Lince-ibérico morreu atropelado em estrada de Santarém

Chamava-se Hongo e era um macho de quatro anos, nascido em Espanha, que estava em Portugal desde 2013. Ontem foi encontrado morto, por atropelamento, na A23 perto de Vila Nova da Barquinha, distrito de Santarém.

 

Hongo era um lince-ibérico (Lynx pardinus) viajante que ainda não tinha encontrado o seu território ideal. Fez centenas de quilómetros desde que nasceu, em Aznalcázar – na província de Sevilha, na Andaluzia – em 2011. A 8 de Maio de 2013 foi detectado numa zona de caça associativa em Vila Nova de Milfontes. Durante dois anos viveu no Sudoeste Alentejano.

Os caminhos de Hongo eram conhecidos graças ao seu colar emissor VHF. Além disso, durante cerca de um ano foi monitorizado através de armadilhagem fotográfica e procura de vestígios na zona de caça associativa.

“O Hongo foi um espécime importante para a conservação do lince-ibérico pois comprovou a enorme capacidade da espécie para transpor barreiras e usar habitat menos favorável, bem como a conectividade entre os territórios de lince de Portugal e Espanha”, segundo uma nota da direcção executiva do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Além disso, simbolizou o “bom acolhimento que a espécie tem junto da população em geral e, em particular, dos caçadores no regresso da espécie a Portugal e à sua área de presença histórica”.

Agora, foi encontrado atropelado na A23. O acidente aconteceu durante a noite de quarta-feira para quinta-feira. O lince foi recolhido pelos bombeiros e entregue no posto da GNR de Vila Nova da Barquinha, informou à agência Lusa a capitã Irina Pinto, do Destacamento Territorial da GNR de Torres Novas, citou o Jornal de Notícias. “Não há registo de incidente nem da viatura que terá embatido no lince, uma vez que deve ter seguido a sua marcha”, acrescentou.

Actualmente, o atropelamento rodoviário é a maior causa de morte do lince-ibérico. Em Agosto, Miguel Ángel Simon, director do projecto Iberlince, disse à Wilder que o controlo das mortes por atropelamento é um dos maiores desafios à conservação do lince-ibérico para um futuro próximo, juntamente com o controlo das doenças de coelho-bravo (a principal presa do lince), a caça furtiva e veneno e a consolidação das reintroduções começadas em 2014.

Em Portugal está a decorrer o trabalho de levantamento dos “pontos negros” dos eixos rodoviários, avança o ICNF. Os locais com maior risco de atropelamento são assinalados e alvo de obras de apoio (como lombas, desmatações, passagens). Nos territórios de reintrodução do lince foi colocada sinalização específica aprovada para o efeito.

Estima-se que existam em Portugal onze linces em estado selvagem, graças aos esforços de conservação ibéricos para recuperar a espécie da ameaça de extinção. Segundo o mais recente censo à espécie, referente a 2014, existiam nesse ano um total de 327 linces nas quatro populações da Andaluzia. A maior continuava a ser a de Andújar-Cardeña (com 161 linces), seguida de Doñana (com 80), Guadalmellato (45) e Guarrizas (41). Estas duas últimas são as populações mais recentes, com reintroduções que começaram em 2010 e 2011, respectivamente. Em Portugal as reintroduções começaram a 16 de Dezembro de 2014 e terminaram a 14 de Maio deste ano.

A 23 de Junho deste ano, o trabalho de conservação da espécie foi reconhecido. A União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), baixou o estatuto de ameaça de Criticamente em Perigo para Em Perigo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.