Clima condena à extinção metade da vida selvagem dos hotspots mundiais

Até ao final deste século, as maiores florestas do mundo podem perder mais de metade das suas plantas e animais por causa das alterações climáticas, alerta um novo estudo da organização WWF. Saiba o que vai acontecer e como a conservação da natureza terá de mudar.

 

A existência de elefantes, tigres e tartarugas-marinhas não está garantida. Assim como a de inúmeras outras espécies. Mamíferos, anfíbios, répteis e aves poderão desaparecer a uma escala catastrófica em 35 dos locais mais ricos em espécies selvagens do planeta, alerta hoje um relatório da organização WWF e das universidades de East Anglia e James Cook.

O relatório, publicado na revista Climatic Change, olhou para o impacto das alterações climáticas em quase 80.000 espécies de plantas e animais em 35 das áreas mais diversas e naturalmente ricas em vida selvagem do mundo.

Segundo o relatório “Wildlife in a warming world – the effects of climate change on biodiversity in WWF’s priority places”, as zonas mais afectadas serão as florestas do Miombo, que abriga os cachorros selvagens africanos, o sudoeste da Austrália e as Guianas da Amazónia.

 

 

Panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca) na Reserva Wolong Panda, Sichuan, China. Foto: WWF

 

A escala da perda de biodiversidade varia consoante os cenários. Se a temperatura média global aumentar 4,5ºC, a maioria das plantas e animais que vivem hoje nesses locais não vai conseguir sobreviver.

Nesse caso, o relatório prevê, por exemplo, a provável extinção de 90% dos anfíbios, 86% das aves e 80% dos mamíferos nas florestas de Miombo, África do Sul. A Amazónia poderia perder 69% das suas espécies de plantas e o sudoeste da Austrália 89% dos seus anfíbios. Em Madagáscar, 60% de todas as espécies enfrentam o risco de extinção.

Se o aumento da temperatura se ficar pelos 2ºC, ou seja, a meta estabelecida no Acordo do Clima de Paris, esses lugares podem perder não 50% das suas espécies mas 25%.

“Estudámos 80 mil espécies de plantas, mamíferos, aves, répteis e anfíbios e descobrimos que 50% das espécies poderiam ser perdidas nessas áreas sem política climática. No entanto, se o aquecimento global for limitado a 2°C acima dos níveis pré-industriais, isso poderá ser reduzido para 25%”, diz Rachel Warren, do Centro Tyndall de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas da UEA e a investigadora principal no estudo.

Ainda assim, é de esperar uma precipitação mais errática – com chuvas significativamente menores no Mediterrâneo, Madagáscar e no Cerrado-Pantanal na Argentina e mais tempestades – e um clima mais quente. Isto pode afectar negativamente as savanas africanas, as florestas no Bangladesh, o Pantanal no Brasil, o delta do rio Yangtzé e as zonas costeiras da Europa, por exemplo. Os autores do estudo prevêem um aumento de tensões entre vida selvagem e pessoas, mais concretamente com elefantes-africanos, uma vez que estes animais precisam de beber 150-300 litros de água por dia e a água pode escassear. Os tigres de Sundarbans, na Índia, poderão ver 96% das suas áreas de reprodução submersas pelo aumento do nível do mar. E as tartarugas-marinhas poderão ver nascer menos machos, devido à atribuição de sexo induzida pela temperatura de ovos.

Caso as espécies se possam mover livremente para novos locais, o risco de extinção local diminui de cerca de 25% para 20% com o aumento de temperatura média global de 2°C. “Se isto não for possível, as espécies podem não poder sobreviver. A maioria das plantas, anfíbios e répteis, como orquídeas, sapos e lagartos não podem se mover rapidamente o suficiente para acompanhar estas mudanças climáticas”, lembra a WWF, em comunicado.

 

Novas formas de conservar a natureza

O relatório defende que a melhor maneira de proteger as espécies selvagens “é manter o aumento da temperatura global o mais baixo possível”. “É por isso que, no dia 24 de Março, milhões de pessoas em todo o mundo se reunirão para a Hora do Planeta, para demonstrar o seu compromisso de proteger a biodiversidade e ser parte das conversas e soluções necessárias para construir um futuro saudável e sustentável para todos”, acrescenta a WWF.

 

Floresta mediterrânica na ilha de Alonissos, Grécia. Foto: WWF

 

“A base da vida na terra como a conhecemos, a biodiversidade que nos sustenta a todos, está a desaparecer”, comentou Angela Morgado, diretora-executiva da ANP|WWF. “É importante que todos assumamos um compromisso com o nosso planeta e façamos mudanças no nosso dia-a-dia que ajudarão a assegurar um futuro para todos – esta é a mensagem principal da Hora do Planeta em 2018”.

Além desta redução das emissões de gases com efeito de estufa, o estudo defende uma outra maneira para reduzir as perdas de biodiversidade: ajudar as espécies a migrar para novos territórios com mais condições de vida.

Isto pode ser feito com a criação de corredores ecológicos entre áreas protegidas. Por exemplo, na semana passada, a WWF espanhola defendeu a criação de 12 “auto-estradas” para a vida selvagem conseguir circular na Península Ibérica.

Ou ainda por algo diferente, como a translocação das espécies que não se conseguem movimentar tão rapidamente quanto o necessário (como as orquídeas, anfíbios e répteis).

“Se há uma mensagem nisto tudo é que a mitigação faz uma grande diferença. Mas mesmo isso pode não ser suficiente para muitas espécies… Aquilo que será o novo normal nas próximas décadas é algo que a vida selvagem nunca presenciou antes”, comentou Stephen Cornelius, conselheiro da WWF Internacional para as questões climáticas, citado pelo jornal britânico The Guardian.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Pode ler o relatório completo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.