paisagem de árvores vista de cima
Paisagem do Parque Gorongosa. Foto: UC

Cientistas investigam segredos da vida no Parque moçambicano da Gorongosa

Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra estudou a fundo a rede de dispersão de sementes no Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, para desvendar de que forma os animais ali contribuem para a regeneração da vida das plantas.

 

Os cinco investigadores debruçaram-se sobre o papel dos elefantes, babuínos, impalas e aves, entre outros, na dispersão de sementes dentro do parque moçambicano, tendo em conta diferentes habitats (além de savanas, três tipos de florestas).

Para isso, ao longo de um ano analisaram 1.399 amostras de fezes de mamíferos e aves – produzidas por 98 espécies animais diferentes – e identificaram que sementes continham. Fizeram também numerosas observações de animais, recorrendo por exemplo a armadilhas fotográficas.

Ao mesmo tempo, trabalharam no desenvolvimento de um novo método de análise que “permite compreender como as interacções entre as espécies se organizam espacialmente em ecossistemas complexos, constituídos por múltiplos habitats”, explica a Universidade de Coimbra, num comunicado enviado à Wilder.

Ao aplicarem o novo método – que recorre a uma abordagem de redes complexas (‘multilayer networks’) – a equipa tentou perceber quais são as inter-relações mais importantes para a vida das plantas do parque, tanto de forma geral como dentro dos habitats.

“A rede é dominada por umas poucas espécies altamente versáteis, que asseguram a dispersão de sementes tanto a nível local (em cada habitat) como global (ao nível da paisagem), assegurando a continuidade espacial” deste processo, afirma a equipa, num artigo agora publicado na Nature Communications.

Em primeiro lugar, a equipa confirmou o papel central dos primatas, elefantes e civetas africanas – um mamífero carnívoro – para a dispersão de sementes na Gorongosa, “provavelmente importantes para a sua estabilidade e coesão”.

 

primata sentado num monte de terra
Um primata, importante para a dispersão das sementes no parque moçambicano. Foto: UC

 

Por outro lado, tentaram perceber quais são as espécies mais versáteis neste processo: animais “conhecidos por incorporarem uma elevada proporção de fruta nas suas dietas, tendo tempos de retenção no intestino relativamente elevados, e que viajam longas distâncias”. Isso permite às sementes fugirem à forte competição nos locais onde foram geradas, escapando para terrenos mais distantes, explicam.

Identificaram tanto os babuínos, que “têm um papel central na dispersão de sementes por todo o parque”, como os elefantes – também estes “essenciais para a dispersão de espécies de plantas, em especial aquelas com frutos e sementes muito grandes”.

Já as aves despertaram alguma surpresa. Apesar de serem localmente abundantes, tinham “uma baixa versatilidade”, indica também a equipa do Centro de Ecologia Funcional da Faculdade de Ciências e Tecnologia, que realizou este estudo devido a uma colaboração entre o Parque Nacional da Gorongosa e a norte-americana Fundação Greg Carr.

 

Métodos “demasiado simplificadores”

Segundo Sérgio Timóteo, investigador do projecto, até agora os métodos para estudar redes de dispersões de sementes eram “demasiado simplificadores”.

Este novo estudo, além de avançar com uma abordagem diferente, ajudou a revelar “uma surpreendente dinâmica de interacções entre os vários habitats” da Gorongosa, que no fundo “é responsável pela manutenção da vida nas paisagens das planícies aluviais do Grande Vale do Rift”, acrescentou o mesmo responsável, citado pela UC.

O método agora desenvolvido pela equipa, além de ser muito importante para a conservação e recuperação de ecossistemas, poderá ser aplicado noutras áreas geográficas e também para o estudo de outros sistemas, como as redes alimentares e a polinização, consideram os investigadores.

 

Sérgio Timóteo, durante a investigação na Gorongosa

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.