Animais vítimas do fogo não páram de chegar a este centro de recuperação

Dias depois do fogo de final de Julho no Monumento Natural de Portas de Ródão, os animais selvagens não param de chegar ao centro de recuperação de Castelo Branco. São já 60. Há animais por todo o lado, em caixas, até no escritório. Há animais desidratados, queimados, “partidos”. Lá fora, os zimbrais que começavam a recuperar quase desapareceram.

 

Hoje chegou mais um esquilo ao CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens, em Castelo Branco. Foi encontrado nesta cidade. “Depois do incêndio, há animais selvagens que se aproximam das zonas urbanas à procura de alimento”, explicou esta tarde à Wilder Samuel Infante, do núcleo da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza em Castelo Branco.

“O centro está completamente lotado. Temos 60 animais internados, a maioria aves.” O incêndio que atingiu o Monumento Natural de Portas de Ródão, no concelho de Vila Velha de Ródão, juntou-se ao período de seca extrema e aos problemas habituais de atropelamentos ou colisões com arame farpado, numa mistura catastrófica para a vida selvagem da região.

 

Grifo em recuperação no CERAS

 

No campo, os animais que sobreviveram às chamas têm falta de alimento. Muitas crias de aves, ainda sem conseguirem voar, saltam dos ninhos. “No CERAS há dezenas de crias de abelharucos e noitibós, por exemplo, que precisam ser alimentadas de três em três horas. Há quatro ou cinco pessoas que praticamente só fazem isso”, acrescentou Samuel Infante.

A maioria dos animais chega pelas mãos do Sepna (Serviço de Protecção da Natureza da GNR) mas, segundo este responsável, tem aumentado a entrega por particulares que também andam pelo campo.

“Temos de tudo. Temos animais desidratados, queimados, com grande diversidade de traumatismos, como asas partidas.”

Num centro lotado faltam sempre pessoas, especialmente aos fins-de-semana. “Ontem tivemos sete veterinários. E há voluntários que respondem aos nossos apelos. Uns ficam por um dia, outros uma semana.” O mais novo tem 13 anos; o mais velho 65.

Lá fora, nos campos, o fogo matou muitos animais, quer directamente quer por inalação de fumos tóxicos. O fogo atingiu espécies criticamente ameaçadas, como o abutre-preto, a águia-de-Bonelli, o bufo-real, a cegonha-preta, o grifo, o abutre-do-egipto e inúmeros passeriformes e mamíferos. “Felizmente que as colónias de abutres da zona Sul do Monumento Natural não foram atingidas e algumas da parte Norte.”

Agora está tudo calmo e não há incêndios activos. Mas o impacto das chamas é por demais evidente. Mais de 80% dos zimbrais de Portas de Ródão e da Serra da Achada terão desaparecido. “Esta é uma perda muito significativa. Havia bosquetes que tinham começado a recuperar nas últimas décadas.” Este habitat prioritário e característico desta zona é de muito difícil regeneração.

O alimentador de abutres de Portas de Ródão foi afectado. Mas, apesar de o fogo ter entrado, a estrutura mantém-se de pé.

 

 

Os painéis de interpretação da natureza naquele Monumento Natural e vários trilhos ficaram destruídos.

O que mais preocupa Samuel Infante agora são as primeiras chuvas, que podem causar arrastamentos de solos e erosão. “Vamos tentar conter esses arrastamentos. Há técnicas que podemos utilizar. Os antigos muretes de pedras, que serviam de divisão dos terrenos, e que ainda estão intactos serão uma ajuda muito importante.”

O responsável teme ainda o arrastamento de cinzas que vai afectar as linhas de água da zona. “Estas linhas de água albergam cágados-de-carapaça-estriada, melros-d’água, plantas, uma grande biodiversidade”, salientou.

Na sua opinião, “é preciso repensar a floresta, tornando-a mais biodiversa e mais resistente ao fogo. Por mais meios de combate que existam, é praticamente impossível fazer alguma coisa. Os fogos vão existir sempre, vivemos numa zona mediterrânica”.

 

 

De 1 de Janeiro a 31 de Julho já arderam 128.195 hectares de floresta em Portugal, um valor cinco vezes superior à média da última década para o mesmo período, segundo o mais recente relatório sobre incêndios do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), divulgado a 2 de Agosto. O Monumento Natural das Portas de Ródão foi a área protegida mais afectada em relação à sua extensão (60%).

Samuel Infante considera que “as faixas de folhosas em redor das aldeias é uma iniciativa fantástica e mostra o caminho. A sociedade está a começar a compreender que não pode esperar por decisões tomadas a 500 quilómetros de distância.”

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Se quiser ser voluntário no CERAS, pode contactar este centro pelo email [email protected]

Também pode apadrinhar os animais que estão aos cuidados deste centro. Saiba mais aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.