Ciência consegue provar que as aves podem dormir a voar

Pela primeira vez, investigadores conseguiram provar que as aves podem dormir a voar, graças à colocação de pequenos dispositivos em fragatas, aves marinhas nas ilhas Galápagos, que mediram a sua actividade cerebral durante as viagens sobre o oceano.

 

As fragatas são grandes aves marinhas que passam semanas a voar sobre o oceano à procura de peixes e lulas junto à superfície das águas.

 

Fragata. Foto: B. Voirin
Fragata. Foto: B. Voirin

 

A equipa, coordenada por Niels Rattenborg do Max Planck Institute for Ornithology, trabalhou com o Parque Nacional das Galápagos e Sebastian Cruz, um biólogo equatoriano especializado em aves marinhas, para estudar o sono em voo das fragatas a nidificar na ilha das Galápagos.

Para determinar se e como dormem as aves a voar, os investigadores registaram as alterações na actividade cerebral e no comportamento que distingue um estado totalmente desperto de dois tipos de sono: o sono lento profundo (SWS, slow wave sleep) e o sono REM (Rapid Eye Movement). Os biólogos colocaram um pequeno aparelho na cabeça das aves para medir as alterações electroencefálicas na actividade cerebral, os movimentos da cabeça das aves em voo e para registar a posição e altitude.

As aves levaram consigo os aparelhos durante voos contínuos que duraram até 10 dias e 3.000 quilómetros. Quando as aves regressaram a terra e tiveram tempo para recuperar forças, foi-lhes removido o aparelho.

Algumas das conclusões desta investigação, publicadas ontem num artigo da revista Nature Communications, surpreenderam os cientistas, especialmente o facto de que, em média, as fragatas dormiram apenas 42 minutos por dia. Quando estão em terra dormem mais de 12 horas por dia. “Por que dormem tão pouco em voo, mesmo de noite quando raramente estão à procura de comida, continua a ser um mistério”, disse Rattenborg, em comunicado.

Além disso, o aparelho revelou que, de dia, as fragatas estão acordadas e activas a procurar alimento. Quando o Sol se põe, entram em sono lento profundo por vários minutos, enquanto estão a planar. Quando as aves circulam nas colunas de ar quente, o hemisfério ligado ao olho virado para a direcção que estão a tomar está activo, enquanto o outro não. Isto sugere que as aves estão atentas ao que estão a fazer. “As fragatas podem manter um olho aberto, tendo atenção para não colidir com outras aves”, acrescentou Rattenborg.

Em raras ocasiões, o sono SWS foi interrompido por breves segundos de sono REM. Nestes períodos, a cabeça das fragatas descaiu momentaneamente mas o seu padrão de voo permaneceu inalterado.

 

Meio acordadas ou totalmente acordadas a voar?

 

Algumas andorinhas, aves canoras, aves marinhas e aves costeiras voam sem parar durante vários dias, semanas ou meses nas suas viagens pelo globo. Uma vez que a falta de sono tem efeitos adversos no funcionamento das aves, assume-se que estas têm de satisfazer as suas necessidades diárias de sono a voar.

Mas como pode uma ave dormir a voar sem chocar contra obstáculos ou cair do céu? Uma solução poderia ser acionar apenas metade do cérebro, como Rattenborg mostrou ser o caso de patos-reais (Anas platyrhynchos) que dormem em situações de perigo em terra. Por exemplo, quando dormem na periferia de um grupo, os patos-reais mantêm apenas um hemisfério cerebral activo e o olho correspondente aberto e dirigido para longe do grupo, em direcção a uma potencial ameaça. Com base nestas informações e no facto de os golfinhos conseguirem nadar enquanto dormem, os cientistas assumiram que as aves também adoptam este tipo de piloto automático para navegar e manter o controlo aerodinâmico quando voam.

Contudo, também é possível que as aves tenham evoluído de forma a enganar o sono. Recentemente, investigadores descobriram que os machos de pilrito-de-colete (Calidris melanotos) que competem pelas fêmeas conseguem passar várias semanas dormindo muito pouco. Isto aumentou as possibilidades de que as aves, simplesmente, passem bem sem dormir em voo. Como isto acontece, ainda é um mistério.

Quando as pessoas dormem pouco e depois fazem viagens a conduzir dum automóvel, o mais provável é adormecerem rapidamente, mesmo estando conscientes do perigo e lutando para se manterem acordadas. “Por que nós, e muitos outros animais, sofremos dramaticamente com a falta de sono, enquanto algumas aves são capazes de funcionar com poucas horas de sono é um mistério”, concluiu o investigador.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.