britango a voar
Abutre-do-Egipto. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

Conservacionistas saúdam defesa dos abutres em Portugal

A Assembleia da República recomendou recentemente ao Governo português que proíba o Diclofenac, um medicamento veterinário que pode causar a morte aos abutres. Nove ONG juntaram-se para aplaudir esta tomada de posição pela conservação da natureza no país.

 

Há mais de um ano que Portugal está a ponderar se autoriza ou não o Diclofenaco, uma substância activa usada em medicamentos para gado e que é fatal para as aves necrófagas.

Este anti-inflamatório provoca insuficiência renal aguda nos abutres e também em águias do género Aquila, que culmina na sua morte num curto espaço de tempo. “Estas aves morrem de colapso renal até dois dias após a ingestão de tecidos de animais tratados com Diclofenac”, alertaram em Fevereiro do ano passado sete organizações não governamentais.

“Esta substância foi responsável pelo dramático e abrupto declínio dos abutres do sub-continente indiano, que quase os levou à extinção”, segundo um comunicado conjunto das oito ONG divulgado ontem. Na Índia, bastou que menos de 1% das carcaças disponíveis para os abutres tivessem sido tratadas com Diclofenac para causar a redução das suas populações em mais de 97%. Hoje, este fármaco está banido no subcontinente indiano.

A 13 de Abril, a Assembleia da República aprovou o Projeto de Resolução 1433/XIII, da autoria de André Silva (PAN), que recomenda ao Governo português que não autorize a comercialização de medicamentos veterinários com Diclofenac, “que representa um risco de extermínio para espécies de aves necrófagas”, de acordo com o documento em questão. O projecto foi aprovado com os votos a favor do Bloco de Esquerda, Partido Ecologista Os Verdes e PAN (Partido Pessoas Animais Natureza) e com a abstenção do PSD, PS, CDS-PP e PCP.

Estas nove ONG “apoiam e congratulam recomendação”. Segundo este Projecto de Resolução, “as populações de aves necrófagas em Portugal – abutre-preto (Aegypius monachus), o britango (Neophron percnopterus), o grifo (Gyps fulvus), a águia imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a águia-real (Aquila chrysaetos) – apresentam um estatuto de ameaça elevado, estando protegidas pela Diretiva Comunitária Aves. A introdução de diclofenac em Portugal poderá pôr em causa a conservação destas espécies, provocando um impacto potencialmente devastador tanto ao nível das populações como ao nível dos ecossistemas que integram, devido ao seu papel fundamental no equilíbrio ecológico”.

O pedido para a comercialização do Diclofenac para fins veterinários está nas mãos da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). “A autorização dos medicamentos tem por base estudos de segurança, eficácia, toxicidade e impacto, e a decisão adoptada tem sempre em conta os pareceres de peritos isentos”, explicou uma porta-voz do gabinete do ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, contactada pela Wilder em Fevereiro de 2017.

Desde 2016 que várias ONG nacionais e internacionais têm alertado as autoridades competentes “para os possíveis impactos deste medicamento sobre as aves necrófagas, tendo apelado ao Governo português para que não autorize a utilização desta substância em território nacional ao nível da veterinária”.

“As ONGA envolvidas consideram que a utilização do melhor conhecimento científico existente e o respeito pelo princípio da precaução impõe que o Governo Português siga a decisão da Assembleia da República e não autorize o diclofenac para uso pecuário, evitando o consumar de um risco real, iminente e crítico para a conservação das aves necrófagas em Portugal.”

Segundo as associações, em Portugal há “várias alternativas a este fármaco, e com muito menor impacto, pelo que o tratamento de espécies pecuárias é atualmente perfeitamente possível sem recorrer ao uso do Diclofenac e de uma forma segura para as aves necrófagas”.

“A autorização do Diclofenac em Portugal para uso pecuário poderá colocar em causa de forma irremediável o compromisso e esforço nacionais de conservação das aves necrófagas”, salienta o comunicado.

 

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As ONG que assinam este comunicado são:

Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA)
Associação Transumância e Natureza (ATN)
BirdLife Europe and Central Asia
Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS)
Liga para a Protecção da Natureza (LPN)
Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)
Vulture Conservation Foundation (VCF)

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.