Joaninha. Foto: Myriams/Pixabay

O livro das 30 cartas de amor à natureza em Portugal

O primeiro livro da bióloga Andreia Dias, que trabalha há anos na conservação de águias em Portugal e no estrangeiro, é assim como uma colectânea de cartas de amor à natureza portuguesa.

 

A escrita de natureza em português tem um novo nome. Andreia Dias, bióloga conservacionista de 39 anos, publicou em Agosto o seu primeiro livro, Delícias da nossa encantadora Natureza – observadas e sentidas.

Muitas horas na vida de Andreia Dias foram passadas no campo. O seu trabalho na conservação das espécies selvagens de Portugal deu-lhe um acesso privilegiado ao mundo natural e às suas curiosidades.

 

Andreia Dias. Foto: D.R.

 

Agora, à investigadora juntou-se a escritora. Porque através da escrita partilha o entusiasmo que sente nos muitos encontros com o lado mais selvagem do país. “Respirando profundamente, senti-me purificada e também congratulada por poder respirar o mesmo ar que os lobos, as cabras-monteses e as gralhas-de-bico-vermelho… em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês”, escreveu no livro.

A autora dedicou um capítulo a uma espécie de animal ou planta que a sensibilizou. “Com todas elas vivenciei alguma experiência”, disse à Wilder. “Tive o cuidado de escolher elementos que podem ser observados em Portugal”, como a águia-de-bonelli, uma ave a que dedicou os últimos 11 anos e que “foi um amor à primeira vista, pela sua fragilidade e robustez”. Ou ainda as borboletas-do-medronheiro, suas companheiras nas pausas de almoço em longas jornadas de trabalho de campo, e o lírio-do-Gerês, flor de azul/lilás vivo que encontrou quando procurava abutres na Peneda-Gerês e uma das plantas mais raras da Península Ibérica. “Não fui capaz de lhe tocar com receio de algum modo o danificar (….). Encontros destes são cada vez mais raros, muitas vezes únicos nas nossas vidas. Mas não hesitei em fotografá-lo para o recordar eternamente.”

“Escrevi estes textos como que se de cartas de amor se tratassem”, contou à Wilder. Confessa que “no início foi estranho” fugir da linguagem técnica a que está mais habituada. “Foi como se rejuvenescesse e voltasse a ser adolescente, uma adolescente enamorada da Natureza.”

Andreia Dias está a terminar a tese de doutoramento na Universidade de Barcelona, onde estuda a população de águias-de-bonelli do Sul de Portugal. É consultora do Projecto de Reintrodução da Águia-Pesqueira na Suíça e participa na colocação de emissores em aves em vários projectos, em colaboração com o Ministerio de Agricultura y Pesca, Alimentación y Medio Ambiente espanhol.

Agora, quer “despertar as pessoas” para as maravilhas do mundo natural, em especial os mais novos, e dar-lhes algum conhecimento para que procurem mais informações sobre a Natureza. “Só podemos cuidar de algo se o conhecermos”, salientou.

No seu caso, está rodeada de laços que a ligam à Natureza desde pequena, “quer pelos ensinamentos dos meus pais e irmão, quer pelo local onde nasci. Julgo que também por algo inato que me fez ser curiosa e querer saber mais e mais.” E recorda bem o momento inspirador em que desejou ser bióloga. “Foi aos 8 anos, porque registei no meu diário a observação de uma postura de ovos de aranha em eclosão (centenas deles!).”

Numa linguagem simples e clara, os textos foram escritos “para todos os que nutrem muito carinho pela Natureza e para aqueles que desconhecem as sensações que dela podem advir”. “A leitura é muito leve e como optei por escrever textos curtos e individuais, os leitores podem saltar no livro e ler sobre o elemento que mais agradar no momento.”

Andreia Dias escreveu os textos entre 2010 e 2016 e publicou-os em três blogues relacionados com Natureza. “Quando escrevi estes textos, nunca pensei que pudessem resultar numa compilação publicável”, comentou. Mas depois deste livro, esta bióloga garante que vai continuar a escrever. Até porque “há muitas espécies para dar a conhecer, com muitas curiosidades associadas”.

Na sua opinião, hoje a “relação das pessoas com a Natureza está mais cuidada”. “Há mais acesso a informação e cresceram o cuidado e atenção pela Educação Ambiental. As pessoas começaram a viajar mais e a contactar com outras realidades. Quem viaja pela Europa não fica indiferente ao trato diferenciado que a Natureza tem. Além disso, ser biólogo, naturalista ou simplesmente interessado pela Natureza, já não é algo desconhecido e bizarro. Tudo muda quando se cultiva o conhecimento. Mesmo assim, ainda há muito trabalho por fazer.”

Uma das portas de acesso ao mundo natural é registar as espécies observadas durante um passeio num bloco de notas e/ou em fotografia ou desenho. Este registo, diz Andreia Dias, é importante não só para mais tarde recordar, mas para termos a certeza do que estamos a observar. “Por vezes, no campo, as observações são muito rápidas e não há tempo de se verificarmos pormenores. Pensamos que “fotografamos” a espécie com a nossa memória, mas quando nos deparamos com espécies semelhantes, já não conseguimos afirmar com certeza. O registo é também importante para a documentação da existência da espécie num dado local. Esta existência diz-nos muito acerca da qualidade do habitat.”

Por isso, a bióloga deixa alguns conselhos para uma expedição naturalista bem sucedida. “Hoje há muita informação disponível sobre as espécies que se podem observar em determinados locais. Convém procurar essa informação, disponível na internet, em bibliografia ou mesmo junto de profissionais, antes de se partir à descoberta. Deste modo, poder-se-á estar mais atento e desperto ao que podemos observar. Os guias de campo são excelentes aliados que devem acompanhar as visitas. Sempre que possível, binóculos e telescópio são importantes para observar as espécies que se mantêm a uma distância que para elas é confortável e que não nos permite perturbação.”

 

[divider type=”thick”]Retrato de Andreia Dias

Wilder: O que fazes?

Andreia Dias: Sou bióloga, mestre em gestão e conservação da Natureza e doutoranda em biodiversidade.

W: Como aprendeste a fazer o teu trabalho?

Andreia Dias: Com muito empenho e dedicação. Aprendi com todos os projectos em que estive envolvida e com algumas pessoas que felizmente se cruzaram no meu caminho.

W: Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Andreia Dias: Pensava que iria ser bióloga marinha e estudar estrelas-do-mar, ouriços, medusas e esponjas. Por isso estudei um ano na Universidade dos Açores. Mas depois optei por estudar biologia geral antes de me especializar.

W: O que ainda te falta fazer?

Andreia Dias: Muita coisa… conhecer muitas espécies e ajudar muitas outras. Contribuir para que tenhamos um mundo melhor e passar todo o conhecimento que possa em prol disso mesmo. Na minha opinião, é o conhecimento, a ferramenta indispensável para que sejamos todos cuidadores do nosso presente e do nosso futuro.

 

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Delícias da nossa encantadora Natureza – observadas e sentidas

Por Andreia Dias (textos e fotografias)

Novas Edições Académicas

Data de publicação: Agosto de 2017

Preço: 21,90 euros

O livro pode ser encomendado através do email de Andreia Dias será autografado ([email protected]) ou online aqui.

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.