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Este é o livro do fotógrafo que seguiu durante meses os lobos da Peneda-Gerês

Conseguir fotografias únicas do lobo-ibérico (Canis lupus signatus) em plena natureza, em Portugal, tem sido a motivação do fotógrafo João Cosme nos últimos quatro anos. O livro “No Trilho do Lobo”, lançado este mês, é o resultado de meses de trabalho no campo, especialmente na Peneda-Gerês.

 

Para João Cosme, fotógrafo de natureza, este foi o trabalho que mais lhe custou fazer. Durante vários anos, de Julho a Setembro, andou na região do Alto Minho. Percorreu trilhos e subiu serras à procura do lobo-ibérico, um dos últimos grandes predadores de Portugal. “Este foi o meu trabalho mais complicado. São poucos indivíduos, muito esquivos, detectam-me com muita facilidade”, explicou à Wilder.

Fazer fotografia de vida selvagem requer “uma pontinha de sorte”, para estar lá no momento certo. Mas também precisa de “grandes caminhadas com muito material nas mochilas”, contou. João Cosme andou em zonas “muito agrestes, na serra”. “Ficava lá toda a semana. Dormia lá e fazia a comida.”

O esforço compensou. Nas 160 páginas do livro “No Trilho do Lobo” podemos ver cerca de 140 fotografias, a maior parte de lobo. Mas também há imagens de paisagens de prender a respiração, de abutres, águias-reais e da vida rural de quem convive com o lobo.

Actualmente existem 10 populações de lobo na Europa. O lobo-ibérico, subespécie que apenas vive em Espanha e Portugal, terá um total de 2.800 animais, 300 dos quais no nosso país. O mais recente censo nacional, de 2002/2003, identificou 63 alcateias (51 confirmadas e 12 prováveis) no Norte e Centro do país. Mais tarde, estudos compilados entre 2003 e 2014 deram conta da existência de 47 alcateias (41 confirmadas e seis prováveis).

Por ser um animal difícil de observar há poucas fotografias de lobo-ibérico em plena natureza. Mas João Cosme sempre teve vontade de conhecer o lobo de perto, em liberdade. Para o ajudar, contactou especialistas em lobo, especialmente do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), para saber como poderia ir para o terreno. Teve as informações que precisava e chegou mesmo a acompanhar equipas de biólogos no terreno. “Depois, fui aprendendo no campo.”

“O meu objectivo é dar a conhecer a vida do lobo. É um animal que tem muitas histórias”, disse-nos João Cosme. Para as ajudar a contar, o livro – editado pela ACHLI – Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico – tem textos dos biólogos Francisco Álvares, Carlos Fonseca e Gonçalo Brotas. “Os textos são muito importantes porque descrevem o lobo em Portugal”.

“O que se fala dele nem sempre é verdade. Há uma pergunta que me fazem sempre: se fui atacado, se tive receio. Mas isso nunca aconteceu e quando tive lobos por perto, eram eles os primeiros a fugir. Há um grande desconhecimento sobre o lobo. O lobo não é o que estamos habituados a ouvir.”

Durante os meses de campo, o fotógrafo fez esperas de oito a 12 horas por dia para tentar fazer fotografias. Em 95% das vezes veio com zero fotografias da espécie. “O lobo é um animal extremamente complicado de observar e ainda mais de fotografar, de fazer grandes planos.”

Para João Cosme, a maior dificuldade foi a aproximação. “Eles detectam-nos com muita facilidade. Mesmo estando a mais de 100 metros deles, camuflado, ouviam o disparo da minha câmara”, contou. Depois, “ficavam quatro ou cinco dias sem voltar a esse local”.

Muito deste trabalho é imprevisível. “Posso tê-los visto junto a um curso de água, mas três ou quatro dias depois já não estão lá. Não consigo fazer previsões se vai correr bem.”

Hoje, quando olha para o livro que tem nas mãos está satisfeito com o que conseguiu. “Estou satisfeito com a diversidade de imagens. Há animais adultos, há crias. Tive lobos a 20 metros de mim, fui um sortudo.”

João Cosme visitou várias alcateias mas houve uma em que as condições eram melhores. “O terreno era acessível, a luz ideal e os locais para me instalar eram vantajosos.” E tão depressa não vai esquecer a loba Bragadinha. “Foi uma fêmea que fotografei no primeiro ano de trabalho de campo. Foi abatida no segundo ano.”

O fotógrafo de natureza fica sempre muito triste, “custa quando estamos a seguir um animal.” “Às vezes entendo a revolta dos pastores, mas acredito que tem de ser feito um esforço para chegar a um entendimento, porque ambos os lados sairão beneficiados.”

No seu entender, o lobo-ibérico “é uma espécie emblemática e necessária, fundamental para o equilíbrio do ecossistema”. E o seu livro quer mostrar isso mesmo.

 

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NO TRILHO DO LOBO

Por João Cosme

ACHLI – Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico

Data de publicação: 13 de Dezembro

Preço: contacte [email protected] (este livro não está à venda nas livrarias)

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.