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Morcego-orelhudo-cinzento. Foto: Jasja Dekker / Wikimedia Commons

Num jardim de Londres, máquinas aprendem a identificar morcegos

A Internet das Coisas Selvagens, como lhe chamam os cientistas, está a chegar aos morcegos. No Queen Elizabeth Olympic Park, em Londres, foram instalados 15 sensores inteligentes que identificam sons dos morcegos e tentam reconhecer as espécies. Tudo em tempo real.

 

O projecto chama-se Nature-Smart Cities e junta investigadores ambientais, de estatística e de informática com especialistas em tecnologia, na tentativa de desenvolverem um sistema automático de monitorização de morcegos.

Ainda na fase-piloto, o objectivo da equipa é aperfeiçoar a detecção dos morcegos e a identificação dos algoritmos, de forma a medir em tempo real o nível de actividade e as espécies presentes no parque. Entre os vários parceiros, contam-se investigadores da University College of London (UCL) e da Intel Labs Europe.

Como os morcegos são um bom bio-indicador, os novos aparelhos vão ajudar a medir até que ponto o ambiente deste espaço verde é saudável, adiantam os responsáveis do projecto.

 

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Foto: Nature Smart Cities

 

“Criámos este Shazam [‘app’ que reconhece músicas pelo som] para a actividade dos morcegos – chamamentos – e por isso colocámos sensores no parque, que estão ligados à rede de Internet sem fios e à electricidade”, explicou Kate Jones, professora de Ecologia e Biodiversidade na UCL, à BBC.

“Colocámos um sistema inteligente nos sensores para que possam apanhar os chamamentos ultra-sónicos dos morcegos e então indicarem-nos se é um morcego e de que espécie se trata, em tempo real.”

Desde final de Maio que os aparelhos estão espalhados pelo parque, para aproveitar a altura em que estes animais saíram da hibernação.

Entre as 10 espécies que ocorrem neste espaço verde, criado para os Jogos Olímpicos de 2012, estão o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), o morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmeus) e o morcego-orelhudo-cinzento (Plecotus austriacus), que ocorrem também em Portugal.

 

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Morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus). Foto: Evgeniy Yakhontov / Wiki Commons

 

Cada um dos sensores usa um microfone ultra-sónico que capta os sons nas redondezas, em frequências que são inaudíveis para o ouvido humano mas que os morcegos costumam utilizar.

Os sons captados são depois transformados numa imagem conhecida como espectrograma, que vai ser analisada por um algoritmo para identificar possíveis chamamentos de morcegos. Este algoritmo ignora sons abaixo dos 20kHz, ao nível da voz humana.

“Medir a actividade dos morcegos no Queen Elizabeth Olympic Park é um desafio muito interessante, que envolve grandes volumes de dados acústicos. Cada aparelho aprende técnicas para processar ele mesmo os dados, no seu respectivo ‘chip’”, explicou Sarah Gallacher, da Intel Labs Europe, numa nota divulgada sobre o projecto.

Para chegarem a este ponto, uma equipa de cientistas informáticos ‘instruiu’ os aparelhos com uma grande diversidade de exemplos: “Neste caso, tivemos imensos ficheiros áudio que foram identificados por voluntários e por especialistas em morcegos, que nos indicaram quando é que uma parte de um ficheiro de som corresponde ao chamamento de um morcego”, adiantou à BBC o responsável pelos cientistas informáticos na UCL, Gabriel Brostow.

 

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Morcego-orelhudo-cinzento (Plecotus austriacus). Foto: Jasja Dekker / Wikimedia Commons

 

Esta experiência com os sensores de morcegos vai prolongar-se até ao final do ano. Também nessa altura, está prevista a divulgação dos dados recolhidos sobre a biodiversidade destes animais no parque e ainda do funcionamento dos próprios aparelhos – que poderão ser replicados por quem estiver interessado.

Mais para a frente, os mesmos sensores poderão ser adaptados para monitorizar as aves do parque, por exemplo, ou mesmo serem usados na natureza. “Penso que a nossa plataforma pode começar a monitorizar de uma forma muito mais pormenorizada a biodiversidade do nosso planeta”, concluiu Kate Jones, da UCL.

 

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Saiba mais.

Aceda aqui a alguns dos dados recolhidos pelos 15 aparelhos instalados no Queen Elizabeth Olympic Park, apenas com desfasamento de alguns minutos.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.