Tubarão-baleia. Foto: Nuno Sá

Investigadores portugueses recebem 100.000 euros para conservar tubarões e raias

Ainda se sabe muito pouco sobre as cerca de 50 espécies de tubarões e raias que vivem em águas portuguesas. Três projectos portugueses receberam hoje 100.000 euros do Fundo para a Conservação dos Oceanos para colmatar lacunas e conservar estas espécies tão ameaçadas e vulneráveis.

 

As raias e os tubarões foram as espécies escolhidas para inaugurar o Fundo para a Conservação dos Oceanos, lançado em Maio de 2017 com um financiamento anual de 100.000 euros. Estes são animais com crescimento lento, tardia maturidade sexual e baixo número de descendentes. A sobre-pesca fez deles um dos grupos de peixes mais ameaçados do mundo. Por exemplo, no mês passado, uma equipa de investigadores portugueses alertou para a situação crítica do tubarão-anequim em águas portuguesas.

A 1ª edição deste Fundo escolheu três dos 23 projectos que se candidataram e os vencedores foram conhecidos esta manhã numa cerimónia que decorreu no Oceanário de Lisboa.

O projecto FindRayShark, do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, recebeu 49.000 euros. O financiamento vai ser usado para testar e validar um método inovador para monitorizar as raias e tubarões em águas portuguesas, com menos impactos nos animais.

Segundo a investigadora Sofia Henriques, que apresentou o projecto, os tradicionais métodos usam a captura e recaptura dos animais, o que causa algum impacto. Agora serão utilizadas duas técnicas: vídeo remoto subaquático estéreo com isco – para “identificar espécies, a sua abundância, tamanhos e comportamentos – e ADN Ambiental, uma técnica muito recente.

Esta consiste em recolher amostras de água e analizá-las para detectar a presença de ADN de tubarões e raias. “Não precisamos de os ver para os conseguir detectar”, explicou Sofia Henriques. Os cientistas irão procurar vestígios destes animais, como fluídos corporais, excreções e escamas. Depois é preciso comparar essas informações com as bases de dados internacionais e identificar quais as espécies que ocorrem naquelas águas.

 

Manta ao largo da ilha de Santa Maria, Açores. Foto: Nuno Sá

 

O método do FindRayShark vai ser testado ao largo da ilha açoriana do Faial e, depois de validado, será aplicado no arquipélago das Berlengas. “Esta zona tem um grande potencial para estas espécies mas não se conhece muito” sobre a sua ocorrência ali, lembrou a investigadora. A ideia é utilizar estas técnicas para descobrir quais os habitats críticos para raias e tubarões nas Berlengas – criando uma lista daqueles que deveriam ser mais protegidos – e para melhorar o conhecimento que temos sobre a ecologia destas espécies, “algo crucial para a conservação”.

Colmatar lacunas no conhecimento é também o grande objectivo de um dos outros vencedores, o IslandShark, da Universidade dos Açores e do Observatório do Mar dos Açores (OMA). Este projecto recebeu hoje 24.000 euros do Fundo para obter “mais informação sobre as espécies migratórias que dependem dos habitats costeiros em ilhas oceânicas”, explicou a investigadora Ana Filipa Sobral. Actualmente, “existe uma falta de conhecimento sobre os habitats e as espécies do oceano Atlântico. Não se sabe quais são os habitats e qual a sua importância”, nomeadamente as áreas de parto ou de maternidade.

Os investigadores vão estudar duas espécies em concreto: o tubarão-martelo e o cação. “Ambas são migratórias, ambas são vulneráveis”, notou a investigadora. O projecto quer fazer um mapa dos habitats essenciais para estes animais e criar diferentes cenários para a sua conservação e gestão. Além disso, quer obter informação “que tem estado em falta e transmiti-la a agências internacionais”, para uma melhor gestão das espécies das ilhas oceânicas.

“Este é um trabalho que já temos vindo a fazer há alguns anos, mas com a falta de financiamento tem sido lento. Agora será mais fácil.”

 

Tubarão-baleia. Foto: Nuno Sá

 

Shark Attract, do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, recebeu hoje 27.000 euros para ajudar a “criar uma consciência sobre tubarões e raias junto da sociedade”. Hoje “há uma delapidação de muitas populações destes animais”, dos quais se estima existirem 1.200 espécies em todo o mundo, segundo Henrique Cabral, director do MARE, na cerimónia de entrega do financiamento.

Entre as maiores ameaças está a sobre-pesca e “práticas altamente reprováveis, como as capturas apenas para recolha de barbatanas e o abandono das artes de pesca no fundo do oceano”.

Esta equipa de investigadores propõe-se fazer um diagnóstico da quantidade de raias e tubarões que são pescados todos os anos no país. “Em Portugal ainda há trabalho a fazer para conhecermos melhor o que se está a passar”, disse Henrique Cabral. Este biólogo salientou que, muitas vezes, as transacções em lota fornecem informação muito genérica sobre as espécies capturadas e continuam a ocorrer capturas não declaradas, “muitas delas ilegais”.

Shark Attract quer identificar os aspectos mais problemáticos e as medidas para os mitigar. E sensibilizar a sociedade – desde a comunidade piscatória ao público generalizado – para estas espécies e para o ambiente marinho. Estão previstas exposições itinerantes, um novo site, a publicação de um guia dos tubarões e raias da costa portuguesa e actividades escolares dedicadas a estas espécies.

“É urgente reunir esforços para a conservação do oceano”, comentou João Falcão, CEO do Oceanário de Lisboa e administrador da Fundação Oceano Azul. “Através deste Fundo, o Oceanário e a Fundação Oceano Azul reforçam a sua missão ao promover o conhecimento sobre estes animais, possibilitando uma conservação mais eficaz e efectiva e a manutenção da biodiversidade existente.”

Na opinião de José Soares dos Santos, presidente do Oceanário de Lisboa e da Fundação Oceano Azul, foram escolhidos projectos “que têm um impacto significativo na capacidade de protegermos as raias e os tubarões”. Falando na abertura da cerimónia, este responsável salientou que é necessário aumentar o financiamento a projectos de conservação “para que a sociedade se desenvolva em equilíbrio com o património natural, não deixando dívidas para pagar pelas gerações futuras”.

“É objectivo da Fundação ajudar a criar uma geração azul e que Portugal seja líder da sustentabilidade azul”.

Para 2018 já está prevista a 2ª edição do Fundo para a Conservação dos Oceanos, avançou hoje à Wilder Núria Baylina, directora de Conservação e Curadora do Oceanário de Lisboa. “O tema ainda não foi escolhido” mas lacunas de conhecimento para preencher não faltam. “Ainda há tanta coisa que falta saber sobre o mar português. Começámos pelas raias e tubarões por serem um grupo altamente ameaçado. Mas precisamos conhecer melhor outras espécies migradoras, precisamos saber mais sobre  os habitats marinhos e quais as melhores medidas de protecção.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.