Cinco pistas para fazer com que a natureza conte mais politicamente

A biodiversidade é uma palavra politicamente séria e válida mas ainda não conta muito na agenda política, disse hoje Humberto Rosa, director para o Capital Natural na Comissão Europeia. Por isso, deixou cinco pistas para o que pode ser feito.

 

Humberto Rosa não tem dúvidas de que, de uma forma geral, “as pessoas gostam da natureza”. O biólogo e ex-secretário de Estado do Ambiente (2005 a 2011) falava esta manhã na conferência “Como fazer a biodiversidade contar mais politicamente”, numa sala cheia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A biodiversidade “conta bastante”, disse, lembrando que há legislação, áreas e espécies protegidas, metas globais (Aichi) – definidas no âmbito da Convenção para a Diversidade Biológica – e, desde 2011, um Painel Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), organismo internacional para catalisar uma resposta global à perda de biodiversidade e dos ecossistemas do planeta, como as florestas e recifes de coral.

Mas “a perda de biodiversidade continua inalterada” e as ameaças mantêm-se, salientou Humberto Rosa.

De acordo com as Nações Unidas, o actual ritmo de perda das espécies, causado pelas actividades humanas, é “mais de cem vezes superior ao da extinção natural”. Hoje estão ameaçadas de extinção ao nível mundial uma em cada três espécies de anfíbios, mais de uma espécie de aves em cada oito e mais de um mamífero em cada cinco.

Isto acontece porque apesar de as pessoas gostarem da natureza “têm outra hierarquia de prioridades”. “Na verdade, a biodiversidade hoje não conta muito politicamente, não tem peso eleitoral.”

Nos últimos anos, as alterações climáticas têm conquistado um lugar na agenda política. Mas a biodiversidade ainda não, “apesar de gerar um maior consenso científico” e de “ter um valor intrínseco”. “Seria de esperar que contasse mais, mas não. É um mistério”.

Humberto Rosa deixou cinco pistas para promover a biodiversidade a nível político.

À cabeça desta lista apresentou a necessidade de valorizar a natureza, através da utilização de instrumentos económicos. “Trata-se de tornar mais caro o que não queremos que aconteça”, de “introduzir mais custos nas más opções”, disse, dando o exemplo do pagamento pelos sacos de plástico. “Não se trata de substituir o valor intrínseco da natureza pelo valor económico, é um complemento, uma parte da solução.”

Ainda assim existem dificuldades, como a quantificação do valor dos serviços dos ecossistemas e o seu pagamento efectivo.

Em segundo lugar, Humberto Rosa referiu uma alteração da atitude conservacionista, “em vez de negar e proibir, deve dar soluções”, como as infra-estruturas verdes ou soluções baseadas na natureza por exemplo na agricultura. “Não é possível fazer uma agenda política pela negativa, só pela positiva”, acrescentou.

Outra pista é “parasitar as alterações climáticas”, lembrando que sem as florestas e a biodiversidade não se resolvem as alterações do clima.

“Investir nas emoções das pessoas” é outra pista a seguir. “As pessoas não se movem por factos mas sim por emoções, percepções e valores.” E a biodiversidade tem mais oportunidades do que as alterações climáticas. “O panda ou a baleia-azul conseguem chegar às pessoas e estas emocionam-se. Mas ninguém chora por mais ou menos moléculas de CO2 na atmosfera.”

Por fim, sugere que a biodiversidade deve aproveitar “a onda da sustentabilidade”, que está a marcar o século XXI. “Ter a biodiversidade como indicador seria bom.”

Em Julho passado, uma equipa de cientistas alertou para o facto de já vivermos numa sexta extinção em massa. “Todos os sinais apontam para assaltos cada vez mais graves à biodiversidade nas próximas duas décadas, pintando um cenário sombrio para o futuro da vida, incluindo a do Homem”, escreveram os investigadores num artigo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Mas Humberto Rosa acredita que a “biodiversidade tem os seus pergaminhos e argumentos” e que é “uma palavra politicamente séria e válida”. E para o demonstrar lembrou o resultado da consulta pública sobre a importância das directivas Aves e Habitats que, de 30 de Abril a 24 de Julho de 2015, recolheu 520.325 assinaturas. “Foi a consulta pública europeia com maior apoio desde sempre.”

“Há surpresas boas e há avanços. Não podemos perder a esperança.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.