Como é o livro de uma vida de um fotógrafo de natureza?

João Nunes da Silva leva já mais de 20 anos a observar a natureza, a procurar o seu melhor “lado” por detrás da lente de uma câmara. E, na verdade, não podíamos esperar melhor. “Portugal de Norte a Sul”, que chega às livrarias neste mês, é o livro de uma vida que reúne as razões pelas quais fotografar é, para ele, um estado de espírito, mais do que uma profissão.

 

Wilder: És fotógrafo de natureza há 23 anos e tens três livros publicados. O que queres que este livro seja?

João Nunes da Silva: Este é um livro diferente. O livro de uma vida. É grande (risos). Quis fazer um livro sobre Portugal, que mostrasse o nosso património natural. Quis que fosse algo diferente dos livros que já existem, uns dedicados a regiões – como as Ilhas, o Alentejo ou o Douro – e outros a aspectos rurais, gastronómicos ou de passeios. No fundo, acho que o livro vem preencher uma lacuna.

 

Rio Águeda numa das regiões mais selvagens de Portugal. Parque Natural do Douro Internacional, Primavera.
Rio Águeda numa das regiões mais selvagens de Portugal. Parque Natural do Douro Internacional, Primavera

 

W: Mas esta obra não é só sobre animais…

João Nunes da Silva: Não, não é só sobre bichos. Quis também mostrar a importância para a natureza dos ecossistemas mantidos pelo homem, como os montados, as salinas ou as zonas rurais de sítios como Salreu, por exemplo.

 

W: Dizes que é o livro de uma vida. Porquê?

João Nunes da Silva: Ao longo dos dois anos que demorei a fazer este livro procurei nos meus arquivos as fotografias que melhor representavam o nosso património natural. De alguma forma, é uma selecção. Das mais de 230 fotografias do livro, umas são de arquivo e outras são novas, imagens que ainda não tinha e que quis mesmo fazer e que tinham de estar num livro como este.

 

Flamingos-comum (Phoenicopterus roseus) descansando numa salina ao final do dia. Reserva Natural do Estuário do Tejo, Inverno
Flamingos-comum (Phoenicopterus roseus). Reserva Natural do Estuário do Tejo, Inverno

 

W: E conseguiste pôr o Portugal natural todo no teu livro?

João Nunes da Silva: Não, claro que não. O livro está dividido por vários capítulos: serras, florestas, rios, zonas húmidas e costa. Cada capítulo tem uma explicação sobre o ecossistema e depois cada fotografia tem um mapa a indicar onde a imagem foi tirada e um texto em português e inglês, com informação útil. Sei que não está lá tudo mas dá para mostrar o que temos, a diversidade de habitats que conseguimos visitar em pouco tempo, a facilidade com que num momento estamos na montanha e pouco depois estamos na floresta.

 

A magnífica floresta do Vale de Manteigas. Parque Natural da Serra da Estrela, Outono
A magnífica floresta do Vale de Manteigas. Parque Natural da Serra da Estrela, Outono

 

W: Quais são as fotografias de que mais gostas?

João Nunes da Silva: Gosto muito das fotografias dos grous, duas delas ainda feitas na era do filme. Lembro-me de que dormi em Évora, levantei-me às 04h00 e ao nascer do sol estava em Mourão. Saíram muito bem, com os grous em voo e o montado ao amanhecer. São icónicas. Também gosto muito da fotografia dos pernas-longas a copular nas salinas da ria de Aveiro, na Primavera, feita há dois anos, e ainda das garças-vermelhas em Salreu. Adorei fazer este trabalho. Tentei fotografar as aves três ou quatro vezes, dentro de um abrigo. E consegui. Ficaram muito boas.

 

Açafrão-bravo (Crocus serotinus) num bosque de faias. Parque Nacional da Peneda-Gerês, Outono
Açafrão-bravo (Crocus serotinus) num bosque de faias. Parque Nacional da Peneda-Gerês, Outono

 

W: Qual é a tua opinião sobre a relação entre os portugueses e a natureza?

João Nunes da Silva: Quando comecei, há 23 anos atrás, quase ninguém sabia o que era um fotógrafo de natureza. “Andas a fotografar passarinhos?”, perguntavam-me. Hoje é completamente diferente. Além disso, a fotografia digital tornou muito mais acessível fazer este género de fotografia. E nem sequer é preciso viajar para longe para fotografar a natureza. As pessoas sempre tiveram um fascínio pela natureza. Mas há muita gente que ainda não sabe bem o que tem à sua porta.

 

Olival (Olea europaea) ao fim da tarde, Inverno
Olival (Olea europaea) ao fim da tarde, Inverno

 

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João Nunes da Silva, 51 anos, vive em Matosinhos e é fotógrafo profissional de natureza há 23 anos. Mais do que uma profissão é um estado de espírito, diz. Fotografa e escreve. Tem três livros publicados e fotografias e artigos publicados em revistas como a National Geographic Portugal e a BBC Wildlife Magazine e em jornais como o PÚBLICO e o Expresso. Nos anos 80 foi um dos fundadores da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.

 

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PORTUGAL DE NORTE A SUL

Por João Nunes da Silva

Edições Afrontamento

Preço: 39 euros

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.