Voluntários contam todos os dias as aves marinhas em Peniche

Milhares de aves estão agora em migração. Os voluntários do novo projecto Peniche Seabird Count 2015, vindos de cinco países, vão todos os dias fazer contagens, de binóculos e telescópios, em Peniche, um dos melhores locais da Europa para observar aves marinhas mas também um dos mais desconhecidos.

 

De 15 de Agosto a 15 de Novembro, equipas de voluntários fazem duas contagens por dia às aves migradoras que passam ao largo da costa de Peniche. Durante três horas de manhã (começando ao nascer do Sol) e três horas ao fim da tarde (as três horas que antecedem o pôr do Sol) – as alturas de maior actividade -, os voluntários observam as aves através de binóculos e telescópios e registam o que estão a ver. Uma vez de sete em sete dias, faz-se um dia inteiro de contagens para calibrar os dados.

“Até agora, desde 15 de Agosto, já foram contadas um total de 15.049 aves de 41 espécies”, diz Helder Cardoso, ornitólogo profissional freelancer de 31 anos, à Wilder. Atarefados nas suas viagens têm passado por Peniche gansos-patolas, cagarros, moleiros, gaivotas, garajaus, andorinhas-do-mar, tarambolas e borrelhos. Só para começar.

Helder Cardoso gosta de aves desde miúdo, quando ia de bicicleta à procura delas nos campos e florestas perto da sua cidade. Conta-nos que o Peniche Seabird Count 2015 (PSBC) começou “um bocado por acaso”.

Um dia, há três anos, foi a Peniche observar aves marinhas e encontrou dois suecos a espreitar pelos seus telescópios. Eram Erik Hirschfeld e Johan Elmberg, ornitólogos que “tinham vindo a Portugal apresentar um livro à feira ObservaNatura, no Sado, e aproveitaram a viagem de uma semana a Portugal para conhecer melhor o país”, conta Helder. “Conversámos e decidimos fazer uma contagem das aves marinhas ali em Peniche”. Gostaram da experiência e mais tarde entenderam tornar a coisa mais séria. “Quisemos experimentar fazer contagens regulares, diárias, durante grande parte do período migratório.” Até então, as contagens em Peniche eram apenas as do projecto RAM (Rede de observação de Aves e Mamíferos Marinhos), feitas uma vez por mês.

Depois de vários meses de preparação, decidiram começar o projecto este ano. “Lançámos um apelo a voluntários com experiência em contagem de aves e em identificação de aves marinhas. Seleccionámos 25 pessoas de Portugal, Suécia, Inglaterra, Suíça e Luxemburgo. Assim estão cobertos os três meses do projecto”, explica o ornitólogo português, coordenador do PSBC e dos voluntários.

 

 

 

No mínimo cada equipa tem duas pessoas e no máximo há equipas com quatro pessoas. Através de apoios de várias instituições, entre as quais a Câmara Municipal de Peniche e o Turismo da Região Centro, os voluntários têm direito a alojamento e, em alguns casos, aos bilhetes de avião.

 

As aves que estão a passar por Peniche

Hoje de manhã, Helder conta que foram observados mais de mil gansos-patolas (Morus bassanus). Este número ainda não foi integrado na lista de espécies, actualizada (quase) todos os dias e disponível aqui para quem quiser acompanhar o projecto.

“Peniche é importante para as aves marinhas por causa da sua posição geográfica em relação à costa. Entra para dentro do oceano Atlântico e as Berlengas ali próximo fazem como que um efeito funil, o que obriga as aves a concentrarem-se mais dentro daquele corredor”, explica Helder. Além disso, quando há ventos que empurram as aves mais para junto da costa é mais fácil observá-las. “Com os telescópios, e em dias de boa visibilidade, já temos conseguido observar aves a dez quilómetros de distância, perto das Berlengas”, acrescenta.

 

Ganso-patola juvenil
Ganso-patola juvenil

 

Os voluntários registam o número de indivíduos, com a ajuda de contadores analógicos, daqueles que, por exemplo, contam as entradas de visitantes em exposições. Mas não só. “Temos vários níveis de informação e, sempre que possível, registamos a composição dos bandos, a direcção de voo, o sexo e a idade das aves. Mas quando temos mil indivíduos a passar num curto espaço de tempo, não o conseguimos fazer, claro.”

E que aves estão a passar por Peniche? “Há um misto de várias coisas a acontecer. Temos aves que se reproduziram no Norte da Europa e que passam por aqui a caminho da costa do Brasil ou de África para passar o Inverno, como é o caso da andorinha-do-mar-comum (Sterna hirundo) e da andorinha-do-mar-árctica (Sterna paradisaea). Depois temos espécies em que alguns indivíduos estão de passagem para Sul enquanto outros decidem ficar por Portugal, como os moleiros-grandes (Stercorarius skua). Finalmente, temos aves que migram do Atlântico Norte para se reproduzirem no Atlântico Sul, como a parcela-preta (Puffinus griseus)”.

Quando o projecto terminar, a 15 de Novembro, a informação será analisada e publicada em artigos científicos, avança Helder. “Há dados que já nos surpreenderam. Como por exemplo o fluxo de pardela-sombria (Puffinus puffinus). Sabíamos que passava por aqui mas não que era em número tão grande”.

Uma das espécies importantes no projecto é a Pardela-balear (Puffinus mauretanicus), que está Criticamente ameaçada. “É uma espécie que nidifica no Mediterrâneo mas que faz a muda das penas no Golfo da Biscaia, logo passa junto da costa portuguesa quando termina a reprodução rumo ao golfo”, explica Helder. “A monitorização dos fluxos da pardela-balear pode ser importante para perceber a dimensão da população, picos de movimentos pós reprodutores e a importância que as águas ao largo da costa de Peniche podem assumir na conservação desta espécie.”

 

[divider type=”thin”]A lista de Helder Cardoso

Com a época das migrações ainda no início, perguntámos a Helder Cardoso quais as espécies que estão a chegar a Portugal e que vai querer ver:

  • Moleiros (“são um desafio porque são complicados de distinguir”)
  • Andorinhas-do-mar
  • Chascos-cinzentos
  • Cartaxos-nortenhos
  • Felosas-das-figueiras
  • Felosas-musicais
  • Felosas-dos-juncos

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.