Descoberta nova espécie de mamífero para Portugal

O rato-das-neves (Chionomys nivalis) foi descoberto, por acaso, no Verão de 2014 por um fotógrafo de vida selvagem em Montesinho. O primeiro registo da espécie para Portugal foi agora publicado na revista Italian Journal of Zoology por investigadores da UTAD e do Cibio.

 

Gonçalo não sabia bem o que estava a ver. Dois ratinhos “estranhos” passeavam numa noite do Verão de 2014 numa zona de carqueja e urze na serra de Montesinho, a cerca de 1300 metros de altitude. As imagens de infra-vermelhos captadas pela câmara que o fotógrafo tinha colocado debaixo de uma rocha grande de granito causaram-lhe estranheza. “Aquela era uma espécie que eu não conhecia. Era do tamanho de um leirão, mas era diferente. Também não era um rato-de-Cabrera… Não se percebia bem o que poderia ser. Era um bicho muito estranho”, conta Gonçalo Rosa, à Wilder.

Este fotógrafo tinha ido à serra de Montesinho à procura de mamíferos para um projecto de divulgação da natureza e voltou de lá com imagens que ajudaram a descobrir uma espécie nova para Portugal. “Tudo aconteceu por acaso.”

 

Macho adulto de rato-das-neves. Foto: Gonçalo Rosa

 

Gonçalo enviou as imagens que captou a investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) que, assim que as viram, perceberam que aquela era uma espécie nova. Mas ainda havia muito trabalho a fazer.

Em Outubro de 2014, uma equipa de investigadores esteve em Lama Grande, em Montesinho, à procura daquele rato. Numa zona de blocos de granito, a 1370 metros de altitude, os biólogos colocaram 27 armadilhas com iscos (maçãs e cenouras) e um algodão especial que não absorve a água da chuva e que mantém os animais confortáveis durante a noite.

“Capturámos dois animais, um macho adulto e uma fêmea juvenil”, diz Hélia Vale-Gonçalves, investigadora especializada em micro-mamíferos no Laboratório de Ecologia Aplicada da UTAD, à Wilder. “Fizemos medições, pesagens, tirámos amostras de tecido e observámos a coloração do pêlo”. Os animais foram libertados no mesmo local. Junto às armadilhas “encontrámos muitos indícios da presença do animal, como pequenos túneis na vegetação, muitas galerias, dejectos e vegetação cortada”, acrescenta.

 

Zona onde foram detectados os animais. Foto: Gonçalo Rosa
Zona onde foram detectados os animais. Foto: Gonçalo Rosa

 

Os ratinhos eram diferentes das 23 espécies de micro-mamíferos já conhecidas para Portugal (9 insectívoros e 14 roedores). A cauda era maior, os bigodes eram muito grandes e brancos e o pêlo era muito diferente, refere a investigadora. A confirmação de que esta era a espécie Chionomys nivalis foi dada com base nas características morfológicas, biométricas e nas análises genéticas dos dois indivíduos capturados no Parque Natural de Montesinho, feitas no Cibio (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos).

O macho capturado pesava cerca de 49 gramas, tinha 122,4 milímetros de comprimento e uma cauda com 72,8 milímetros.

Esta espécie tem como habitat terrenos razoavelmente abertos, com algum mato, carqueja e urze, acima dos 1300 metros de altitude. Os ratos-das-neves fazem tocas no chão ao pé de grandes pedras de granito e têm um território pequeno porque não precisam de procurar longe por alimento, essencialmente ervas.

 

Onde estava o rato-das-neves?

 

A área de distribuição conhecida desta espécie estende-se do Turquemenistão até Espanha. Mas agora sabe-se que também ocorre em Portugal.

Apesar de não existirem registos históricos da ocorrência desta espécie no nosso país, pensa-se que poderá existir habitat adequado, por exemplo na Serra do Gerês, na Serra de Montesinho e na Serra da Estrela, segundo os investigadores.

Estes acreditam que a população de Montesinho pode estar ligada às populações na região contígua de Sanabria (Espanha).

Ainda assim, “através da análise genética conseguimos saber que já está separada das populações espanholas há bastantes anos”, explica Hélia.

“Apesar de esta nova descoberta poder ser vista como prova para a recente expansão da distribuição da espécie na parte norte da Península Ibérica, é altamente provável que, na verdade, represente a descoberta de uma população já existente mas ainda não detectada no Norte de Portugal”.

A espécie pode ter passado desapercebida porque, além de ser muito difícil observá-la – dado que é uma espécie de hábitos nocturnos e com uma área vital muito reduzida -, “há lacunas na distribuição territorial de várias espécies” de mamíferos, referem os investigadores.

“Este novo registo salienta a necessidade de censos regionais rigorosos para a distribuição dos micro-mamíferos e tendências populacionais para facilitar a definição do estatuto de conservação das espécies”. Segundo Hélia, agora resta saber se o rato-das-neves também ocorre, por exemplo, na Serra do Gerês.

A nível internacional, esta espécie tem um estatuto de Pouco Preocupante na Lista Vermelha da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN). Ainda assim, em algumas regiões, há já preocupações quanto à sua conservação. “As populações estão muito fragmentadas e restringem-se às regiões montanhosas, como por exemplo os Pirinéus, Alpes, Apeninos, Cárpatos”, escrevem os investigadores. A espécie está incluída no Livro Vermelho dos Mamíferos de Espanha, Itália e Ucrânia, por ser muito vulnerável a alterações no habitat (como as alterações climáticas) e por causa das populações com densidades baixas.

Em Portugal, Gonçalo Rosa quer voltar a Montesinho para ver o rato-das-neves.

 

Gonçalo Rosa a instalar a câmara de armadilhagem em Montesinho. Foto: Gonçalo Rosa
Gonçalo Rosa a instalar a câmara de armadilhagem em Montesinho. Foto: Gonçalo Rosa

 

“Nunca mais voltei a vê-los, desde o Verão de 2014.” Para o ano conta regressar, à sua procura.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.