Novo estudo revela como eram as primeiras flores

As plantas com flor, grupo que tem hoje cerca de 300.000 espécies conhecidas e que representa cerca de 90% de todas as plantas terrestres, surgiram há 140 milhões de anos. Um novo estudo científico reconstrói a história dessa evolução e revela como eram as primeiras flores.

 

O artigo, publicado ontem na revista Nature Communications, utilizou modelos matemáticos e a maior base de dados de características florais do mundo – com 792 espécies representadas – para chegar a uma nova perspectiva sobre a evolução das primeiras flores.

A equipa internacional de investigadores – que incluiu a investigadora portuguesa Patrícia dos Santos, do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais , entidade sediada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) – quis desvendar um dos grandes enigmas da Biologia: por que razão começaram as plantas a produzir flores (há 140 milhões de anos), como era a estrutura das primeiras flores e como se diversificaram tanto. Até agora não se sabia, por exemplo, se a flor ancestral original era unissexual ou bissexual.

O artigo agora publicado mostra um novo modelo da flor ancestral original “que não corresponde a nenhum dos modelos até hoje propostos”, segundo um comunicado do cE3c divulgado hoje.

 

Modelo tridimensional da flor ancestral original

 

De acordo com este estudo, a flor ancestral era bissexual, com partes femininas (carpelos) e masculinas (estames), e com múltiplos verticilos (círculos concêntricos) de órgãos petalóides, organizados em grupos de três. Cerca de 20% das flores apresentam estes verticilos “trímeros”, mas tipicamente em menor número: os lírios têm apenas dois verticilos, as magnólias têm três.

“Os resultados são absolutamente inesperados”, comenta Patrícia dos Santos, co-autora do estudo e  “Até hoje sempre se pensou que os órgãos das flores ancestrais tinham inserção em espiral e não em verticilos. Este estudo revela que aquilo que sabemos até hoje sobre a origem e a diversificação das flores terá de ser revisto.”

Os investigadores também reconstruíram a aparência das flores em todas as divergências-chave na árvore evolutiva das plantas com flor, incluíndo a evolução inicial dos dois maiores grupos de plantas com flor: as monocotiledóneas (orquídeas, lírios e gramíneas) e as eudicotiledóneas (papoilas, rosas e girassóis).

A base de dados de características florais levou seis anos para coordenar, validar e analisar.

“Precisávamos não só de uma base de dados colaborativa, mas também de introduzir os dados de forma muito mais rápida. As ferramentas e abordagens tradicionais para este tipo de trabalho não eram eficientes para um problema desta magnitude”, explica Hervé Sauquet (Universidade Paris-Sud, França), líder deste estudo e um dos coordenadores do eFLOWER, o projeto internacional do qual resulta este estudo.

Por isso, adotaram uma abordagem diferente. Em Julho de 2013 organizaram uma escola de Verão na Universidade de Viena (Áustria), na qual participaram 12 estudantes de doutoramento e pós-doutoramento de diversas áreas da Botânica e de diferentes países. Os estudantes tiveram as despesas de viagem e alojamento pagas e assistiram a palestras diárias sobre flores e evolução; em troca, numa única semana conseguiram registar na plataforma metade de todos os dados e tornaram-se co-autores do artigo final.

 

Participantes da Escola de Verão do projeto internacional eFLOWER

 

Patrícia dos Santos participou nesta escola de Verão. “Foi uma iniciativa muito produtiva, cuja ideia foi juntar jovens entusiastas de vários continentes, em colaboração com investigadores de renome na área. Foi uma semana intensa de trabalho, onde catalogámos pormenorizadamente caracteres morfológicos florais das principais linhas evolutivas de angiospérmicas.”

Esta investigadora espera agora que este trabalho colaborativo ainda “traga mais novidades ao mundo da evolução floral”.

Até porque ainda há muito por explorar. Existem “muitos taxa e linhagens que não estão ainda contemplados na base de dados – nomeadamente flores fósseis, correspondentes a espécies já extintas -, uma vez que a diversidade de angiospérmicas é enorme”. Nas palavras de Patrícia dos Santos, este é um “trabalho minucioso e absolutamente colossal”.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

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E se quiser descobrir mais sobre o que as plantas têm feito por nós, esta é uma exposição a não perder.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.