Dentro das ribeiras de Oeiras à caça de uma rã

A rã-de-unhas-africana não é uma rã qualquer. Esta espécie da África do Sul chegou a várias zonas do mundo, onde é uma exótica invasora que tem dizimado os anfíbios nativos. Em Portugal há um plano desde 2010 para erradicar esta espécie em duas ribeiras no concelho de Oeiras. A Wilder acompanhou os trabalhos e conta-lhe tudo.

 

Rui Rebelo, docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), compara a rã-de-unhas-africana (Xenopus laevis) a um desenho animado japonês. É só olhar para o exemplar que o biólogo segura e percebe-se logo: os olhos sem pálpebras e sempre abertos, o corpo muito achatado e geométrico.

E ele sabe do que fala. Este biólogo, 45 anos, é coordenador científico do plano de controlo e erradicação da espécie em duas ribeiras do concelho de Oeiras – únicos locais onde em Portugal se tornou invasora. Na ribeira das Lajes, os primeiros registos são de 2006; na ribeira de Barcarena, foi identificada em 2008. O plano de controlo arrancou em 2010 e, desde então, já foram removidos 7379 adultos e juvenis nas duas ribeiras.

Nesta manhã de Agosto, três pessoas com galochas e calças largas de borracha, daquelas que se usam na pesca, estão dentro de um tanque de água junto à Fábrica da Pólvora de Barcarena. Ao lado de Rui Rebelo estão Francisco Moreira, 27 anos, e Raquel Marques, 24, com água abaixo da cintura e armados com redes eléctricas.

 

Os investigadores no local, num outro dia da campanha de erradicação desta rã

 

Com esses aparelhos, que atordoam os animais e tornam mais fácil a captura, apanham em meia hora cerca de 300 girinos e um casal de rãs-de-unhas-africana. Não há sequer vestígios de outros anfíbios ou de peixes naquelas águas.

Esta rã nativa da África do Sul é altamente resistente a condições adversas, o que a torna numa grave ameaça para os outros anfíbios, explica o biólogo. Esta rã devora os ovos e girinos de outras espécies e também os alimentos de que estas dependem.

Mas ainda faz pior: traz consigo o fungo quitrídio (que provoca a doença chamada quitridiomicose) e um ranavirus. “Essas doenças matam os nossos anfíbios mas não a Xenopus, que as transporta, e que não sente sequer os sintomas”, descreve Rui Rebelo.

Como fora de África não ocorrem os predadores desta rã, como o peixe-gato, esta tem grande facilidade em reproduzir-se – especialmente em climas mediterrânicos, semelhantes ao país de origem. Cada fêmea consegue pôr 17.000 ovos por ano, função para a qual está apta a partir do segundo ou terceiro ano de vida, e chega a viver oito a nove anos em ribeiras.

 

Uma viagem da África do Sul para Oeiras

 

Mas como é que esta rã-de-unhas-africana terá chegado às ribeiras de Oeiras? Suspeita-se que tenha escapado de um laboratório no mesmo concelho, no final dos anos 70. Como permanece sempre dentro de água e meio escondida no fundo, “quase um peixe honorário”, conseguiu ficar vários anos sem ser descoberta, acredita o investigador.

 

Estas rãs chegam a viver oito a nove anos em ribeiras

 

Foi graças à sua utilização por laboratórios, aliás, que a espécie viajou para fora da África do Sul – dando origem a várias invasões pelo mundo.

Começou por ser usada nos primeiros testes de gravidez que se fizeram, nos Estados Unidos. “Se uma fêmea da espécie for injectada com urina de uma grávida, começa a ovular muito rapidamente.” Os cientistas perceberam que vive muito bem em aquário, além de que os girinos são transparentes – o que tornou estas rãs populares nos estudos de desenvolvimento embrionário. O pior é quando fogem ou são libertadas no exterior.

Hoje em dia são um problema sério em França, “onde já desistiram de controlar a invasão, muito forte no vale do Loire”. Na Sicília “também foram descobertas e estão a expandir-se descontroladamente”, acrescenta Rui Rebelo. Onde chegam, dizimam as populações dos outros anfíbios.

Em contrapartida, em Inglaterra já conseguiram erradicar uma de duas populações da rã-de-unhas-africana.

Califórnia e Chile também têm queixas, tal como na própria África do Sul onde, apesar de ser nativa, já é invasora. “Fizeram muitos bebedouros para gado, com água parada e sem peixes, que potenciam muito a invasão por esta espécie”, descreve o biólogo.

 

Rãs capturadas ajudam na investigação

 

As rãs e os girinos capturados esta manhã em Oeiras vão seguir em caixas de plástico, com água do tanque, para o laboratório da FCUL. A maioria vai adormecer e morrer sem qualquer sofrimento, graças a um anestésico que será mais tarde colocado na água.

Alguns indivíduos vão ainda ser observados em laboratório, a subir rampas e a vencer vários obstáculos. Francisco Moreira está a investigar como é que estas rãs se deslocam fora de água e qual o declive que conseguem trepar.

Para já, os esforços da equipa estão a resultar na ribeira das Lajes, onde desde 2014 não se descobrem girinos nem ovos da espécie e a rã-verde está a regressar. No ano passado apenas foram capturados dois exemplares adultos. Mas na ribeira de Barcarena, a situação é mais difícil. No ano passado foram capturados mais de 4800 indivíduos, a maioria juvenis com menos de um ano após a metamorfose. Mas, “com algum optimismo, dentro de cinco anos, a espécie estará controlada ou erradicada”.

Os trabalhos vão continuar até Setembro, muitas vezes acompanhados por técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), entidade coordenadora do plano, e também da Câmara Municipal de Oeiras, que presta apoio. À frente da coordenação científica está o CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Mudanças Ambientais, da FCUL.

Desde 2014 que o projecto recebe também apoio financeiro do programa europeu Invaxen-Invasive Biology of Xenopus Laevis in Europe, com duração até 2017. Aqui trabalham grupos de investigação de França, Bélgica, Alemanha e Portugal (CE3C), em colaboração com a África-do-Sul.

Mas ao longo destes anos, confessa Rui Rebelo, a rã-de-unhas-africana continua a dar provas de grande resistência. Tantas, que “acabou por merecer algum respeito” das equipas que a procuram controlar.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Ajude a controlar a rã-de-unhas-africana. Esteja atento a estes anfíbios, em especial na zona das ribeiras das Lajes e de Barcarena.

A rã tem o corpo muito achatado, castanho-escuro, e parece que tem duas linhas com costuras ao longo dos flancos. Tem as unhas negras nas patas de trás (daí o nome) e não se ouve coaxar, pois só o faz dentro da água. As fêmeas medem entre 11 e 13 cm de comprimento e os machos são um pouco menores.

Quando estão dentro de água, estes anfíbios costumam estar sempre no fundo.

Se encontrar um exemplar, deve contactar o ICNF, explicar a situação, qual foi o local onde fez a descoberta e qual é a forma mais fácil de lá chegar.

A Xenopus laevis também está por vezes à venda em lojas de animais, o que é legal, apesar de ser uma espécie agressivamente invasora.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.