Investigadores portugueses descrevem duas novas espécies de lagartixas

Luís Ceríaco e Mariana Marques estão a ajudar a fazer o levantamento da fauna de São Tomé e Príncipe, um hotspot de biodiversidade ainda pouco conhecido. Estes investigadores acabam de descrever duas novas espécies de lagartixas naquelas ilhas oceânicas do Golfo da Guiné num novo artigo na revista Zootaxa.

 

À primeira vista, estas lagartixas parecem pertencer à mesma espécie. Na verdade, durante muito tempo acreditou-se que sim. Mas análises genéticas e a observação rigorosa destes répteis revelou, afinal, duas espécies inteiramente diferentes.

Luís Ceríaco e Mariana Marques, investigadores do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, acabam de publicar hoje na revista científica Zootaxa o que descobriram depois de duas expedições às ilhas de São Tomé e Príncipe e de muitas horas de estudo dos espécimes guardados em frascos nas colecções de vários museus, alguns há mais de 50 anos.

 

Trachylepis thomensis. Foto: Luís Ceríaco
Trachylepis thomensis. Foto: Luís Ceríaco

 

“A espécie Trachylepis maculilabris tem uma distribuição gigantesca, desde a África Oriental ao Golfo da Guiné, passando pelo continente e pelas ilhas. Mas, afinal, estas lagartixas não são todas da mesma espécie, apesar de terem a mesma linhagem e características parecidas”, contou Luís Ceríaco à Wilder.

Estas lagartixas terão colonizado a ilha de São Tomé e a ilha do Príncipe, vindas do continente africano, em momentos diferentes. “Depois, houve uma especiação e, com o passar do tempo, evoluíram para espécies diferentes”, neste caso a Trachylepis thomensis, endémica da ilha de São Tomé e do ilhéu das Rolas, e a Trachylepis principensis, endémica da ilha do Príncipe. Estas espécies foram agora descritas no artigo científico.

Para chegar a esta conclusão, os dois herpetólogos estudaram os exemplares das colecções dos museus de Lisboa e de outros nos Estados Unidos, França, Suíça e Alemanha. “Sempre que trabalhámos em museus estrangeiros, perguntámos o que tinham sobre São Tomé. Depois analisámos os espécimes, tirámos medidas, fotografias e recolhemos dados sobre o local da captura para tentar recolher o máximo de informação”, explicou ainda.

Além disso, os investigadores recolheram espécimes ao longo de dois anos de expedições àquelas ilhas. “Queríamos ter exemplares mais recentes porque, ao fim de 50 ou 100 anos em frascos com álcool estes acabam por perder características.”

No terreno, Luís e Mariana recolheram também informação sobre comportamentos e habitats. “Por exemplo, a espécie do Príncipe ocorre em zonas mais naturais, como plantações, florestas e bermas de estradas fora de cidades. Já a de São Tomé quase só a vimos em zonas urbanizadas, em roças, ou em resorts”, acrescentou.

Para Luís Ceríaco, este estudo “é mais um exemplo da importância das ilhas e da sua influência para a especiação das espécies”, uma vez que o “isolamento geográfico conduz e potencia a especiação”, peça central na teoria da evolução.

As ilhas de São Tomé e Príncipe, resultado de erupções vulcânicas, nunca estiveram ligadas ao continente africano e estão separadas dele mais de 250 quilómetros. São um hotspot de biodiversidade. Mas, segundo o investigador, o “conhecimento ainda é muito limitado” e há potencial para a descoberta de novas espécies. “Neste momento há trabalho a ser feito com répteis, anfíbios, mas também com borboletas e caranguejos, por exemplo.” Ceríaco já tem contribuído, com a descrição no ano passado de uma nova espécie de lagartixa.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.