Estes são os resultados do primeiro censo ao maior escaravelho de Portugal

No Verão passado, cerca de 500 pessoas encontraram vacas-louras, o maior escaravelho da Europa, nos carvalhais de Portugal. Os responsáveis pelo censo revelaram à Wilder os resultados das contagens. Agora torna-se mais fácil saber o que fazer para ajudar esta espécie icónica e em declínio.

 

No silêncio dos bosques de carvalhos e castanheiros vive a vaca-loura (Lucanus cervus), o maior escaravelho da Europa. As lutas entre machos, num combate pelo território, são em si um espectáculo da natureza. É nos ramos altos das árvores que travam as suas batalhas e o primeiro escaravelho a ser derrubado e a cair, perde.

 

Vaca-loura. Foto: João Gonçalo Soutinho

 

No entanto, a luta pela sobrevivência enquanto espécie é bem mais complexa. A vaca-loura está classificada na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como Quase Ameaçada. Em Portugal sabe-se que tem vindo a perder muito do seu habitat, com a redução dos carvalhais. Mas qual a situação ao certo?

Treze países europeus – Alemanha, Bélgica, França, Eslovénia, Espanha, Itália, Holanda, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia, Suíça e Ucrânia – criaram a Rede Europeia de Monitorização da Vaca-Loura para, em conjunto, tentar conhecer qual a distribuição desta espécie. A ideia surgiu em 2008 em oito países que testaram um modelo de monitorização comum. Em 2016 a rede aumentou e hoje há percursos de contagens em 13 países, abrangendo todo o território da vaca-loura.

Portugal juntou-se-lhes no ano passado, num esforço que reuniu estudantes e investigadores da associação BioLiving, Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, Sociedade Portuguesa de Entomologia e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O censo – realizado no Verão de 2016, com maior incidência nos meses de Junho e Julho – contou entre 470 e 550 vacas-louras.

 

Vaca-loura. Foto: Tatiana Moreira

 

Além desta espécie, as contagens abrangeram outros dois escaravelhos. Foram registados 59 avistamentos de Dorcus parallellipipedus e 23 avistamentos de Lucanus barbarossa, ambas espécies sem nomes comuns atribuídos em Portugal.

 

Dorcus parallellipipedus Foto: Ana Rita Gonçalves

 

No total, o censo registou 552 escaravelhos destas três espécies.

 

Pseudolucanus barbarossa Foto: Ana Rita Gonçalves

 

Das quatro espécies da família de escaravelhos Lucanidae, que tem como principal representante a vaca-loura, o primeiro ano do censo teve registos de três; só não houve registos de Platycerus spinifer, o mais pequeno lucanídeo em Portugal.

João Gonçalo Soutinho, 21 anos e biólogo recém-licenciado, é o coordenador da Rede Portuguesa de Monitorização da Vaca-Loura. Diz-nos que receberam 564 registos de 485 pessoas. Estes foram avistamentos esporádicos. Além destes, foram realizados seis transetos de forma integral, por seis voluntários que registaram 38 vacas-louras e cinco Dorcus parallellipipedus.

Os Vigilantes da Natureza e o ICNF submeteram 55 registos de vacas-louras e um registo de Dorcus parallellipipedus e a equipa coordenadora do projeto avistou 37 vacas-louras durante as suas saídas de campo.

“A maior parte dos avistamentos são da zona Norte e Centro Norte de Portugal”, sendo Braga, Porto e Aveiro os distritos com mais registos, acrescentou o responsável.

 

 

E não foram só encontrados em florestas, mas também em zonas urbanas, sobretudo em habitações, estradas e parques urbanos.

Durante o censo foram descobertos novos locais com estes escaravelhos. Na verdade, 51%, 47% e 33% das áreas de ocorrência que agora se conhecem de cada espécie – respectivamente vaca-loura, Lucanus barbarossa Dorcus parallellipipedus – são devidas aos dados obtidos neste primeiro ano de monitorização.

“Estes dados dizem-nos, por exemplo, que a comunidade científica sabia muito pouco sobre a distribuição destas espécies”, comentou o responsável. “Esta lacuna de conhecimento é um problema comum em relação à maior parte dos invertebrados que existem no nosso país, facto que torna cada vez mais urgente avançar com a elaboração das Listas Vermelhas de Invertebrados em Portugal.”

 

Este ano, novo censo

João Gonçalo Soutinho adiantou que em 2017 vai arrancar o segundo ano de monitorização. “São precisos mais anos de monitorização para realmente conseguirmos conhecer a abundância destas espécies, tentar perceber se as suas populações estão estáveis, a decair ou a aumentar e traçar linhas orientadoras e prioritárias para a conservação destas espécies a longo prazo”, acrescentou. Crucial volta a ser recolher as observações enviadas por voluntários.

Assim como em 2016, o censo deste ano vai acontecer no Verão, principalmente em Junho e Julho, o período de actividade destes animais por excelência. É nestes meses que os escaravelhos acabam a metamorfose e passam de lagartas a escaravelhos propriamente ditos. Para trás ficaram três a quatro anos de vida dentro de madeira morta, enquanto lagartas que se alimentaram de raízes de carvalhos, normalmente de grandes dimensões e que morreram ou têm partes mortas. Por isso, são animais que ajudam a regenerar a floresta.

Quando os escaravelhos emergem, têm uma prioridade bem clara: procurar parceiro para se reproduzirem. Durante essa missão vão gastar as reservas que acumularam enquanto lagartas, ainda que por vezes obtenham nutrientes de escorrências de seiva de carvalhos ou de frutos maduros.

Este ano, voltam a ser o foco das atenções por equipas de investigadores, especialistas e voluntários.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais aqui sobre o projecto.

Conheça aqui a vaca-loura e as outras espécies alvo do censo.

Conheça um bocadinho dos bastidores deste censo, aqui.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Saiba aqui como criar refúgios para os escaravelhos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.