Dave Goulson. Foto: DR

“Precisamos de oportunidades para ver como os insectos são um espectáculo”

Dave Goulson, investigador britânico na Universidade de Sussex, dedica a vida a tentar compreender por que razão estão a desaparecer os polinizadores e a encontrar as melhores formas de os ajudar. Os seus livros “A Sting in the Tale” (2013) e “A Buzz in the Meadow” (2014) tornaram-se marcos na comunicação de ciência e escrita naturalista. No início de Setembro esteve em Lisboa no XVII Congresso Ibérico de Entomologia. A Wilder esteve à conversa com ele sobre abelhas, abelhões e borboletas.

 

Estamos na cafetaria do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil), em Lisboa. Dave Goulson, de camisa azul clara e calções de cor creme com bolsos, senta-se e pousa o saco de pano que traz ao ombro em cima da cadeira. Conta que não é a primeira vez que está em Portugal e recorda a maravilhosa costa do Sudoeste Alentejano e os campos de flores silvestres primaveris perto de Aljezur. Fala com entusiasmo de abelhões e borboletas ao som das bicas a sair lá atrás no balcão.

 

Wilder: Como podemos apaixonar as pessoas pelos insectos?

Dave Goulson: (Suspiro e sorriso). Bem, acho que dar-lhes factos sobre a utilidade dos insectos polinizadores ajuda. Hoje, a maioria das pessoas está apenas vagamente consciente da importância destes animais e do que lhes aconteceria se os perdessem.

W: Como por exemplo na produção de alimentos…

Dave Goulson: Exactamente. Por exemplo, são muitas as pessoas que ainda pensam que a polinização é feita por uma única espécie de abelha, que vive dentro de uma caixa e que faz mel. Ora isso não podia estar mais longe da verdade. Outra coisa que ajuda a aproximar as pessoas destes animais é criar oportunidades para que os observem como deve ser, para verem como são um espectáculo. É fascinante a forma como as borboletas escolhem as flores para recolher o seu alimento, ou a vida dos abelhões. E eles estão por todo o lado, nos nossos jardins, mesmo debaixo do nosso nariz.

W: E como se pode conseguir isso?

Dave Goulson: Por exemplo, através de documentários de televisão. Mas sei que não é fácil convencer alguém a filmar insectos, apesar de os insectos serem quase três quartos das espécies da vida na Terra. A maioria dos documentários de vida selvagem é sobre os grandes animais das savanas africanas, as pessoas querem ver animais grandes. Uma vez escrevi a Sir David Attenborough para lhe sugerir um documentário sobre insectos. Respondeu-me que já tinha tentado mas que não tinha conseguido convencer a BBC a fazê-lo. Mais tarde conseguiu, mas só como condição de ele realizar outro documentário.

W: Hoje em dia, como vemos os insectos?

Dave Goulson: Há a percepção de que os insectos são animais arrepiantes, perigosos, a evitar e, até mesmo, para esborrachar. Parece que temos um filtro que não nos deixa ver os insectos como eles são e muito menos admirá-los. Não são relevantes para nós e preferimos nem olhar para eles. Podem picar… É preciso termos consciência do que eles representam para nós.

W: E o Dave Goulson, quando tomou consciência dos insectos? Como foi o seu momento inspirador?

Dave Goulson: Acho que nunca tive nenhum na medida em que fui sempre assim, um interessado inato. Não me lembro de querer ser nada em especial quando era criança mas lembro-me que queria salvar o mundo e os animais. Os meus pais não eram naturalistas nem nada, mas incentivavam o meu gosto, através de livros sobre natureza. E nunca perdi esta paixão. Há pessoas que desde cedo sabem o que querem fazer na vida. E isto era o que sempre quis fazer. Lembro-me de ter 15 anos e de ir a um conselheiro de carreira profissional e dizer que gostava da vida selvagem. Ele estranhou e disse-me que podia ser veterinário ou tratador de animais num jardim zoológico. Mas não era isso que queria. Na altura não lhe soube explicar. Houve uma fase na adolescência em que andei um pouco perdido. Lembro-me de estar sentado num prado à procura de inspiração e de reparar nas abelhas e na forma como escolhiam determinadas flores para ir buscar o pólen. Não pousavam em todas e primeiro parece que cheiravam a flor, pairando perto dela. Por que o fariam? E o que acontecia com outros polinizadores? Fiquei curioso e decidi que queria saber mais.

W: E o que se passa hoje com os polinizadores? Vivemos numa época de crise?

Dave Goulson: Sabemos que há uma crise da biodiversidade e que, de uma forma geral, o mundo natural está em declínio. As abelhas e os abelhões também. Mas ainda ninguém sabe ao certo se vivemos numa crise dos polinizadores e, se sim, qual a sua dimensão. Há casos de sucesso a pequena escala, numa determinada região e com uma ou outra espécie. Mas em geral, o cenário é mau. Precisamos deixar de pensar que a destruição do planeta é inevitável. É verdade que conseguimos ser menos destruidores na forma como cultivamos os alimentos de que precisamos. Um dos problemas é que a maioria dos agricultores só tem um tipo de aconselhamento, que é o da agricultura com químicos e intensiva. Raramente há quem os ajude a produzir em harmonia com os polinizadores, com as plantas silvestres e com a vida selvagem em geral.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais

Dave Goulson fundou, em 2006, o Bumblebee Conservation Trust, uma organização sem fins lucrativos dedicada aos abelhões e que hoje tem mais de 8.000 membros. Em 2013 ganhou o Marsh Prize da Zoological Society of London na categoria Biologia da Conservação.

O seu próximo livro é “Bee Quest” e vai ser lançado em 2017, em Março na Alemanha e em Abril no Reino Unido. Nele conta as suas viagens à procura de espécies interessantes e raras de abelhas no Reino Unido, na América do Sul, na Europa de Leste e as histórias destes insectos.

 

[divider type=”thick”]Leia aqui as propostas de Dave Goulson para ajudarmos os polinizadores. E as cinco espécies que podemos procurar em Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.