Foto: Joana Bourgard

Novo relatório climático revela o que está a acontecer à biodiversidade europeia

Os sapos, borboletas, aves, peixes, árvores, mamíferos, rios e florestas da Europa já estão a sentir os impactos das alterações climáticas. Um relatório da Agência Europeia do Ambiente publicado hoje mostra o que está a acontecer.

 

O relatório “Climate Change, impacts and vulnerability in Europe 2016” é muito claro. “As alterações climáticas estão a afectar a Europa” a vários níveis e a biodiversidade não é excepção.

Este é o quarto relatório feito pela Agência Europeia do Ambiente, em colaboração com o Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, o Gabinete Regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa e três centros temáticos europeus. Os relatórios são publicados de quatro em quatro anos para apoiar a União Europeia e os Estados membros com os seus planos e estratégias de adaptação.

O documento analisa os impactos das alterações climáticas, desde o aumento das temperaturas à maior frequência e intensidade de fenómenos extremos como ondas de calor e secas. E apesar de alguns impactos serem benéficos, a maioria são adversos, especialmente na Europa do sul e sudeste. “As alterações climáticas vieram para ficar durante muitas décadas. Mas a magnitude dos seus impactos vai depender da eficácia dos nossos esforços de mitigação”, escrevem os autores no relatório.

Actualmente, os ecossistemas terrestres e as áreas protegidas em toda a Europa estão sob pressão das alterações climáticas e de outros fatores de stresse, como alterações na utilização dos solos. Segundo o relatório, 14% dos habitats e 13% das espécies com interesse europeu estão sob pressão por causa das alterações climáticas. E a proporção de habitats ameaçados pelas alterações climáticas deverá mais do que duplicar no futuro.

Muitas animais e plantas estão a mudar os seus ciclos de vida. Por exemplo, a Primavera está a chegar mais cedo e muitas espécies de plantas adiantam a produção de pólen (em média 10 dias mais cedo do que acontecia nos anos 1960), os sapos estão a colocar ovos mais cedo, as aves começam a nidificar mais cedo e a chegada de aves e borboletas migradoras também acontece mais cedo.

Além disso, são muitas as espécies que alteraram a sua área de distribuição, geralmente para Norte e em altitude, procurando condições para sobreviver. O problema é que “o ritmo das alterações climáticas está a exceder a capacidade que muitas espécies têm de migrar, especialmente em paisagens fragmentadas que lhes restringem os movimentos”. Por isso, salienta o relatório, já foram registadas extinções locais de espécies. “Tudo isto pode levar a um declínio e homogeneização da biodiversidade europeia, especialmente nas montanhas”, acrescentam os autores. Um estudo com 150 espécies de plantas das montanhas nos Alpes europeus previu reduções entre 44 e 50% nas suas áreas de ocorrência no final do século XXI.

A capacidade limitada de dispersão de muitos répteis, anfíbios e borboletas, aliada à fragmentação dos habitats, levará a uma redução e isolamento dos territórios de muitas dessas espécies. E os mamíferos também não estão a salvo. O relatório cita um estudo com 120 espécies de mamíferos terrestres nativos da Europa, segundo o qual 1% a 5 ou 9% dos mamíferos europeus estão ameaçados com risco de extinção.

As alterações climáticas estão também a afectar a interacção das espécies que dependem umas das outras, especialmente plantas e polinizadores.

Quando olhamos para os ecossistemas marinhos, também vemos mudanças. As águas marinhas estão com maiores níveis de acidificação, o que traz graves impactos nos organismos marinhos. Nas últimas décadas, este fenómeno tem vindo a acontecer 100 vezes mais depressa do que nos últimos 55 milhões de anos. Por outro lado, a temperatura média da água do mar tem vindo a aumentar, causando alterações na distribuição das espécies marinhas em direcção aos pólos e em profundidade. “Todos os mares europeus aqueceram consideravelmente desde 1870 e o aquecimento tem sido particularmente rápido desde o final dos anos 1970”, segundo o relatório. Espécies sub-tropicais estão a aparecer com maior frequência nas águas europeias e as espécies sub-árcticas estão a retroceder para Norte.

Os rios também estão a sentir o peso das alterações do clima, com mudanças nos seus caudais de Inverno e Verão e nas temperaturas da água, o que facilita a invasão de espécies exóticas, altera a distribuição das espécies e aumenta a deterioração da qualidade da água. Segundo o relatório, prevê-se que a temperatura média dos maiores rios europeus aumente entre 1,6 e 2,1ºC durante o século XXI.

Zero pede “acção rápida”

“As alterações climáticas continuarão por muitas décadas”, comentou Hans Bruyninckx, director executivo da AEA, em comunicado. “A escala das alterações climáticas futuras e dos seus impactes dependerá, não só da eficácia da aplicação dos nossos acordos globais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, mas também, de garantirmos adequadas estratégias e políticas de adaptação a fim de reduzir os riscos das situações climáticas extremas atuais e projetadas”, acrescentou.

A Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou o relatório e, em comunicado, pede uma “acção rápida na mitigação e adaptação”. Este organismo diz-se “muito preocupado” com os custos das alterações climáticas para Portugal. Refere, por exemplo, que “as consequências das alterações em Portugal entre 1980 e 2013 (a preços de 2013) atingiram já 6,8 mil milhões de euros”.

A par dos impactos nos sectores económicos e na saúde e bem-estar humanos na Europa, a Zero recorda também os impactos nos ecossistemas europeus. “Os Alpes e a Península Ibérica são pontos críticos para os ecossistemas e os seus serviços.”

Por tudo isto, a associação pede especialmente o avanço do Roteiro Nacional de Carbono Neutro para 2050 e a aplicação de iniciativas locais e nacionais no âmbito da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas.

 

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.