Eles descobriram uma nova espécie de borboleta em Portugal. E no mundo.

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A borboleta-da-cornicabra (Ypsolopha milfontensis) – uma borboleta nocturna relativamente pequena de cor cinza-claro, com asas estreitas e compridas – é uma nova espécie para o mundo, e foi agora descrita para a Ciência e nomeada pela primeira vez. A investigadora Sónia Ferreira conta como tudo aconteceu.

A pequena borboleta-da-cornicabra (Ypsolopha milfontensis) foi descoberta na costa sudoeste alentejana, perto de Vila Nova de Milfontes por investigadores do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos).

A nova espécie de borboleta noturna endémica (Ypsolopha milfontensis). FotoSteve Nash

“É uma espécie relativamente pequena de cor cinza-claro, com asas estreitas e compridas, que apresentam manchas castanhas de extensão variável”, explica à Wilder Sónia Ferreira, entomóloga e investigadora daquele centro com sede em Vairão.

“Ainda não sabemos muito sobre o seu ciclo de vida, excepto que se alimenta do arbusto chamado cornicabra (daí o seu nome) e que as lagartas ocorrem em Maio.”

A descoberta aconteceu em Maio de 2019 durante trabalhos de campo na costa do sudoeste alentejano, entre Vila Nova de Milfontes e Cabo Sardão. Os investigadores estavam à procura de borboletas do género Ypsolopha, no âmbito do projecto IBI-InBIO Barcoding Initiative. Este é um esforço para construir uma biblioteca de códigos de barras de ADN de Invertebrados que ajude a monitorizar espécies a longo prazo e a descobrir novas também.

“Durante os trabalhos deste projeto já foram descobertas quatro espécies de borboletas novas para a ciência e adicionadas diversas espécies de invertebrados à fauna de Portugal de borboletas, moscas, percevejos, cigarrinhas e até de uma sanguessuga!”, explica Sónia Ferreira.

A descoberta da borboleta-da-cornicabra não foi totalmente inesperada. “Já sabíamos que existiam em Espanha espécies deste género de borboletas que se alimentam de plantas do género Ephedra. Foi com esta informação que, em Maio de 2019, os investigadores visitaram a costa do sudoeste alentejano em busca de novidades para a fauna de Portugal”, conta a investigadora.

A planta endémica Ephedra fragilis subsp. fragilis. Foto: Miguel Porto

Durante os trabalhos de campo procuraram a borboleta na planta Ephedra fragilis subsp. fragilis Desf., a única espécie portuguesa do género.

“Durante o dia foram visitados vários locais ao longo do litoral entre Vila Nova de Milfontes e Cabo Sardão sem sucesso. Nesse dia foi colocada uma armadilha de luz ultravioleta nas proximidades do alojamento em Vila Nova de Milfontes e, no regresso de madrugada após uma noite de amostragem de borboletas noturnas numa outra localidade, os investigadores encontraram um único exemplar de borboleta do género Ypsolopha que não conseguiram identificar qual a espécie a que pertencia. Na manhã seguinte, o entomólogo britânico especialista em borboletas noturnas de Portugal, Martin Corley, saiu em busca de um arbusto de Ephedra nas proximidades, e encontrou-o a cerca de 200 metros.”

Martin Corley em busca de Ephedra na costa alentejana. Foto: D.R.

“Nessa noite foi deixada uma armadilha de luz ultra-violeta junto ao arbusto e, quando inspecionado o local de madrugada, foram encontrados mais quatro adultos e diversas pequenas lagartas castanhas a alimentarem-se nos caules do arbusto. Curiosamente, nenhuma estava na armadilha”, disse a entomóloga à Wilder. 

Assim que viram estas borboletas souberam que estavam perante uma espécie nova para Portugal, “ou seja, que ainda não tinha sido registada nenhuma espécie  deste género que se alimentasse desta planta em Portugal”. “Mas apenas com estudos de morfologia e estudos genéticos foi possível concluir que se tratava de uma espécie nova para a Ciência.”

A análise detalhada da morfologia foi corroborada pelos dados genéticos obtidos por sequenciação de códigos de barras de ADN – isto é, segmentos curtos de ADN que podem ser analisados para distinguir as diferentes espécies – e foi reconhecida a existência de uma nova espécie para a Ciência, agora publicada na revista internacional SHILAP Revista de lepidopterologia, publicada pela Sociedad Hispano-Luso-Americana Lepidopterologia-Shilap.

Uma borboleta em perigo?

Esta borboleta vem juntar-se às mais de 2.700 espécies de borboletas conhecidas em Portugal.

“Todos os anos estão a ser descritas novas espécies para a Ciência”, comenta Sónia Ferreira, e apesar de “muito já ter sido feito, ainda há muito para fazer”.

“Temos um interesse crescente por este grupo, que é um grupo muito diverso. Mas a descrição de novas espécies é um processo lento e implica diligências várias para confirmação de que se tratam efetivamente de espécies novas para a ciência e não apenas espécies ainda não detectadas em Portugal”, acrescenta.

“Muito do trabalho implica consulta de diversos especialistas internacionais, coleções de museus e revisão exaustiva da bibliografia. Não é a descoberta no campo em si que é um processo lento, esse até é relativamente expedito, mas a validação e descrição do achado, essa sim leva o seu tempo e é um trabalho que deve ser feito com minuciosidade.”

A descoberta da borboleta-da-cornicabra vem juntar mais uma peça a este puzzle do mundo natural.

“Em Portugal sabemos ainda muito pouco sobre a nossa fauna de invertebrados. Seguramente existem várias outras espécies no anonimato, tal como Ypsolopha milfontensis se encontrava até agora, dependentes das diversas espécies endémicas de plantas vasculares de Portugal. É urgente estudar o nosso património natural, para conhecer e preservar” comentou Sónia Ferreira.

A planta endémica Ephedra fragilis subsp. fragilis. Foto: Miguel Porto

O facto de esta pequena borboleta se alimentar de cornicabra (Ephedra fragilis subsp. fragilis) – um arbusto ameaçado endémico do oeste da região mediterrânica e dos arquipélagos da Madeira e Canárias – deixa-a numa situação muito delicada.

Esta planta está classificada com a categoria de ameaça “Vulnerável” na Lista Vermelha de Flora Vascular de Portugal Continental. Ocorre em pequenos núcleos ao longo do litoral do Sudoeste Alentejano, desde Sines à praia de Monte Clérigo, e ocorre ainda no Barlavento Algarvio, na Ponta da Piedade. A redução das suas populações deve-se principalmente à destruição de habitat pela pressão urbana e turística.

Em Portugal pelo menos 381 espécies de flora vascular (cerca de 12%) encontram-se ameaçadas de extinção, assim como 44% dos endemismos. Isto é, 44% das espécies que ocorrem exclusivamente em Portugal encontram-se ameaçadas de extinção.

“O sudoeste alentejano é uma das regiões onde ocorrem mais endemismos de flora ameaçados. Por um lado, é uma região de elevada concentração de endemismos, mas por outro, uma região que está sujeita a fortes ameaças como a expansão em larga escala da agricultura intensiva e o desenvolvimento urbano-turístico” alerta, em comunicado, Miguel Porto, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica e investigador do CIBIO-InBIO.

O desaparecimento destes endemismos implica também a extinção de espécies animais que delas dependem. Desta forma, os investigadores suspeitam que a nova espécie de borboleta esteja igualmente em risco de extinção.

Segundo conta Sónia Ferreira à Wilder, “após a publicação da nova espécie estão a ser desenvolvidos esforços para identificação de locais onde possa ocorrer a planta hospedeira e verificação da ocorrência da espécie”. 

“Sendo a espécie hospedeira (planta de que se alimenta e depende a borboleta) uma espécie ameaçada de extinção em Portugal, é de suspeitar que a nova espécie de borboleta esteja igualmente em risco de extinção. É urgente focar esforços para atualizar o mapeamento detalhado das populações da planta hospedeira em Portugal e investigar a ocorrência da espécie de borboleta em cada uma dessas populações. Essa informação permitirá compreender o estatuto de ameaça da nova espécie e permitir a tomada de ações visando a sua conservação.” 


Saiba mais.

Recorde aqui a outra espécie de borboleta descoberta pela equipa de Sónia Ferreira.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.