Em Sintra, há um palácio de Verão dos morcegos-de-ferradura-pequenos

Numa pequena divisão desocupada da Quinta da Regaleira, na zona histórica de Sintra, situa-se uma das maiores maternidades em Portugal do morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros). Uma equipa de cientistas acompanhou de perto o dia-a-dia da colónia.

 

Quem visita o espaço da Quinta da Regaleira, com o seu palácio construído no início do século XX pelo milionário conhecido por Monteiro dos Milhões, vai normalmente em busca dos símbolos místicos que tornaram conhecida a arquitectura do local.

Muitos nem imaginam que numa pequena divisão desocupada no local da Quinta, está uma das maiores maternidades em Portugal do morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros), com cerca de 150 indivíduos da espécie durante o Verão.

O morcego-de-ferradura-pequeno é o mais pequeno dos morcegos-de-ferradura em Portugal, assim chamados porque a zona nasal tem precisamente essa forma, e mede entre 3,5 e 4,5 centímetros de comprimento. Com estatuto de conservação Vulnerável em território português, ocorre por todo o país, mas é na Regaleira que tem uma das maiores maternidades conhecidas.

 

Morcego-de-ferradura-pequeno. Foto: F. C. Robiller
Morcego-de-ferradura-pequeno. Foto: F. C. Robiller / Wikimedia Commons

 

Um estudo científico desenvolvido por investigadores da Unidade de Vida Selvagem da Universidade de Aveiro e do Centro de Investigação da Regaleira, ao longo dos anos de 2010 e 2012, concluiu que é nos meses de mais calor que os morcegos de concentram naquele abrigo.

O estudo agora publicado desenvolveu-se com recurso a câmaras de vídeo colocadas dentro do abrigo e à medição dos dados climáticos, como a temperatura, a humidade e a velocidade do vento.

Ao analisarem milhares de horas de gravações, os investigadores perceberam que as fêmeas começam a instalar-se no abrigo da Quinta da Regaleira durante o mês de Março. Gradualmente começam a deixá-lo entre Setembro e Outubro, quando o local é sobretudo utilizado durante a noite.

Já as primeiras crias foram avistadas pelas câmaras entre o final de Maio e o início de Junho, com as primeiras tentativas de voo gravadas poucos dias depois. As filmagens também permitiram concluir que nos primeiros dias depois do nascimento, grande parte das crias são transportadas agarradas às mães quando estas vão caçar durante a noite, ou pelo menos ficavam num local fora do alcance das câmaras.

Em Julho, os juvenis começavam a praticar pequenos voos dentro do abrigo, e poucos dias depois começavam a sair sozinhos para o exterior. Em Agosto, já era praticamente impossível distingui-los dos adultos.

Quanto à saída destes morcegos para o exterior, acontecia duas vezes por dia: a primeira na altura do pôr-do-sol, a segunda nos momentos em que o sol nasce.

“Alguns estudos mostram que a actividade dos morcegos insectívoros, com duas saídas diárias para o exterior, está relacionada com uma maior actividade dos insectos nesses períodos: normalmente, após o crepúsculo e um segundo antes da alvorada. Dessa forma os morcegos gastam menos energia para se alimentarem”, explica a equipa de investigadores.

Quanto ao local para onde migra esta colónia quando os dias se tornam mais frios, apesar de tentativas para o identificar, continua para já por conhecer.

 

Aquecedores a óleo “são essenciais”

 

A equipa de investigadores sublinha ainda que “as condições criadas neste abrigo foram cruciais para possibilitar o seu uso pela colónia”.

Com efeito, este abrigo na Quinta da Regaleira começou a ser ocupado pela colónia de morcegos em 2011, algum tempo depois se serem ali colocados dois aquecedores a óleo, que elevam a temperatura e não a deixam descer abaixo dos 16º.

Esta “mudança de casa” aconteceu porque trabalhos de restauração obrigaram a desocupar o antigo local onde se abrigava esta colónia, a poucos metros desse novo local, e onde já tinha sido também instalado um aquecedor a óleo, para elevar a temperatura e ajudar a manter um grupo de 40 morcegos.

Esta iniciativa, na altura do Grupo Espeleológico de Sintra, acabou por promover a vinda de outros indivíduos para a Regaleira, fazendo desta uma das maiores colónias de maternidade existentes no pais.

“A temperatura é um factor de extrema importância para as colónias principalmente durante o período de maternidade porque as fêmeas necessitam de um ambiente adequado para terem e cuidarem das suas crias durante as primeiras semanas de vida”, explicou à Wilder uma das autoras do estudo, Ana Lino, do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.

Estes “esforços devem ser mantidos para proteger uma das maiores colónias de morcegos-de-ferradura-pequenos de Portugal”, concluiu equipa de investigadores.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.