Animais selvagens do Saara-Sahel estão a desaparecer por causa da guerra

Elefantes, antílopes e gazelas estão a desaparecer do Saara-Sahel por causa dos conflitos armados, alerta uma equipa internacional de cientistas, entre os quais investigadores portugueses.

 

Cinco por cento dos conflitos mundiais acontecem no deserto do Saara – Sahel, região que compreende partes da Argélia, Burkina-Faso, Chade, Egipto, Eritreia, Líbia, Mali, Marrocos, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Sudão e Tunísia.

Ataques de grupos extremistas, sequestros, escravidão e contrabando de armas e drogas também estão a atingir a vida selvagem que ali vive. Dos 14 vertebrados de grande porte que ocorrem na região, 12 estão classificados como “extintos na natureza” ou “ameaçados de extinção”.

Este é um problema que não pára de crescer. Desde 2011, o número absoluto de conflitos cresceu exponencialmente nestes países (565% de aumento).

A equipa internacional de investigadores, liderada pelo investigador do CIBIO-InBIO José Carlos Brito, estudou em pormenor três animais selvagens: a gazela-dorcas (Gazella dorcas), o addax (Addax nasomaculatus) – uma espécie de antílope em perigo crítico de extinção – e o elefante africano (Loxodonta africana). As suas conclusões foram publicadas ontem na revista Conservation Letters.

“É importante compreender o ciclo vicioso estabelecido entre comércio de armas, conflitos, migração e risco de extinção das espécies selvagens”, diz José Carlos Brito, citado em comunicado.

Os cientistas compararam dados de ocorrência dos conflitos e outros factores de ameaça, como a exploração de recursos naturais, com a distribuição de animas de grande porte (megafauna) no deserto do Saara-Sahel.

 

Libertação de Oryx no Chade. Foto: John Newby

 

Os investigadores encontraram uma “associação clara entre a redução das populações de animais selvagens e o aumento dos conflitos, nos casos da gazela-dorcas e do elefante africano, e também com a exploração petrolífera, no caso do addax”, acrescenta o comunicado. José Carlos Brito explica que “estes padrões são representativos do declínio catastrófico da vida selvagem em geral na região”.

Os dados recolhidos mostram ainda que os abates ilegais aumentaram dois a três anos após terem eclodido os conflitos armados na Líbia e no Mali. A megafauna foi quase exterminada das regiões do sul do Saara-Sahel, onde os conflitos armados duram há mais tempo, e onde a população humana e a rede viária são mais densas.

 

Que soluções?

O estudo aponta dois principais caminhos para a conservação da biodiversidade no Saara-Sahel. O primeiro é o incentivo à valorização da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais, e o segundo a criação de sanções para quem não respeitar as directrizes de conservação. “Estes passos devem ser tomados agora, para impedir que a biodiversidade única e emblemática do maior deserto do mundo se perca”, sublinhou José Carlos Brito.

Também é preciso consciencializar as comunidades locais para a importância da biodiversidade e mudar a atitude dos países que produzem e comercializam armas e munições. “As interferências de países terceiros nas zonas de conflito, como foi o caso das acções militares da União Europeia e Estados Unidos da América no conflito da Líbia, não consideram os riscos e consequências a longo prazo para as populações humanas e biodiversidade.”

A curto prazo, o artigo defende a integração da protecção ambiental em larga escala nas estratégias de paz; o desarmamento de civis, milícias e grupos extremistas, assim como a restrição à aquisição de novas armas de fogo e munições; e o envolvimento das empresas que exploram recursos naturais na gestão de áreas protegidas e no combate à caça ilegal, numa lógica de responsabilidade social. “As autoridades religiosas islâmicas, em particular, têm a credibilidade para reformular as atitudes éticas em relação à biodiversidade e para incutir modos de vida favoráveis ao ambiente”, reforçou José Carlos Brito.

Numa perspectiva de longo prazo, os cientistas destacam a importância de um equilíbrio entre a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconómico. Equilíbrio para o qual é fundamental que “cientistas empenhados na conservação colaborem com agentes políticos e investigadores focados na vertente militar, em busca de soluções inovadoras para os desafios que se colocam às regiões em conflito”, realça José Carlos Brito.

“O recente aumento dos conflitos armados enfatiza a necessidade de identificar áreas em que a vida selvagem está em declínio e de desenvolver políticas efectivas para reduzir os impactos destes conflitos na biodiversidade”, concluiu o investigador.

 

Este estudo envolveu, além do CIBIO-InBIO, investigadores de mais 21 instituições, entre as quais a University of Oxford (Inglaterra), a Zoological Society of London (Reino Unido), a Estacion Experimental de Zonas Aridas, CSIC (Espanha), a Universidad de Granada (Espanha) e o Sahara Conservation Fund.

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.