Curculio glandium. Foto: Klaus Bek Nielsen

Insectos recolhidos por dois voluntários provam efeitos da mudança do clima

O que começou como um simples passatempo de dois funcionários do Museu de História Natural da Dinamarca, movidos pela curiosidade, transformou-se numa das mais longas monitorizações de insectos já feitas, ao longo de 18 anos. As conclusões resultaram num vasto estudo sobre os efeitos das alterações climáticas na biodiversidade.  

 

Ao longo de 18 anos, dois funcionários do Museu de História Natural da Dinamarca, com grande experiência em entomologia, recolheram e identificaram pacientemente todas as espécies de insectos capturados numa armadilha que tinham colocado no telhado do edifício.

No que começou como um hobby, Ole Karsholt e Jan Pedersen fizeram essa monitorização semana após semana, nas estações da Primavera, Verão e Outono, entre 1992 e 2009.

“O que começou apenas como um hobby baseado em curiosidade científica terminou num extenso estudo sobre as mudanças de clima e de fauna”, relata a Universidade de Copenhaga, relativamente ao artigo científico que foi agora publicado no Journal of Animal Ecology.

Os dados recolhidos pelos dois funcionários do museu foram analisados pelos próprios e por um grupo de sete cientistas do Centro para a Geogenética e do Centro para a Macroecologia, Evolução e Clima, ligados ao Museu de História Natural da Dinamarca e à Universidade de Copenhaga.

Com base na análise das 1543 diferentes espécies de borboletas nocturnas e escaravelhos e dos mais de 250.000 indivíduos, registados ao longo dos 18 anos no telhado do museu, os cientistas concluiram que as alterações do clima provocaram mudanças significativas.

“À medida que a temperatura sobe, vemos uma alteração correspondente na comunidade de insectos, especialmente nos especialistas – aqueles insectos que se alimentam apenas de uma planta”, sublinhou um dos autores do estudo, Philip Francis Thomsen, do Centro para a Geogenética, citado num comunicado da Universidade de Copenhaga.

O estudo indica que se deu uma movimentação de espécies de insectos especialistas do Sul para o Norte da Europa, colocando sob pressão aquelas que ocorrem nas latitudes mais altas.

Na primeira metade do estudo foi registada a ocorrência de uma espécie de gorgulho que vive mais a Norte da Europa e que está dependente de avelãs para a sua subsistência, o Curculio nucum. Já nos anos seguintes, esse insecto desapareceu dos registos. Ole Karsholt e Jan Pedersen começaram a encontrar um outro gorgulho, o Curculio glandium, que se alimenta apenas de bolotas e costuma ocorrer mais para Sul do que o primeiro.

 

Curculio glandium. Foto: Klaus Bek Nielsen
Curculio glandium. Foto: Klaus Bek Nielsen

 

“Estamos prestes a perder alguns insectos especialistas à medida que se retiram mais para Norte, mas novas espécies de especialistas estão a chegar do Sul. Esta tendência já era esperada, mas a sua confirmação é extremamente rara com tantas espécies diferentes”, sublinhou outro cientista do grupo, Peter Sogaard Jorgensen, do Centro para a Macroecologia, Evolução e Clima.

O grupo de cientistas construiu um índice para as mudanças de temperatura que ocorreram, para cada grupo de espécies, no seu território europeu. As borboletas nocturnas especialistas sentiram uma subida de 0,14 graus Celsius entre 1993 e 2008, enquanto para os escaravelhos esse aumento foi de 0,42 graus Celsius, entre 1995 e 2008.

“Os resultados mostram que a mudança do clima já está a ter impacto na biodiversidade agora mesmo. Não é algo que só vá acontecer no futuro ou apenas se atingirmos uma subida de temperatura de dois graus”, avisou Peter Sogaard Jorgensen.

 

Nove espécies descobertas

 

Ao longo dos 18 anos da monitorização, os dois funcionários do Museu de História Natural da Dinamarca descobriram também sete novas espécies de borboletas nocturnas e duas espécies de escaravelhos, observadas pela primeira vez na Dinamarca.

A joaninha asiática Harmonia axyridis, agora considerada invasora no país, foi um dos insectos descritos pela primeira vez na Dinamarca, pelas mãos de Karsholt e Pederson.

 

Joaninha asiática Harmonia axyridis, descrita pela primeira vez na Dinamarca no decorrer desta monitorização. Foto: n.a.t.u.r.e

 

“A monitorização de longo-termo, mesmo sem objectivos definido à partida, pode ter um valor incrível quando tentamos compreender e prever a biodiversidade num mundo em mudança”, sublinhou Philip Francis Thomsen.

“Dá-se pouca importância à monitorização de espécies na Dinamarca, que é liderada principalmente pelos interesses pessoais de entusiastas dedicados. O mesmo é provavelmente verdade para muitos outros países europeus.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.