Cartaxo. Foto: Mario Modesto/Wiki Commons

“Catástrofe” iminente nos campos franceses com desaparecimento de aves

Aves outrora tão comuns como as lavercas, papa-amoras e cotovias estão a desaparecer a uma velocidade vertiginosa dos campos franceses. Dois estudos lançam o alerta para uma iminente “catástrofe ecológica”. Em 17 anos, um terço das aves desapareceram dos campos em França.

 

“A Primavera de 2018 anuncia-se silenciosa nos campos franceses”, alertou ontem o Centro Nacional de Investigação Científica francês (CNRS). “O declínio das aves em meio agrícola está a acelerar e a atingir um nível próximo de catástrofe ecológica.”

“A situação é catastrófica”, disse, em comunicado, Benoît Fontaine, biólogo conservacionista do Centro de Ecologia e das Ciências da Conservação daquele Museu. “Os nossos campos estão quase a tornar-se verdadeiros desertos.”

 

Perdiz-vermelha. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

 

A chamada de atenção surge com a divulgação dos resultados de dois estudos de seguimento de aves, um à escala nacional e outro a uma escala local, pelo Museu Nacional de História Natural em Paris e pelo CNRS. Ambos chegaram à mesma conclusão. As aves dos campos franceses estão a desaparecer a uma velocidade vertiginosa. Estamos a falar de espécies como a laverca (Alauda arvensis), o papa-amoras (Sylvia communis), a perdiz-vermelha (Alectoris rufa), a águia-de-asa-redonda (Buteo buteo) ou a cotovia-de-poupa (Galerida cristata) e o cartaxo (Saxicola rubicola).

Em média, as suas populações caíram um terço em 15 anos.

Graças a ornitólogos amadores e profissionais que identificam e contam as aves – no âmbito do projecto STOC (Suivi Temporel des Oiseaux Communs, programa de ciências participativas organizado pelo Museu desde 1989) – há dados anuais sobre a abundância das espécies nos diferentes habitats, desde as florestas às cidades e aos campos.

Os trabalhos feitos no meio rural revelam uma diminuição das populações de aves em meio agrícola desde os anos 1990. As espécies especialistas destes meios – como a laverca, o papa-amoras e a sombria (Emberiza hortulana) – perderam, em média, um indivíduo em cada três no espaço de 15 anos.

 

Petinha-dos-prados. Foto: Marton Berntsen/Wiki Commons

 

O projecto STOC revela ainda que as aves comuns das zonas agrícolas perderam 33% dos seus efectivos desde 2001. E os números mostram que este declínio ainda se intensificou mais em 2016 e 2017.

A petinha-dos-prados (Anthus pratensis), por exemplo, um passarinho que se alimenta de invertebrados, perdeu 68% dos seus efectivos em 17 anos. E o pintarroxo (Linaria cannabina), amante de invertebrados no tempo quente e de sementes e plantas no Inverno, viu desaparecer 27% dos seus efectivos no mesmo período.

Estes resultados nacionais são confirmados por um segundo estudo realizado à escala local na zona de planícies cerealíferas Plaine & Val de Sèvre, feito pelo CNRS. Desde 1995, investigadores seguem todos os anos, em Deux-Sèvres, cem espécies em 160 zonas com 10 hectares cada uma. “Nestes campos agrícolas também registamos as plantas, os mamíferos e os insectos, o que nos permite ter uma visão de todos os compartimentos do ecossistema e das suas interacções”, explicou Vincent Bretagnolle, investigador do CNRS.

“Em 23 anos, todas as espécies de aves de planície viram as suas populações afundar-se”. A laverca perdeu mais de um indivíduo em cada três (redução de 35%). As perdizes foram quase dizimadas, com oito indivíduos a desaparecer em cada 10.

Este declínio afecta todas as espécies de aves agrícolas, mais as especialistas – frequentam prioritariamente este meio – do que as generalistas – encontradas em todos os tipos de habitat, agrícolas ou não.

 

Cartaxo. Foto: Mario Modesto/Wiki Commons

 

Segundo o STOC, as espécies generalistas não estão em declínio à escala nacional; a diminuição registada é, por isso, própria do meio agrícola. Os especialistas não têm dúvidas em relacionar este declínio com o desaparecimento dos insectos.

Este desaparecimento massivo observados a diferentes escalas é concomitante com a intensificação das práticas agrícolas dos últimos 25 anos, mais especialmente desde 2008-2009. Um período que corresponde ao fim dos terrenos incultos imposto pela Política Agrícola Comum, mas também à generalização dos neonicotinoides, insecticidas neurotóxicos muito persistentes.

Tanto as monoculturas agrícolas como os insecticidas levam ao desaparecimento das plantas e insectos que são o alimento das aves, sobretudo na Primavera. “Já não há quase insectos, o que é o problema principal”, salientou Vincent BretagnolleE este é um cenário que se repete em outros países. Dois estudos recentes concluíram que a Alemanha e a Europa terão perdido 80% dos insectos voadores e 421 milhões de aves em 30 anos.

 

Pintarroxo. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

 

“O declínio das aves em meio agrícola está a acelerar e a atingir um nível próximo de catástrofe ecológica. Em 2018, muitas regiões de planícies cerealíferas poderão conhecer uma Primavera Silenciosa (“Silent Spring“) anunciada pela norte-americana Rachel Carson há 55 anos, a propósito do DDT.”

Ainda assim, salientam, esta situação não é irreversível. “É preciso trabalhar urgentemente com todos os agentes do mundo agrícola para acelerar as alterações de práticas, em especial com os agricultores que têm hoje as chaves para mudar esta tendência.”

Estas são más notícias não apenas para a biodiversidade. “É a qualidade global do ecossistema agrícola que se deteriora”, comentou Vincent Bretagnolle.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.