Um guia para a nature writing

Os primeiros ecos de preocupação pelo crescente stress e pressão impostos a quem vive nas grandes cidades chegam-nos nos finais do séc. XIX pela pena de ensaístas percursores num tipo de escrita que, principalmente nos Estados Unidos, dava os primeiros passos.

 

Muitos destes escritos iniciais são produzidos na natureza selvagem para onde os autores partem e se isolam em áreas de wilderness. Aí registam as experiências, as sensações e os desafios de um contacto prolongado com a vida selvagem. O livro “Walden” (1854), de Henry D. Thoreau, é referencial na transmissão dessa vivência.

 

 

John Muir, um dos percursores da criação dos primeiros parques nacionais norte-americanos, fundador da organização conservacionista Sierra Club, publica em 1911 “My First Summer in the Sierra”.

 

 

Umas décadas mais tarde, Rachel Carlson contribui, com “Silent Spring”, (Primavera Silenciosa na versão portuguesa editada pela Campo Aberto e Edições Sempre-em Pé) para o desencadear do movimento ambientalista que em meados do séc. XX começa a fazer-se ouvir.

 

 

Pela mesma altura Edward Albey escreve “Desert Solitaire”, uma obra autobiográfica decorrente da estação completa que viveu isolado no remoto oeste selvagem. Pete Froman foi premiado pela sua obra “Indians Creek” publicada nos anos noventa, nela relatando a experiência que teve nos sete meses de Inverno passados nas Montanhas Rochosas.

 

 

Estes trabalhos sobre a necessidade de preservar um mundo do qual o homem começa a afastar-se, deram origem ao que hoje se designa nature writing, uma escrita – inicialmente de não-ficção – em que a natureza e a vida selvagem são os protagonistas.

O agravamento dos problemas ambientais e a discussão crescente gerada em torno deles, motiva um alargamento e uma diversificação do âmbito da nature writing. Aos relatos de experiências vividas pelos próprios autores e à divulgação de alertas crescentes por parte de elementos da sociedade provenientes de vários quadrantes, todos preocupados com a degradação do ambiente e a consequente perda de qualidade de vida, vão-se juntando trabalhos de escritores e jornalistas também motivados por esta questão global que os leva a seguir as acções de quem no terreno busca um mundo que já não pode usufruir na “zona de conforto” onde nasceu ou onde reside.

Nalguns casos são trazidas a lume experiências levadas ao limite. Tal como o fez W.L. Ruscho em “A Vagabond for Beauty” (1973) onde, socorrendo-se de notas do seu diário, relata o desaparecimento do jovem Everett Ruess que em 1934 mergulhou nas remotas Canyonlands do sudoeste americano para viver uma experiência da qual não regressaria, também Jon Krakauer testemunhou ao pormenor a fuga do mundo actual protagonizada por Christopher McCandless no Alaska e que o levaria à morte no mais profundo dos isolamentos. Uma experiência que adquiriu uma dimensão universal com a versão cinematográfica de “Into the Wild” em 2007 (chegaria a Portugal em 2008).

 

 

Os romances também cabem na nature writing, um género que, a pouco e pouco, ganhou relevo na área da ficção. E se alguns trabalhos, mais antigos, não foram inicialmente motivados pelo tema da preservação da natureza, essa mensagem tornou-se central no desenrolar de cada nova trama. “Moby Dick” (1851) de Herman Melville, é uma obra de leitura obrigatória para quem procura boa literatura e acção na natureza selvagem (recentemente foi produzida uma nova versão cinematográfica). Jack London deixou inúmeras publicações num género em que foi percursor.

Traduções de obras com enredo ficcionado em que os bons selvagens são personagens centrais vão também surgindo em Portugal. Uma das mais recentes é “O Regresso dos Lobos” (2016) de Sarah Hall, onde se confrontam os conceitos de Natureza selvagem e de selvajaria, também humana.

 

 

Inspirado na obra homónima de Michel Punke, “O Renascido” é outro filme, mais recente. E se neste o tema central da história não é tanto a vida selvagem mas o comportamento do homem no seu seio, é a natureza bravia e essa ideia de transposição da Fronteira que a separa do “mundo civilizado” em que vivemos, que sobrevaloriza ambas as obras.

Viagens e expedições remotas, trabalhos nos confins do mundo, são também áreas onde a nature writing sempre se evidenciou. Uma das primeiras edições neste campo foi “The Voyage of The Beagle”, essencialmente notas de um diário percursor que Charles Darwin escreveu nos finais do séc. XIX.

 

 

Já nos nossos dias, em “The Snow Leopard” (1978), Peter Matthiessen dá-nos conta dos dois meses de campo que passou no Planalto Tibetano com o naturalista George Schaller no encalço desse animal mítico dos Himalaias que é o furtivo leopardo-das-neves.

 

 

Nestas breves e diversificadas propostas de leitura para as férias que agora desfrutamos, deixo uma última sugestão. A quem pretender saber mais sobre autores e obras referenciais nesta temática, a leitura da série “Clássicos da Natureza” da autoria de José Carlos Dias Marques, publicada na revista Tribuna da Natureza (edição FAPAS), será proveitosa.

Tal como é, seguramente, continuar a seguir a Wilder, onde a nature writing se produz diariamente.