Um maravilhoso caso de resiliência e um mal conhecido tubarão das arábias

Existem histórias de Espécies Lázaro em praticamente todos os filos do Reino animal e ao longo das próximas crónicas vamos conhecer algumas delas. Caminhando da água para os céus, começaremos com os peixes, onde duas espécies surpreenderam o mundo da ciência recentemente.

 

A primeira história fala-nos de um pequeno peixe japonês da família do salmão, o Oncorhynchus kawamurae, localmente conhecido como kunimasu. Este peixe de 30 centímetros habitava o Lago de Tazawa, o lago mais profundo do Japão com quase 425 metros de profundidade e uma profundidade média de 280 metros.

O Lago Tazawa encontra-se numa caldeira vulcânica formada por uma erupção há cerca de 1.4 milhões de anos e não tem qualquer entrada ou saída de água. Em 1940 foi concluída a construção de uma hidroeléctrica que levou ao desvio de águas do rio Tama para o lago, águas estas que têm um carácter ácido devido às águas hidrotermais de Tamagawa.

A pressão acídica que já ocorria no lago devido à lixiviação agrícola e às fontes hidrotermais vulcânicas activas na região, foi intensificada pelo projecto hidroeléctrico e no final da década de 1940 o pH da água era já de 4,3.

Antes de 1940 houve diversas transferências de ovos deste peixe para outros lagos japoneses. No total cerca de 900.000 ovos foram colocados em perto de uma dezena de lagos nas prefeituras de Nagano, Yamanashi, Toyama e Shiga.

Apesar do esforço por garantir a sobrevivência deste salmonídeo, durante décadas a tentativa foi dada como um insucesso. Desde 1940 até 2010, durante 70 anos, nenhum exemplar deste peixe foi visto nos diversos lagos onde havia sido tentada a sua introdução. Considerado endémico do Lago Tazawa, o kunimasu foi desta forma dado como extinto.

Mas o seu renascimento acabou mesmo por acontecer. Em 2010 uma equipa de investigadores na qual participava a celebridade japonesa Sakana-Kun, um ictiologista que é mais conhecido por ser apresentador de televisão, descobriu 9 espécimes no Lago Sai (Saiko em japonês) entre Março e Abril. A descoberta foi uma surpresa não só por se tratar de um regresso do além, mas também por ter sido feita num lago com uma profundidade máxima de 72 metros.

O kunimasu era um peixe único do seu género por ter hábitos de reprodução profundos, entre os 15 e os 300 metros, sendo a profundidade mais comum entre os 150 e os 180 metros. O novo lar onde renasceu dos mortos tem metade da profundidade habitual para a desova desta espécie. No entanto a vida voltou a mostrar a sua enorme resiliência.

A segunda história transporta-nos dos lagos japoneses para as águas marinhas do Médio Oriente. Falaremos do Carcharhinus leiodon, um tubarão com pouco mais de 1 metro de comprimento.

 

Carcharhinus leiodon. Foto: Alec Moore, IUCN Shark Specialist Group

 

Em 1985, um ictiologista Neozelandês, Jack Garrick, descrevia uma nova espécie de Carcharhinus a partir de um exemplar conservado no Museu de História Natural de Viena. Este espécime com 75 centímetros havia sido capturado por Wilhelm Hein em 1902 no Golfo de Áden, próximo da cidade de Qishn no Este do Iémen.

Este género pertence à família Charcarhinidae, a família que incluí espécies tão conhecidas como o tubarão-tigre, o tubarão-azul ou o tubarão-touro. Quase todas as espécies desta família são vivíparas, ou seja, o desenvolvimento ocorre no interior da fêmea e os juvenis nascem já totalmente formados.

Visto que a espécie, embora capturada em 1902, só foi descrita em 1985, não havia como ter a certeza se estaria extinta ou não. Foi então considerada pela União Internacional para a Conservação da Natureza como Vulnerável, esperando obter mais dados num futuro próximo.

Mas foi preciso esperar por 2008 para que a espécie, para alguns já suspeita como extinta, fosse reencontrada numa pesquisa feita pela Sociedade de Conservação dos Tubarões (Shark Conservation Society).

A pesquisa levada a cabo pela referida sociedade foi a primeira pesquisa de elasmobrânquios no Golfo Pérsico, examinando as capturas comerciais de peixes no mês de Abril no Kuwait (2008), Catar (2009) e Abu Dhabi (2010).

Foi no Kuwait que o renascimento ocorreu, com 25 espécimes a aparecerem nas capturas analisadas. Destes, 6 foram analisados por Alec Moore e seus colegas numa publicação de 2011, tendo sido colocados no Museu de História Natural em Londres, totalizando 1 fêmea, 2 machos adultos e 3 machos juvenis, com comprimentos entre 67,3 e 123,6 cm e pesos entre 1,94 e 14,9 kg.

A ecologia da espécie é ainda mal conhecida e a sua distribuição poderá ser mais vasta do que outrora se imaginou. Com uma distância de cerca de 3.000 km entre o primeiro exemplar capturado ao largo do Iémen e estes novos em águas próximas ao Kuwait, é possível que a espécie esteja dispersa pelo Golfo Pérsico. No entanto, este tubarão pertence às ainda numerosas espécies sobre as quais a ciência tem muito mais para aprender do que aquilo que hoje já descobriu.

 

[divider type=”thick”]Sobre o autor:

Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.

Desde Fevereiro este investigador escreve para a Wilder sobre as Espécies Lázaro. Pode ler e reler aqui a sua série de crónicas “Extintas por engano”.