Voluntários ajudam a salvar o peixe de água doce mais ameaçado de Portugal

É difícil dar por ele, com apenas 7 centímetros e tão pouco abundante. O saramugo está Criticamente em Perigo de extinção e em Portugal só existe em alguns cursos de água da bacia do rio Guadiana, no coração do Alentejo. A Wilder falou com os responsáveis do projecto para salvar esta espécie, que inclui o recurso a voluntários.

 

Desde meados de Julho que Natasha Silva passa muitas horas por semana com as pernas meio mergulhadas em água, num dos vários pegos em que se transforma a ribeira do Vascão, entre os concelhos de Mértola e de Alcoutim, nesta altura do ano.

Ali, onde o fresquinho da água atenua as altas temperaturas do Verão alentejano, a bióloga trabalha com a restante equipa do projecto LIFE Saramugo (Julho de 2014 a Janeiro de 2018, coordenado pela Liga para a Protecção da Natureza) e com um grupo de voluntários, para ajudar a salvar o peixe de água doce mais pequeno da fauna portuguesa.

Todos dentro da água, cada voluntário agarra uma das muitas pontas de uma grande rede de cerco, utilizada para capturar os peixes naquela zona.

 

Um grupo de voluntários ajuda a capturar espécies exóticas, com uma rede de cerco.
Um grupo de voluntários ajuda a capturar espécies exóticas, com uma rede de cerco. Foto: LIFE Saramugo

 

Depois, descreveu Natasha Silva à Wilder, “faz-se a triagem, identificação e medição de todos os exemplares capturados”. Saramugos (Anaecypris hispanica) e outras espécies nativas são prontamente devolvidos à água.

Destino diferente têm as espécies exóticas, como achigãs (Micropterus salmoides) e percas-sol (Lepomis gibbosus). Algumas vão ser “sacrificadas e conservadas em gelo para futuros estudos de dieta”, outras “são reencaminhadas para centros de recuperação de fauna selvagem, para servirem de alimento a animais em recuperação”.

 

Voluntários medem um espécime exótico, achigã, sob a coordenação da equipa do projecto. Foto: LIFE Saramugo
Voluntários medem um espécime exótico, achigã, sob a coordenação da equipa do projecto. Foto: Carlos Carrapato

 

O saramugo, de tons prateados e rosados, raramente ultrapassa os sete centímetros de comprimento. Apesar de quase nem se dar por ele, tem sido alvo de vários projectos europeus de conservação e é uma espécie prioritária, que consta dos anexos II e IV da directiva europeia Habitats.

Afinal, é o peixe nativo mais ameaçado de extinção na Península Ibérica. As bacias dos rios Guadiana e Guadalquivir, em Portugal e Espanha, são o único sítio do mundo onde ocorre.

“Vários trabalhos evidenciam a diminuição acentuada da área de distribuição e efectivos populacionais de saramugo, entre as décadas de 70 e 90”, recorda Natasha, que trabalha juntamente com Hugo Lousa e com Ricardo Silva, coordenador do projecto.

O saramugo está reconhecido, oficialmente, como uma espécie ameaçada desde o final dos anos 80 em Espanha e desde o início da década de 90 em Portugal. Hoje, a nível global é considerado Em Perigo, mas em território português está classificada como Criticamente em Perigo.

Desde há vários anos, aliás, que o saramugo é alvo de planos de conservação, o que tem ajudado em algumas melhorias localizadas, mas ainda assim o investimento tem sido insuficiente.

 

De tons rosados e prateados, raramente o saramugo tem mais de sete centímetros. Foto: Carlos Carrapato
De tons rosados e prateados, raramente o saramugo tem mais de sete centímetros. Foto: Carlos Carrapato

 

O declínio deste pequeno peixe continua, com o saramugo a ser detectado em áreas cada vez menores da bacia hidrográfica do Guadiana – na maior parte das vezes, devido à destruição e à degradação da qualidade do seu habitat, provocadas pela intervenção humana.

A equipa do projecto enumera os problemas. Além da poluição proveniente das localidades e de fábricas e empreendimentos agrícolas, o saramugo é também prejudicado pela construção de barragens e açudes, que interrompem o curso das águas, e pela sobre-exploração dos recursos hídricos.

A destruição da vegetação nas margens dos cursos de água e a extracção de areias e de outros materiais da bacia dos rios são também ameaças para o pequeno peixe.

O saramugo enfrenta ainda a concorrência de várias espécies exóticas pelos mesmos recursos (espaço, refúgio, alimento, oxigénio), mas ainda por cima se alimentam dele e de outras espécies nativas. O problema torna-se maior durante o Verão, quando os cursos de água que alimentam o Guadiana se dividem em vários pegos de tamanho variado e por isso a competição aumenta.

 

Voluntários já capturaram mais de 4.500 peixes exóticos

 

Graças à campanha de voluntariado em curso desde Julho até ao final de Setembro, “que está a ter uma forte adesão”, a equipa do projecto já conseguiu retirar das águas mais de 4.500 exemplares de espécies exóticas de peixes, em especial percas-sol, chanchitos e achigãs.

 

Três espécies exóticas: da esq. para a dir., achigã, chanchito e perca-sol. Foto: LIFE Saramugo
Três espécies exóticas: da esq. para a dir., achigã, chanchito e perca-sol. Foto: LIFE Saramugo

 

Além da remoção destas espécies, o projecto LIFE Saramugo – “Conservação do Saramugo (Anaecypris hispanica) na bacia do Guadiana (Portugal)”, pretende reabilitar o habitat deste peixe e realizar vários estudos, incluindo a actualização dos dados sobre a situação populacional da espécie e das suas ameaças.

A educação e sensibilização ambiental da população é outro dos objectivos. Esta é outra das razões, aliás, pelas quais a equipa passa muitas horas por semana dentro da água. “É uma oportunidade única de sensibilizarmos e educarmos as pessoas, sobre o problema da introdução de espécies exóticas e de outras ameaças ao saramugo, e para darmos a conhecer outras espécies nativas”, resumem os responsáveis.

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Para conhecer melhor a campanha de voluntariado ligada ao saramugo, pode ler aqui, e também seguir a página do projecto no Facebook.

Pode também ajudar este pequeno peixe dando a conhecer o saramugo, que é desconhecido de quase toda a população portuguesa, e relatando os problemas que ele enfrenta.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.