Nova exposição mostra o rei português apaixonado pelo mar

Há um novo anfitrião a dar as boas vindas aos visitantes do Aquário Vasco da Gama, em Algés, na nova exposição que arrancou em Novembro. Chama-se peixe-de-farol, é um espécime conservado em formol com 120 anos, e ajuda a contar uma parte menos conhecida da vida do rei D. Carlos.

 

Foi o monarca português que capturou este peixe-de-farol – habitante das profundezas do oceano, com a sua característica antena pendurada na frente dos olhos – durante a primeira expedição que organizou, em 1896, para explorar as profundezas do mar entre Cascais e Sesimbra.

A história desta viagem e do rei naturalista que a realizou, e que nos anos seguintes empreendeu ainda outras 11 campanhas oceânicas, está agora na nova exposição daquela que é conhecida como Sala do Átrio, logo à entrada do Aquário Vasco da Gama.

“A primeira campanha oceanográfica de D. Carlos comemora agora 120 anos. Queríamos contar a história naturalista deste rei sem estarmos coladas à sua história política”, explica Maria Pitta, bióloga do Aquário e responsável pela nova exposição “O Príncipe que Sonhava com o Fundo do Mar”.

 

 

Quem entra agora na Sala do Átrio fica a saber que D. Carlos I nasceu em 1863, numa época de muitas descobertas científicas, quando os oceanos eram “a última grande fronteira” e faltavam poucos anos para as aventuras das “Vinte Mil Léguas Submarinas” de Júlio Verne serem publicadas [foram-no em 1870].

D. Carlos e o irmão D. Afonso foram educados “como crianças comuns”. “Desde cedo que brincam muito nas praias de Belém e Pedrouços”, conta por seu turno Paula Leandro, bióloga e responsável pelo departamento de divulgação cultural do Aquário.

Mas é ao conhecer o príncipe Alberto do Mónaco, cientista europeu que passou por Lisboa quando D. Carlos tinha apenas 15 anos, que o futuro rei se interessa cada vez mais pelas profundezas do mar. A amizade entre ambos – que vai incluir também o naturalista açoriano Afonso Chaves – irá prolongar-se pela vida fora.

 

D. Carlos I na escolha de exemplares. Foto do Arquivo do Museu de Marinha

 

O rei inicia as suas campanhas oceanográficas em 1896, sete anos depois de assumir a governação, a bordo do iate Amélia. Para explorar o fundo do mar, o que aconteceu até 1907, usa entre várias técnicas um instrumento adaptado a partir do espinhel – uma espécie de linhas longas com vários anzóis, utilizadas pelos pescadores de Setúbal para a pesca em profundidade.

“Tentámos que todos os espécimes aqui representados viessem da primeira campanha, o que aconteceu com a maior parte”, adianta Maria Pitta.

Certo é que todos os exemplares têm mais de 100 anos e estão perfeitamente conservados. Dentro de vitrines que o rei utilizava para as suas próprias exposições de história natural, vêem-se, por exemplo, os espécimes naturalizados de um lírio imperial (Schedophilus ovalis), apanhado no Mar de Cascais, em 1896, e de um peixe-porco (Balistes capriscus) capturado em Agosto de 1899.

No iate Amélia, guardavam-se os animais e outros materiais recolhidos dentro de baldes com água salgada, para lhes prolongar a vida. Dali, seguiam para aquários instalados na Cidadela de Cascais, onde muitos eram tratados e conservados em formol ou álcool, conta-se na exposição.

Dentro dos frascos de vidro originais, podem ver-se ouriços e uma estrela-do-mar, pequenos pepinos-do-mar, caranguejos, esponjas, uma lesma-do-mar descrita pelo rei no relatório que fez da primeira expedição e outros espécimes curiosos, que o rei gostava de mostrar ao público.

Este foi aliás um rei que fez ciência, mas que nunca a guardou para si, notam Maria Pitta e Paula Leandro.

Logo na primeira expedição, e noutras que se seguiram, D. Carlos publica um relatório com o relato da viagem e com os principais resultados. Tem também o cuidado de compilar notas e realizar estudos úteis para as pescas, como um sobre a migração do atum com base em formulários que os armadores tinham de preencher.

 

D. Carlos no rio Sado, na escolha de espécimes. Foto do Arquivo do Museu de Marinha

 

Em 1897, o rei monta uma exposição sobre a primeira campanha oceanográfica no Museu da Politécnica, hoje Museu Nacional de História Natural e da Ciência, seguindo-se outra no Aquário Vasco da Gama, em 1898, que tinha acabado de ser inaugurado para comemorar os 400 anos da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

Ali, o grande público podia conhecer muitos dos espécimes capturados, incluindo alguns tubarões naturalizados, e também aparelhos de pesca e instrumentos científicos.

 

Exposição na Politécnica, em 1897. Foto: Arquivo do Museu de Marinha
Exposição na Politécnica, em 1897. Foto do Arquivo do Museu de Marinha

 

Quem orienta esta primeira exposição, tal como as outras que lhe sucederam, será Albert Girard – nascido em Nova Iorque, mas a viver em Portugal desde criança, curador das colecções reais no Palácio das Necessidades e conselheiro científico do rei.

Albert Girard. Foto da Biblioteca do Museu Oceanográfico D. Carlos I, Aquário Vasco da Gama

“D. Carlos tinha grande estima por Girard e o sentimento era recíproco”, relatou o biólogo marinho Luiz Saldanha (1937 – 1997), num texto publicado sobre o rei português, a quem chamou “o pai da oceanografia portuguesa”.

Luiz Saldanha sublinhava que “havia uma verdadeira simbiose” entre os dois, “que conduziu a consideráveis realizações”.

No entanto, mesmo sem a presença do seu conselheiro, D. Carlos reconhecia sozinho muitas das espécies que encontrava ou que lhe eram entregues por pescadores. E era ele próprio quem redigia os estudos a publicar.

“Era um excelente observador e tinha uma memória visual muito boa, que são traços comuns a biólogos e ilustradores”, sublinham as duas biólogas do Aquário Vasco da Gama.

Não admira por isso que o rei gostasse também de pintar, em especial temas marítimos. Uma das peças na exposição, aliás, é a reprodução do iate Amélia, embarcação utilizada na primeira expedição oceanográfica, pintado a pastel por D. Carlos.

Quem visita a nova exposição pode também ver, por exemplo, documentos escritos pelo próprio rei sobre as suas explorações e a ilustração de um rei-dos-arenques (Trachipterus sp), também da autoria de D. Carlos. Até morrer, em 1908, continuou sempre ligado à investigação do mar português e das espécies marinhas.

 

Ilustração de um rei-dos-arenques, por Carlos de Bragança. Biblioteca do Museu Oceanográfico D. Carlos I, Aquário Vasco da Gama

Estes trabalhos, tal como os outros documentos e ilustrações produzidas e encomendadas pelo rei na sequência das expedições oceanográficas, realizadas até 1907, estão hoje nas mãos do Aquário Vasco da Gama, tal como os livros científicos que o monarca consultava.

No total, são cerca de 600 documentos que fazem parte da Colecção Oceanográfica D. Carlos I, entregue ao Aquário em 1935 pela Liga Naval Portuguesa, e que inclui também 2.200 espécimes dos vários milhares que foram sendo recolhidos nas expedições do rei, ou que lhe eram entregues por pescadores, dos quais muitos se perderam nos anos que se seguiram à queda da monarquia.

Para a nova exposição, a equipa do Aquário Vasco da Gama contou com a empresa P-06 Atelier na autoria do projecto de museologia e comunicação, o que incluiu ainda a decoração da escadaria que conduz ao primeiro andar. Aqui, rodeados de azul e num ambiente que lembra o fundo do mar, os visitantes podem descobrir reproduções de frases do rei e ilustrações de espécies marinhas de livros que pertenciam a D. Carlos [e hoje estão no Aquário].

A própria Sala do Átrio foi totalmente renovada, incluindo os murais e os estuques, todos com temas marinhos, destacam Maria Pitta e Paula Leandro, que atribuem o trabalho à empresa Esgrafito Mural.

O objectivo das duas biólogas é estenderem este novo olhar ao resto do museu e às peças de história natural que este exibe, que desde há muito convivem com os animais vivos da parte do aquário.

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.