvas e que pertencem à família das rosáceas. As silvas são, muitas vezes, locais de refúgio para pequenos mamíferos e aves e esse é também um dos seus aspectos funcionais mais interessantes. Junto aos muros de granito as silvas competiam em altura e quase se adivinhavam nestas pequenos túneis de entrada e saída de animais.

Fui até lá … a minha proximidade poderia despoletar a saída de alguma espécie de fauna de entre a densa vegetação. Mas nada, silêncio absoluto, absoluto não, porque as pegas-azuis nunca se calam!

Um portão grande e enferrujado já a ninguém impedia de entrar ou de sair. As silvas mumificaram-no!

Cheirava bem, a laranjas e sobretudo a limões. De um telheiro em ruínas ouvi o piar agudo do mocho-galego (Athene noctua) e pensei na importância das estruturas edificadas que restam nestes lugares abandonados onde corujas e mochos se abrigam. É irresistível explorar e perceber as histórias de ecologia que contam os sítios que o homem deixou para trás.

 

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Luísa Ferreira Nunes percorre os campos à procura de tesouros naturais que regista em texto, desenho, fotografia e vídeo. Acompanhe as viagens de Luísa Ferreira Nunes aqui na Wilder.