Foto: Carla Lourenço

Um desafio para a vida que podemos começar já neste Julho

Carla Lourenço trabalha para a conservação da vida no oceano. Nesta nova crónica, dá-nos conta de uma iniciativa que nos desafia a mudar hábitos velhos e novos, pois “se não fizermos diferente, não podemos esperar diferente”.

 

Julho chegou e trouxe na bagagem o desafio de nos reinventarmos durante 31 dias. Dentro da pandemia que nos assola, que nos faz temer o próximo e respeitar a distância social cresce uma outra pandemia. Vai igualmente de mão em mão e multiplica-se, também, sem darmos conta. Vai engolindo todo um planeta, chegando até às zonas mais inóspitas e com poucos (ou nenhuns) habitantes.

A produção e utilização de plástico descartável que se esperava que abrandasse, progressivamente em 2020 e 2021 – em resposta às muitas directrizes da Comissão Europeia sobre sustentabilidade, economia circular e plásticos descartáveis – cresce agora de forma explosiva.

Em 2019, o Parlamento Europeu anunciou para 2021 o fim das palhinhas, pratos, talheres, cotonetes, varas de plástico para balões, sacos de plástico. Portugal decidiu antecipar-se e planeou as grandes mudanças logo para 2020. Para o início do ano apresentou a proibição de sacos oxo-degradáveis.

 

Praia de Faro. Foto: Carla Lourenço

 

E foi nesse momento que o Mundo se obrigou a parar, pensar e responder a uma pandemia que ainda nos limita e nos condiciona. (Até quando? Não sabemos.) As preocupações ambientais e de saúde do planeta foram – e são – colocadas em espera. (Até quando? Não sabemos.) Todos os esforços se redireccionam para a potecção da saúde humana. Em parte, a forma mais fácil e mais rápida de actuar é recorrer aos descartáveis. Popularizam-se as luvas. Tornam-se indispensáveis as máscaras. O medo divide-nos e volta a individualizar todo o tipo de produtos – pela nossa saúde. 

 

Óbidos. Foto: Cláudia Timóteo

 

Passam alguns meses enquanto tentamos compreender e construir a ‘nova normalidade’- porque nada será como dantes. Dessa ‘nova normalidade’ fazem parte as tais máscaras e luvas que se acumulam mais tarde nos rios, nas praias, nas pontes, nas ruas. Dessa ‘nova normalidade’ fazem parte as portas dos restaurantes cobertas de sinais de take-away, mais as pilhas de caixas às janelas que indicam a comida pronta a sair. Na urgência da protecção refugiamo-nos nos descartáveis que nos dão a ilusão de que ‘vai ficar tudo bem’. Antes prevenir do que remediar – é certo. Mas se não mudarmos, nada vai ficar bem. Se não mudarmos os hábitos, as rotinas, os costumes. Se não fizermos diferente, não podemos esperar diferente.

Talvez por isso a iniciativa #PlasticFreeJuly seja uma lufada de ar fresco neste confinamento plastificado. O Plastic Free July nasceu na costa Oeste Australiana em 2011 e tem vindo a crescer tanto, que só em 2019 estiveram envolvidos cerca de 250 milhões de pessoas de 177 países. Este movimento advoga o quebrar das correntes que nos prendem ao plástico descartável desnecessário. Sim, desnecessário, porque há plásticos descartáveis para os quais não se encontram ainda alternativas, como alguns dos consumíveis utilizados em laboratório para que a ciência pule e avance, ou alguns dos utensílios que habitam os blocos operatórios.

Por isso importa ressalvar aqui que o plástico não é o problema, per se. O problema é a forma como nós o utilizamos e o descartamos. Os plásticos podem ser repensados, reduzidos, reutilizados, reparados, reciclados, e devemos dar-lhes toda a nossa atenção. O Plastic Free July desafia-nos a fazer de Julho o estudo-piloto de uma vida mais sustentável e a focarmo-nos num problema específico, um dia de cada vez.

 

Praia do Barril, em Tavira. Foto: Xana Ramos

 

Não é um apontar de dedos, é um apontar de soluções. É liderar pelo exemplo. Cada dia uma nova mudança: o saco que não é mais descartável, o champô que não vem embalado, o take-away ou a charcutaria que é colocada na caixa que se leva de casa, a procura de mais informação. No fim, visto de fora, são várias pessoas isoladas que fizeram a diferença. E o Mundo ficou melhor.

 

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Carla Lourenço é bióloga marinha e explora as poças que se formam na maré baixa desde que começou a andar. Conservacionista, advoga pela protecção do oceano através de acções locais e da educação global. Foi com isso em mente que criou a Straw Patrol.

Leia aqui a primeira crónica desta autora.