“Todos os anos, em Dezembro, podemos acabar com a sobre-pesca” na Europa

As quotas de pesca para 2017 nas águas europeias estão a ser decididas hoje em Bruxelas pelos ministros das Pescas da União Europeia. “Todos os anos, em Dezembro, podemos acabar com a sobre-pesca” na Europa, diz Gonçalo Carvalho, coordenador da PONG-Pesca.

 

Todos os anos é assim. Em Dezembro, o Conselho Europeu dos Ministros das Pescas reúne-se em Bruxelas e decide quanto peixe podem os países pescar no ano seguinte.

As negociações começam com base numa proposta da Comissão Europeia, organismo que contrata o Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES, sigla em inglês) para emitir pareceres científicos sobre alguns stocks. O objectivo é conseguir um Rendimento Máximo Sustentável, que não ponha em causa a sobrevivência das espécies.

“Acreditamos que é possível acabar com a sobre-pesca na União Europeia e isso traria benefícios não só para os oceanos mas também para os pescadores”, disse Gonçalo Carvalho durante um encontro com jornalistas em Lisboa, antes do Conselho Europeu.

A meta é conseguir a sustentabilidade para todos os stocks nas águas europeias até 2020, o mais tardar.

Mas a Europa está longe de atingir 100% dos stocks explorados para um rendimento máximo sustentável. Segundo os dados mais recentes, referentes a 2014, estamos a 47%. “Em Dezembro de 2019 temos de chegar aos 100%”, lembrou o também presidente da Sciaena – Associação de Ciências Marinhas e Cooperação.

Para este perito em pescas, é crucial que os países tomem as suas decisões com base nos pareceres científicos. “Todos os anos, em Dezembro, este problema pode ser acabado”.

Mas, acrescentou, na proposta da Comissão Europeia que está em cima da mesa, apenas 35 de 69 stocks seguem os pareceres científicos. “É muito pouco, a Comissão tem de fazer melhor”. “Os objectivos a curto prazo tendem a prevalecer”. De 2003 a 2014, os Totais Admissíveis de Captura (TAC) afixados pelo Conselho excederam os níveis sustentáveis de captura, em média de 11% a 59%.

Actualmente, dos mais de 300 stocks da União Europeia, apenas 58 cumprem os níveis sustentáveis, segundo uma investigação da organização internacional Oceana. “Estamos a fazer pequenos progressos mas ainda estamos muito longe”, comentou Gonçalo Carvalho.

 

O bom exemplo do carapau e da pesca portuguesa

 

Portugal tem das frotas mais equilibradas quanto aos recursos nas suas águas, diz Gonçalo Carvalho. “Somos uma pequena nação de pesca, com uma frota com pouco impacto. Há uma maior consciência da sustentabilidade do que em outros países.” Temos também uma grande variedade de espécies. “Há cerca de 200 espécies de peixe transaccionadas em lota e isso é fantástico! Não conheço nenhum outro país com tanta variedade.”

A 6 de Dezembro, as organizações da PONG-Pesca reuniram-se com a ministra do Mar e com o secretário de Estado das Pescas, onde pediram aos governantes “progressos claros e mensuráveis para alcançar os objetivos de Rendimento Máximo Sustentável”. As organizações salientaram a importância de investir na recolha e tratamento de dados sobre os recursos pesqueiros em Portugal e de se avaliar “alguns dos stocks com importância comercial em Portugal para os quais este trabalho ainda não é feito, nomeadamente a cavala”.

A PONG-Pesca mostrou-se preocupada com o estado do stock de sardinha. Segundo um comunicado desta plataforma, a ministra disse que “é possível que haja um ajuste das possibilidades de pesca do próximo ano de forma a compensar o valor fixado acima do parecer científico em 2016”.

Segundo Gonçalo Carvalho, para o ano está prevista a captura de 23.000 toneladas de sardinha em Portugal e Espanha. “Há evidências de ligeira melhoria dos stocks da sardinha. Mas a situação é tão dramática que não podemos abusar, porque corremos o risco de uma ruptura dos stocks”.

Na sua opinião, Portugal deveria “direcionar a frota para o carapau (Trachurus trachurus) que está muito bem a nível biológico”. Gonçalo Carvalho notou que este “é um bom exemplo de sustentabilidade na nossa costa. O stock está em sub-exploração e têm sido respeitado os pareceres científicos”.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra aqui quais os pareceres científicos do ICES para o próximo ano.

A PONG-Pesca é a Plataforma de Organizações Não Governamentais Portuguesas sobre a Pesca e é formada por oito organizações:

  • Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação dos Elasmobrânquios (APECE)
  • Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA)
  • Liga para a Protecção da Natureza (LPN)
  • Observatório do Mar dos Açores (OMA)
  • Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus)
  • Associação de Ciências Marinhas e Cooperação (Sciaena)
  • Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)
  • WWF Portugal – World Wildlife Fund for Nature

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.