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Eles estão a preparar florestas sem medo do fogo

No interior do país – nas serras da Freita, Arada, Montemuro, Lapa e Caramulo, envolventes do Vouga e Paiva – há mais de 150 hectares que estão nas mãos da Montis, Associação de Conservação da Natureza criada em Março de 2014. A sua gestão passa por torná-los mais resilientes e resistentes aos fogos.

 

“O fogo é uma inevitabilidade.” Quem o diz é Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista e presidente da direcção da Montis. Esta associação, com sede em Vouzela, tem vindo a adquirir terrenos e a geri-los de forma a aumentar a biodiversidade, a garantir a sustentabilidade dessa gestão e a aumentar a criação de emprego.

A prioridade não é travar o avanço das chamas mas sim optimizar a biodiversidade local e aumentar a fertilidade dos solos.

Neste momento, a associação gere mais de 150 hectares nos concelhos de Vouzela, São Pedro do Sul (distrito de Viseu) e Arouca (distrito de Aveiro). Carvalhos, medronheiros, ulmeiros, salgueiros, amieiros, um grande giestal e vegetação própria de margens de riachos fazem parte destes territórios.

Os terrenos estão divididos por três blocos. Os carvalhais do Caramulo, 5,5 hectares no concelho de Vouzela, pertencem à Montis. Aqui há essencialmente carvalhos-alvarinhos, diz-nos Henrique Pereira dos Santos. “São carvalhos em recuperação (…) e já há efeitos visíveis da nossa intervenção, como clareiras e bosquetes.”

 

Fotos: Montis

 

Os outros dois blocos são contratos de gestão. Um é o baldio dos Carvalhais (100 hectares no concelho de São Pedro do Sul) e o outro são 50 hectares da Altri (30 hectares em Arouca e 20 em São Pedro do Sul).

“O nosso objectivo é atingir carvalhais maduros”, numa recuperação de terrenos a longo prazo. “Não estamos preocupados em conseguir resultados já. A nossa preocupação é saber o caminho para lá chegar”, acrescenta o arquitecto paisagista e ex-vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza (ICN).

A estratégia passa por “usar os recursos, que são escassos, da forma mais estratégica possível”, adoptando uma “intervenção de muito baixa intensidade” que “valorize o território que temos”.

De momento, a Montis concentra-se em intervir apenas em dois dos 100 hectares do Baldio dos Carvalhais. “Escolhemos trabalhar em linhas de água, zonas que acumulam a humidade e nutrientes, e onde há maior potencial de recuperação. Não nos vamos dispersar”, explica o arquitecto paisagista. “Vamos intervir para aumentar o potencial de fertilidade nessas zonas, por exemplo através de sistemas para travar sedimentos e para acumular solos.”

Por enquanto, a plantação de árvores não faz parte dos planos. “Não estamos a pensar nisso. É preciso evitar a armadilha de pensar que o fogo não virá e que, por isso, podemos plantar. Se as jovens árvores arderem, voltamos ao ponto zero”, explica. “Não queremos evitar o fogo mas tentar imaginar o que acontecerá se a área arder e trabalhar para aumentar velocidade de recuperação das árvores após o fogo.”

Outra estratégia é actuar junto dos carvalhos maiores. “Escolhemos três ou quatro sítios para reduzir a altura dos matos e assim diminuir a continuidade de combustível na vertical”, diz Henrique Pereira dos Santos. A ideia é conseguir que o fogo passe por baixo e afecte a copa das árvores o menos possível. “E como há menos combustível, a temperatura do fogo será mais baixa.”

 

Foto: Montis
Foto: Montis

 

O grande objectivo é que “as copas dos carvalhos comecem a tocar umas nas outras e ensombrem os terrenos”; sem luz, os matos não têm tantas condições para crescer. “Desta forma, são os próprios carvalhos que controlam os matos.”

A Montis quer seguir este caminho que leva até florestas maduras, onde já não seja preciso intervir. “A não gestão é uma opção quando já se atingiu a maturidade e algum equilíbrio. Até lá é preciso gerir.”

Segundo Henrique Pereira dos Santos, a associação quer “demonstrar que se pode ir por outro caminho” na protecção das florestas contra incêndios. “Mas este não é um caminho sem fogo.”

 

[divider type=”thick”]Série Wilder Cuidadores de Florestas

Nesta época crítica para as florestas, marcada por incêndios, não vamos falar de área ardida nem tentar explicar as causas desta calamidade. Queremos antes mostrar os portugueses que estão a cuidar das florestas ao longo de todo o ano. Nesta série falámos com os responsáveis por alguns dos melhores projectos de prevenção de fogos e de enriquecimento de florestas e ouvimos as histórias de cidadãos que arregaçam as mangas pelas árvores. Estes são os Cuidadores de Florestas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.