Declínio dos grandes herbívoros cria “paisagens vazias”

A diminuição mundial das populações de bisontes, elefantes, zebras, rinocerontes ou camelos está a criar “paisagens vazias” no planeta, segundo um estudo publicado na revista “Science Advances” a 1 de Maio.

Uma equipa internacional de 15 ecologistas, coordenada por William Ripple, professor da Universidade estatal de Oregon, estudou 74 espécies de grandes herbívoros (animais que pesam, em média, mais de 100 quilos) que vivem em pradarias, savanas, desertos e florestas.

A primeira conclusão é que cerca de 60% das espécies de grandes herbívoros – como os rinocerontes, elefantes e gorilas – estão em risco de extinção. Vinte e cinco espécies ocupam agora, em média, apenas 19% dos seus territórios históricos.

De acordo com os cientistas, as causas do declínio são a caça para consumo de carne, o comércio de partes de animais, como o chifre do rinoceronte, e a produção de gado, que triplicou globalmente desde 1980, e que tem reduzido o acesso dos herbívoros aos seus territórios, aos alimentos e à água e aumentado os riscos de transmissão de doenças.

Actualmente existem cerca de 4000 espécies de herbívoros terrestres conhecidas em todos os continentes menos na Antárctida. Os países em desenvolvimento – especialmente no Sul da Ásia, Índia e África – têm os maiores números de espécies de grandes herbívoros ameaçadas, escrevem os cientistas. Apenas um grande herbívoro ameaçado vive na Europa – o bisonte europeu.

A segunda conclusão é que a perda dos grandes herbívoros tem graves consequências para a vida selvagem mundial. Nomeadamente para os grandes carnívoros. “Os grandes carnívoros, como os carismáticos grandes felinos ou lobos, já enfrentam problemas horrendos da perseguição directa, caça e perda de habitat”, disse à BBC David Macdonald, investigador da Universidade de Oxford que participou no estudo. “Mas agora, o nosso estudo acrescenta mais um prego ao seu caixão: uma despensa vazia”, “De nada lhes serve terem habitat se não houver lá nada para comerem.”

Mas não são apenas os carnívoros a sentirem a falta dos grandes herbívoros. Os investigadores falam na diminuição da dispersão de sementes, em incêndios mais frequentes e intensos e em alterações nos habitats de animais mais pequenos, como peixes, aves e anfíbios.

“Sem uma intervenção radical, grandes herbívoros (e muitos mais pequenos) vão continuar a desaparecer de numerosas regiões com enormes custos ecológicos, sociais e económicos”, escrevem os investigadores em comunicado.

Neste estudo, os cientistas referem uma análise ao declínio dos animais nas florestas tropicais, publicada em 1992 na revista “BioScience”. O autor, Kent H. Redford, utilizou nessa altura o termo “floresta vazia” pela primeira vez. As árvores e outra vegetação podem existir, mas a perda da fauna da floresta é uma ameaça a longo prazo para esses ecossistemas, escreveu.

Agora, William Ripple e os seus colegas deram mais um passo em frente. “A nossa análise mostra que este efeito ultrapassa as paisagens florestais”, disse, “e abrange as savanas, as pradarias e os desertos. Por isso, criámos um novo conceito, a paisagem vazia”.

“Esperamos que esta análise aumente o reconhecimento da importância dos grandes herbívoros nestes ecossistemas”, diz William Ripple. “E esperamos que os decisores políticos tomem acções para conservar estas espécies.”

Qualquer solução para o declínio dos grandes herbívoros precisa de envolver as populações locais. “É essencial que as populações locais sejam envolvidas e beneficiem da gestão das áreas protegidas”, escrevem os autores do estudo. “A participação das comunidades locais na gestão das áreas protegidas está correlacionada com o cumprimento das políticas de conservação.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.