Pisco-de-peito-ruivo (Eritachus rubecula). Foto: Diogo Oliveira

Jardins para a vida silvestre: Como podemos atrair as aves selvagens

Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. João Eduardo Rabaça dá-lhe a conhecer as aves passeriformes neste segundo artigo da série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Por todo o mundo existem cerca de 6.000 espécies de passeriformes (também chamados de pássaros ou passarinhos), uma ordem bastante diversa que inclui muitas pequenas aves, como a felosinha (Phylloscopus collybita) e a carriça (Troglodytes troglodytes), mas também algumas maiores como o gaio (​​Garrulus glandarius) e o corvo (Corvus corax).

A ordem dos Passeriformes é aliás o grupo de aves mais representativo nos ecossistemas terrestres, lembra João Eduardo Rabaça, autor do livro “As Aves do Jardim Gulbenkian”. São também uma presença constante nos meios urbanos, “podendo ajudar-nos a entender as dinâmicas da Natureza”. Espécies como os pardais (Passer domesticus), melros (Turdus merula) e rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros), por exemplo, convivem diariamente com a azáfama da cidade.

João Eduardo Rabaça, que é também docente e investigador da Universidade de Évora e especialista em aves, guiou o segundo passeio do ciclo de visitas “Jardins para a Vida Silvestre” no Jardim Gulbenkian, dia 20 de março, e partilha algumas sugestões sobre como preparar as áreas verdes para os passeriformes.

Muitos espaços podem revelar-se úteis, incluindo aqueles que parecem mais insignificantes: “pequenos jardins, quintais, logradouros ou mesmo varandas”. Se forem criadas as condições certas, podem servir como “poisos ocasionais” e como “locais de alimentação”, fornecendo “insectos, bagas e sementes” às aves urbanas. E “eventualmente”, podem transformar-se em locais onde estas “edificam os seus ninhos”.

Controladoras de pragas e “jardineiras”

Mas trata-se de uma relação recíproca, em que também os espaços verdes saem a ganhar. “Como elementos constituintes da biodiversidade, e como quaisquer outros seres vivos, as aves desempenham determinadas funções nos ecossistemas onde ocorrem”, nota João Eduardo Rabaça.

Um exemplo são as aves insectívoras que comem insetos fitófagos – que por sua vez se alimentam das plantas – como a toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla), o pisco-de-peito-ruivo (Eritachus rubecula), o rabirruivo-preto e a carriça. Assim, podem contribuir para manter esses insetos “abaixo do nível populacional de praga”.

Tanto a toutinegra-de-barrete como o pisco-de-peito-ruivo, e o melro-preto, entre muitos outros, são igualmente “agentes de dispersão botânica” ao dispersarem as sementes: comem-nas em especial nos meses mais frios, quando os insectos rareiam.

Já o gaio, outro visitante do Jardim Gulbenkian e de muitos outros jardins, é um “reconhecido auxiliar na regeneração florestal pelo facto de ter o hábito de enterrar no solo os frutos dos carvalhos (bolotas), com vista a dispor de armazenamento de alimento”. Como muitas bolotas ficam esquecidas, algumas vão dando origem a novas árvores.

Semear, plantar e criar pontos de água

Mas como podemos transformar os nossos espaços, desde terrenos a varandas, em “jardins para os passeriformes”? Há que transformá-los em “locais de abrigo e nidificação”, “promovendo uma disponibilidade alimentar diversificada”.

E isso pode ser conseguido com ações simples, como “a sementeira de plantas herbáceas e a plantação de arbustos e árvores, utilizando as espécies autóctones existentes nessa região”, exemplifica este especialista. “No fundo, trata-se de criar condições que potenciem a recuperação de uma certa integridade ecológica, que permitirá a ocorrência de uma fauna de macroinvertebrados diversificada e apropriada para a alimentação de aves insectívoras” – como borboletas na fase de lagartas e como adultas, moscas, abelhas e vespas.

Por outro lado, se não houver pontos de água será  útil “disponibilizar bebedouros com água durante o Verão”, devido ao “rigor estival nas nossas latitudes”. Já instalar comedouros é menos importante, uma vez que em Portugal costuma haver alimentos disponíveis para as aves na natureza, de janeiro a dezembro.

“E se for apropriado e houver condições, poder-se-ão colocar caixas-ninho para a nidificação de aves cavernícolas como, por exemplo, chapins-reais (Parus major) ou chapins-azuis (Cyanistes caeruleus).”


Este é o segundo artigo da série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.