Foto: David Levinson

E não é que as aves também dão “erros”?

Afinal, errar não é só humano; há aves que também o fazem. Uma equipa de investigadores, coordenada por portugueses, estudou os “deslizes” que algumas aves cometem a cantar e como isso as pode afectar. O artigo científico foi publicado a 8 de Julho na revista The American Naturalist.

 

Nem todas as aves cantam correctamente. Há algumas aves que, por vezes, deixam incompleta uma sílaba ou em vez de a repetir começam a alterná-la. “Estes ‘erros’ são raros, mas serão notórios para aves que convivem todo o dia”, explicou André Ferreira, investigador do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), em comunicado divulgado ontem.

O canto é um sinal sexual que serve, entre outras coisas, para os machos atraírem fêmeas. Mas como se relaciona o canto ao sucesso reprodutor de uma ave?

Gonçalo Cardoso, também do CIBIO-InBIO, contou hoje à Wilder que em 2006 e 2007, esteve a estudar os cantos do junco-de-olho-escuro (Junco hyemalis), um pardal norte-americano, em duas populações no Sul da Califórnia para tentar saber mais sobre a comunicação das aves.

 

Foto: David Levinson
Foto: David Levinson

 

“O Jonathan Atwell (um dos investigadores da equipa, da Universidade de Indiana) e eu marcámos estas populações com anilhas de cor para identificar os indivíduos, monitorizámos os seus territórios e reprodução, fizemos mais de 1.000 gravações de cantos de cerca de 180 machos e recolhemos outros dados (de morfologia, níveis hormonais, ADN para análises de paternidade).” O junco-de-olho-escuro tem um canto simples. “É um curto trilo repetindo a mesma sílaba” durante cerca de segundo e meio, explicou Gonçalo Cardoso.

André Ferreira passou essas mais de 1.000 gravações a pente fino e identificou vários tipos de canções atípicas, que ocorriam entre 1% e 6% das canções.

Uma das conclusões que Gonçalo Cardoso considera mais interessantes neste estudo é que “a ocorrência de canções atípicas não é aleatória. Há machos que comentem mais “erros” que outros”.

De acordo com este investigador, “certos tipos de ‘erros’ são mais raros em machos mais velhos – o que nas aves é sinal de qualidade, por mostrar capacidade de sobrevivência e experiência em cuidados parentais, por exemplo -, e em machos que conseguem fertilizar um maior número de ovos”.

Os “machos que cantam menos ‘erros’ fertilizam mais ovos (no seu ninho e no dos vizinhos!), o que sugere que as fêmeas prestam atenção a estes deslizes ao tomarem as suas decisões de acasalamento”, explicou André Ferreira.

Outra conclusão importante deste estudo tem a ver com a teoria da selecção sexual, ou seja, a componente de selecção natural responsável pela evolução de sinais e comportamentos sexuais. Esta teoria “está muito baseada na ideia de que é vantajoso sinalizar e escolher indivíduos de alta qualidade. O que vemos aqui é um pouco diferente. O erros de canto são ocorrências raras e permitem não tanto identificar e escolher os melhores machos na população, mas identificar e evitar os piores”, notou Gonçalo Cardoso. “Parece uma diferença banal mas pode ter consequências sobre como teorizamos o funcionamento da selecção sexual.”

Um dos próximos passos nesta linha de investigação será confirmar estes resultados em outras espécies, já que esta foi a primeira vez que se investigou, de forma detalhada, a ocorrência de sinais atípicos e o seu papel em comunicação animal.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra o arquivo nacional de sons da natureza, saiba por que as aves cantam na Primavera e ouça o canto das aves ao amanhecer.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.