Serra do Marão
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O “maravilhoso” mundo natural de Trás-os-Montes chega à televisão

Estreia neste domingo, dia 28 de Agosto, na SIC o mais recente documentário de Luís Quinta e Ricardo Guerreiro, “Reino Maravilhoso – por terras do Alvão e do Marão”. Durante 50 minutos, vai conhecer os animais, plantas e paisagens que fazem destas serras um lugar especial.

 

A Norte do rio Douro, Portugal é declivoso e enrugado. No coração desta região erguem-se duas serras, o Marão, com os seus 1.415 metros de altitude, e o Alvão, com 1.283 metros.

À primeira vista, são as encostas pedregosas meio áridas, de xistos e granitos. Depois, vemos as quedas de água, os rios de montanha e tapetes de vegetação rasteira, em tons de amarelo e rosa, que não chegam para cobrir toda a serra. Mas Luís Quinta e Ricardo Guerreiro foram atrás do pormenor e do que é genuíno. Passaram cerca de 100 dias naquelas serras para conseguirmos ver tudo isso e o que se esconde. Como o tartaranhão-caçador a alimentar as crias, a vespa-das-areias a escavar os seus abrigos no solo, as estratégias das plantas carnívoras e até as lagartas da borboleta-azul-das-turfeiras que, “fingindo” ser formigas, vivem no subsolo.

Foram cerca de 15.000 quilómetros percorridos para captar o passar das estações naquela região e testemunhar como as espécies se adaptam. “Este filme segue uma lógica de calendário anual”, explica-nos Ricardo Guerreiro, 38 anos, fotógrafo de natureza. “Começa no inverno e termina no outono seguinte.”

O grande objectivo desta dupla de naturalistas e documentaristas é mostrar as terras do Alvão e Marão, quer a visitantes portugueses e estrangeiros, quer aos seus próprios habitantes. “As paisagens são deslumbrantes e há histórias de vida selvagem únicas. Para nós era fundamental mostrar essas histórias e locais para valorizar a região e potenciar a sua conservação”, explica.

Dos vários locais visitados para descobrir os tesouros naturais das serras, o topo do Alvão terá sido onde ambos passaram mais tempo. É uma zona que “conjuga habitats interessantes e ali ocorrem variadas espécies. Foi lá que acabámos por descobrir a maioria das histórias mais relevantes no filme como os casais de tartaranhões-caçadores a nidificar, as cobras-de-água no rio Olo, as pequenas aves nos seus ninhos, as plantas carnívoras e a borboleta-azul-das-turfeiras”, adianta Ricardo Guerreiro.

A riqueza natural da região está na origem deste documentário, assim como a vontade da Câmara Municipal de Vila Real em produzir este filme. “Esta é uma entidade que aposta forte na divulgação e preservação das suas riquezas naturais em várias frentes”, salienta Ricardo Guerreiro.

O nome do documentário foi inspirado no escritor Miguel Torga, que um dia se referiu a Trás-os-Montes como a um “reino maravilhoso”. Ricardo Guerreiro recorda o tempo que ali passaram, “embrenhados naquelas maravilhosas paisagens, espetaculares rios de montanha, a filmar histórias magníficas de belos animais”. E não hesita em concordar com o escritor. “Quem mergulhar em Trás-os-Montes, em concreto nestas duas serras que abordamos no filme, penso que não terá dificuldade em concordar com a descrição de Miguel Torga.”

Com este documentário, Luís e Ricardo gostavam de transmitir ao telespectador uma “enorme empatia, carinho e, porque não, orgulho pela região e pelos sujeitos retratados. Tentamos sempre trabalhar pela exaltação do mundo natural, transmitir emoções e sensações fortes através das imagens e também das narrativas, e isso continuou presente neste trabalho”.

A dupla que fez os documentários “Arrábida, da serra ao mar” (2013) e “Almada, entre o rio e o mar” (2014) não deixa de se surpreender com o mundo natural. Desta vez, também não foi excepção. “Surpreendeu-nos sobretudo a ‘descoberta’ de uma espécie, que acabou por ser incluída no filme: a vespa-das-areias”, conta Ricardo Guerreiro. “Andávamos a filmar um casal de rapinas na sua época de reprodução, quando começámos a reparar numas vespas que poisavam na estrada de terra e, em fracções de segundo, escavavam um buraco e desapareciam para o subsolo. Investigámos, lemos sobre o assunto, surpreendeu-nos a história e decidimos incluí-la no filme.” Outra das coisas que os surpreendeu foi “perceber que as rapinas adultas, quando alimentam os filhotes, ingerem as ‘partes más’ das presas, como patas, pele, tripas e só dão o melhor à prole”.

Para Ricardo Guerreiro, este foi um trabalho “um pouco mais exigente” a nível técnico em relação aos anteriores. “Recorremos a equipamentos que ainda não tínhamos usado, como o drone”. Mas houve dificuldades maiores. “Quisemos mostrar o tempo a passar mas não apenas com lapsos temporais que aceleram as imagens para mostrar algo que está a acontecer ao longo de horas ou dias. Quisemos mostrar a transformação da paisagem que ocorre ao longo de meses; um bosque de carvalhos verdejante e vistoso na primavera a passar para castanho/amarelo e despido no outono com um dissolve feito na montagem. Isso requer planeamento e registos das posições o mais exactas possíveis das câmaras na primavera para, quando voltarmos ao local no outono, podermos colocá-las com o mesmo enquadramento. Não foi tarefa fácil.”

Outra situação desafiante foi a filmagem do ciclo anual da borboleta-azul-das-turfeiras. “Embora as técnicas (essencialmente macro) nos fossem familiares, estes animais ocorrem como lagartas no subsolo, em ninhos de formigas, o que se revelou muito difícil de trabalhar. Não só era complicado achar os ninhos das formigas como filmar lagartas de poucos milímetros a serem transportadas por formigas na terra… Enfim. Noutras fases do ciclo, as lagartas são ainda mais pequenas e encontram-se dentro da flor de uma única espécie de planta; pode-se imaginar o que é filmar um bichinho de um a dois milímetros dentro duma flor. Mal se vê a olho nu.”

A logística das filmagens foi, de longe, mais exigente do que nos filmes anteriores. “Estávamos ‘longe da base’ por períodos de tempo que chegavam a três semanas. Qualquer falha com o equipamento ou necessidade inesperada dum equipamento que não tivéssemos trazido era muito mais grave… Nos filmes da Arrábida ou Almada, estávamos sempre no máximo a uma hora de casa.”

O documentário passa a 28 de Agosto, às 12h00, na SIC, espaço “Vida Selvagem”.

 

[divider type=”thick”]Luís Quinta e Ricardo Guerreiro partilham com os leitores da Wilder um curto vídeo com os bastidores das filmagens.

[divider type=”thick”]Saiba mais

Leia aqui a entrevista que a Wilder fez a Luís Quinta e Ricardo Guerreiro no meio das filmagens para este documentário.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.