Há uma autêntica maternidade marinha na Praia das Avencas

Ana Margarida Ferreira, bióloga, conhece a fundo a praia das Avencas e os muitos seres vivos que se abrigam entre as rochas, neste local protegido do concelho de Cascais. Passa ali muitas horas em trabalho, todos os meses, a observar e a identificar as muitas algas que formam um tapete nas rochas, onde convivem com ouriços-do-mar, pequenos peixinhos e camarões, estrelas-do-mar e muitas outras espécies.

Esta bióloga e gestora de projectos faz este trabalho de monitorização em conjunto com Sara Faria, também gestora de projectos, e com Andreia Rijo, técnica superior de ambiente do Gabinete de Educação e Sensibilização Ambiental.

As três pertencem à empresa municipal Cascais Ambiente que, no terreno, apoia o processo de classificação da área das Avencas como Área Marinha Protegida das Avencas. A iniciativa foi lançada pela autarquia no início de 2012 e está actualmente nas mãos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

O objectivo é aplicar medidas de protecção mais eficazes na Zona de Interesse Biofísico das Avencas (ZIBA), criada em 1998 no Plano de Ordenamento da Orla Costeira – São Julião da Barra, alargando também a área protegida. Será a autarquia a ficar com a gestão da reserva desta área marinha, por delegação da APA.

Para já, no âmbito da ZIBA, quem vai à praia das Avencas não pode pescar nem apanhar qualquer organismo, incluindo mexilhões e lapas.

 

 

Não faltam motivos para esses cuidados, dada a quantidade de seres vivos que ali se abrigam – tanto no médio-litoral (zona entre marés) como mais acima, no supra-litoral, já fora do alcance das águas.

O segredo está nos filões de basalto que formam grandes plataformas rochosas de cor negra, atravessadas por vários canais naturais, que chegam até ao mar. É aí que muitos organismos procuram refúgio quando nascem, incluindo peixes como os sargos, peixes-rei e linguados, ou os chocos, que ali vão desovar.

“Temos sempre estes canais repletos de vida. É como se fossem autênticas maternidades, parecem umas auto-estradas de ligação directa à água”, explica Ana Margarida Ferreira.

 

 

Graças às rochas calcárias também ali presentes, que se distinguem pela cor mais clara, a praia das Avencas abriga ainda inúmeras poças de maré. Mais permeável à força do mar, no calcário formaram-se pequenas cavidades e orifícios, que se cobrem de algas verdes, castanhas e vermelhas.

Junto a uma pequena poça formada nas rochas, aproveitando a maré baixa, a bióloga da Cascais Ambiente aponta os ouriços-do-mar, com os seus espinhos de cor avermelhada que, numa estratégia de camuflagem, usam pedaços de algas calcárias como se fossem pequenos chapéus.

Pelas poças de água mas também mais acima, no chão de rocha que está agora ao sol, Ana Margarida chama a atenção para as anémonas vermelhas. Estas fecham-se sobre si, muito apertadas, quando desce a maré, mas “não convém apanhar na mão porque esguicham a água que têm lá dentro e depois não aguentam até à maré cheia”, avisa.

Olhando com atenção, observamos ainda minúsculos camarões, ainda transparentes, peixinhos, caranguejos, estrelas-do-mar de cores brilhantes e anémonas verdes que vivem apenas dentro da água.

A bióloga alerta que existem trilhos construídos para quem visita esta praia, onde é possível observar toda a diversidade, e que ajudam a minorar o impacto do pisoteio. “Cada pegada destrói 20 por cento das algas que estão por baixo, que são essenciais para os peixes de alimentarem”, sublinha.

 

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Uma das alterações previstas, no âmbito da criação da Área Marinha Protegida das Avencas, é o alargamento da área protegida para alcançar desde a praia da Parede até à praia de São Pedro, enquanto o limite no mar vai reduzir-se para ¼ de milha da costa, face à actual batimétrica de 15 metros (profundidade no mar). “O mais importante aqui é a zona intertidal (entre marés)”, justifica a mesma responsável.

A pesca lúdica apeada e a pesca submarina passam também a ser permitidas, mas com várias condicionantes e só com uma licença especial.

Ana Margarida Ferreira espera que o processo dê um passo essencial até ao final de Setembro, com a publicação da nova classificação pela APA em Diário da República. Além do apoio de vários serviços da autarquia e da própria APA, a bióloga lembra que neste processo colaboraram também o MARE-Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e a Protecção Civil.

Para já, as actuais medidas de protecção, como os trilhos e as placas de informação, e as acções de sensibilização ambiental a cargo do programa Maré Viva, já estão a ter alguns efeitos positivos. “Estamos a começar a ver melhorias nesta zona. É a própria natureza que se está a renovar”, acredita a bióloga.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Se quiser conhecer melhor a Praia das Avencas, Ana Margarida Ferreira sugere cinco espécies que pode procurar:

– Ouriços-do-mar

– Estrelas-do-mar

– Peixes sugadores (vivem debaixo das rochas e têm uma pequena ventosa)

– Marinhas ou cavalos-marinhos-esticadinhos (vivem também por baixo das rochas)

– Chocos

A autarquia organiza visitas guiadas mensais, um sábado por mês, com o custo de 6 euros por pessoa. A próxima é no dia 12 de Setembro.

Pode também voltar a espreitar as nossas cinco sugestões de espécies que pode procurar na zona da maré, escritas e ilustradas por Marília Santos.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.