No arranque de um novo ciclo de saídas de campo

Na crónica com que há pouco mais de um ano partimos para estes Dias com vida selvagem foi evidenciado o interesse em se acrescentar uma vertente naturalista às muitas motivações que normalmente empurram aventureiros e desportistas para fora de portas.

 

A actividade física, o desafio de calcorrear espaços desconhecidos, mais desafiadores do que aqueles em que vivemos o dia a dia, são acções que só por si nos dão prazer mas que podem ser valorizadas se paralelamente procurarmos interagir – de uma forma crescente, criativa, curiosa – com o meio em que as desenvolvemos. Essa interacção só é total se envolver os demais protagonistas – plantas e animais selvagens – que enchem os territórios que percorrermos e que são decisivos para a atracção que estes geram, mesmo a quem não coloca (ainda) os actores principais no centro das suas atenções.

Hoje em dia está disponível uma vasta panóplia de ferramentas e artefactos destinados a facilitar a progressão no terreno e a enfrentar obstáculos e outras adversidades com que se deparam todos os que procuram desfrutar a natureza, mesmo os que se rodeiam das maiores cautelas ou que os que partem para o campo melhor preparados. Vestuário e calçado especializado, equipamentos sofisticados que permitem o acesso a informação em tempo real, a mapas e a técnicas de orientação. Tudo isto é importante e, principalmente nas incursões mais exigentes, devemos munir-nos dos melhores meios sem descurar as boas práticas. Mas sem nunca perder de vista que são meios, a utilizar com parcimónia para que não nos atrapalhem o alcance do que buscamos.

 

 

É neste contexto e tendo em conta que a aproximação à vida selvagem é o principal objectivo destas crónicas, que na de hoje se incide numa ferramenta específica, recomendada para preparar saídas de campo regulares e com esta motivação.

Defendeu-se na crónica do mês passado que o Inverno não é motivo para se ficar em casa. É verdade. Mas por mais vontade que haja em partir ao encontro da natureza, dias mais invernosos quebram o ritmo acentuado de outras estações. O Inverno traduz-se pois, no fim de um ciclo em que se fazem balanços e se trata a informação recolhida ao longo de um ano. Mais ainda, num período que deve ser aproveitado para preparar uma nova temporada como a que dentro de poucas semanas se inicia com a chegada da Primavera.

Algum grau de imprevisibilidade no que vamos ver ou sentir no terreno é uma espécie de condimento com que a natureza tempera cada uma das nossas incursões. Isso é bom, motivador para insistirmos, mas deve ser encarado como um bónus a adicionar aos resultados obtidos face aos objectivos previamente traçados. A definição de metas, escalonadas por prioridades, é fundamental e beneficia com uma visão que abranja todo um ciclo anual. Recomenda-se para o efeito a construção de uma espécie de programa de trabalhos.

 

 

E a questão que se coloca à partida é a de saber o que temos em mente, o que desejamos realizar, neste caso durante 2016?

O que nos move? A realização de um projecto académico ou de voluntariado, a publicação de conteúdos, a fotografia, a ilustração desenhada ou pintada?

O que pretendemos concretizar? O acompanhamento de uma espécie, animal ou vegetal, o seguimento de uma população, testemunhar a evolução do coberto vegetal e da paisagem num determinado espaço?

E o que vamos acompanhar está acessível todo o ano? Ou são espécies observáveis apenas numa parte do ciclo como as flores, libélulas, borboletas, aves migradoras, estivais ou invernantes ou outros animais com pouca ou nenhuma actividade nos meses mais frios?

 

 

Com estas questões definidas, com as condicionantes acauteladas, vamos construindo um calendário, distribuindo as tarefas pelos meses do ano, escolhendo os destinos em conformidade. Mesmo não figurando no conjunto dos objectivos traçados, podemos incluir no nosso cronograma acontecimentos extraordinários, se antevemos poder andar por perto na altura em que eles ocorrem.

Na transição do Verão para o Outono, por exemplo, não devemos deixar escapar a migração das aves em locais específicos. Ou a brama dos veados. Até o destino de férias, mesmo quando a escolha se baseia numa decisão partilhada por outros interesses, pode ser aproveitado para acrescentar algo com interesse para o nosso tempo com a vida selvagem.

Quem vive perto da raia deve saber que só tem a ganhar, se incluir territórios espanhóis vizinhos – das províncias da Galiza, Castilla e Leon, Extremadura ou Andaluzia – nas suas deslocações. As alternativas abrangem montanhas, estepes cerealíferas, zonas húmidas, montados de sobro e azinho, com picos de interesse em diferentes alturas do ano.

Confrontando a disponibilidade que temos, de tempo e de recursos, com a demanda das metas estabelecidas, vamos completando o nosso plano anual das saídas de campo, com alguma flexibilidade, admitindo a necessidade de acertos à medida que o calendário for vencendo. Detemos então uma ferramenta – a inserir no inseparável caderno de campo – que se revela tanto mais útil quanto mais numerosos e diversificados forem os nossos objectivos, ou, o mesmo é dizer, quanto mais ambiciosos quisermos que sejam os nossos dias com vida selvagem.