Foto: Philmarin/Wiki Commons
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O que procurar na Primavera: a tamargueira

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Carine Azevedo apresenta-nos uma planta nativa de Portugal com grande longevidade, cujas flores brancas e rosadas, carregadas de néctar, atraem por estes dias muitos insectos polinizadores.

Com a chegada da primavera, os dias começam a crescer e as temperaturas ficam mais altas. É comum nesta época sairmos mais: alguns exploram o campo, outros a serra, mas há também quem goste de se aproximar das zonas costeiras para desfrutar do mar, da brisa e da paisagem.

E é junto às zonas costeiras que começa agora a florir uma espécie arbórea muito resistente, de postura despenteada graças ao seu aspeto emplumado e leve, que lhe confere também um aspecto delicado – a tamargueira (Tamarix africana).

Foto: Jules Verne/Wiki Commons

Tamaricaceae

A tamargueira, também vulgarmente conhecida como tamarga, tamariz, grossas, tramagueira, tamargueira-de-espigas-grossas e tamargueira-de-rama-preta, é uma espécie da família Tamaricaceae.

É uma família pequena, composta apenas por quatro géneros botânicos e pouco mais de uma centena de espécies reconhecidas em todo o mundo. Esta família distribui-se naturalmente pelas áreas mais secas da Europa, África e Ásia, especialmente na região do Mediterrâneo e na Ásia.

As espécies pertencentes a esta família são comumente halófitas, ocorrendo em habitats salinos ou alcalinos.

O maior número de espécies desta família pertence ao género Tamarix, com 73 espécies conhecidas, que é o único presente em território português.

Segundo os registos mais recentes, são quatro as espécies do género Tamarix nativas de Portugal Continental, sendo a mais comum a tamargueira (Tamarix africana), seguindo-se o tamariz (Tamarix gallica), a tamargueira-raiana (Tamarix mascatensis) e a tamargueira-rosada (Tamarix canariensis).

Tamarix, tamariscus e tamarice eram os nomes comuns usados pelos romanos para as tamargueiras, cuja origem científica não é muito clara.

Foto: Xemenendura/Wiki Commons

Alguns autores criaram o género Tamariscus, mas Linnaeus preferiu usar a forma atual Tamarix, que se acredita que possa ter tido origem no nome do rio Tambre, na Galiza, conhecido na época romana por rio Tamaris, em cujas margens estas plantas cresciam profusamente.

O restritivo específico africana deriva do latim africanus-a-um = África, e deve-se a Jean Louis Marie Poiret, colaborador de Lamarck, que descreveu a espécie que encontrou numa das suas viagens e explorações na Argélia.

A tamargueira

A tamargueira é uma espécie perene, de porte arbustivo ou arbóreo, e pode crescer até três metros de altura.

Forma uma copa larga, irregular e pouco espessa, possui um tronco tortuoso e ramificado, ramos finos, erectos e flexíveis. A casca dos ramos mais jovens é lisa e castanho-avermelhada, tornando-se mais escura e fissurada com a idade.

As folhas são caducas, escamiformes – semelhantes aos ciprestes, muito pequenas e sésseis, com limbo agudo com 1,5 a três milímetros de comprimento. Dispõem-se alternadamente e muito próximas umas das outras, são bastante membranosas, e possuem uma cor uniformemente verde-escura, ainda que sejam semitransparentes – diáfanas – na margem e no ápice.

Foto: Carlos Aguiar/Flora-On

A floração desta planta ocorre de março a junho, sendo mais efusiva nos meses de março a abril. As flores aparecem antes ou ao mesmo tempo que as novas folhas, e são de cor branca ou rosa-pálido.

As flores são hermafroditas, muito pequenas, com apenas dois a três milímetros de comprimento, são pentâmeras – constituídas por cinco peças florais – e radialmente simétricas. Reúnem-se em cachos em forma de espigas cilíndricas mais ou menos grossas e densas, com cerca de três a seis centímetros de comprimento e cinco a oito milímetros de diâmetro. As inflorescências formam-se geralmente nos ramos lenhosos do ano anterior.

O fruto é uma cápsula oval formado por três valvas que alojam no seu interior numerosas sementes minúsculas, que possuem um tufo de pêlos que auxiliam na sua dispersão. Esta é maioritariamente favorecida pelo vento – dispersão anemófila ou anemocoria – ainda que também possam ser dispersas pela água – hidrocoria.

A tamargueira é uma espécie de grande longevidade, podendo ultrapassar os 100 anos, e é uma planta de crescimento rápido.

Espécie ripícola

A tamargueira é uma espécie endémica do Mediterrâneo, nativa do Sudoeste da Europa e do Norte de África, presente em Portugal, Espanha, França, Itália, Ilhas Canárias, Baleares, Córsega, Sardenha, Sicília, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia.

Em Portugal ocorre em todo o território a sul do rio Tejo e, pontualmente, no Litoral Norte ou próximo de cursos de água. Esta espécie também pode ser encontrada no arquipélago dos Açores, ainda que aí tenha sido introduzida, pois facilmente se naturalizou.

É uma espécie ripícola, muito resistente, bem adaptada a solos húmidos, inundados e com elevadas concentrações de sais, como sapais, margens de rios, lagoas ou lagos de água doce ou salobra, e outras depressões com lençol freático alto, incluindo leitos secos e pedregosos e linhas de água temporárias. Também pode ocorrer em zonas de estuários.

Foto: Philmarin/Wiki Commons

Esta planta suporta climas muito variados e temperaturas negativas até – 9ºC. Prefere locais com boa exposição solar que garantam uma boa produção de flores e substratos de qualquer tipo, ainda que tenha preferência por solos bem drenados e soltos.

É uma espécie muito resistente à seca e ao vento, graças ao seu sistema radicular longo e muito ramificado; no entanto, não suporta o alagamento permanente.

A tamargueira pode formar bosques abertos com outras espécies como os salgueiros (Salix ssp.), juncos (Juncus ssp.) e tabúas (Typha ssp.). As comunidades onde é dominante designam-se de tamargais.

Os tamargais

Os tamargais constituem um excelente refúgio para diversas espécies de fauna silvestre, nomeadamente para muitas espécies de aves limícolas.

Algumas espécies de borboletas e traças procuram plantas do género Tamarix para depositar os seus ovos e alimentar as suas larvas: a ‘Channel Islands Pug’ (Eupithecia ultimaria), a Streblote panda, a Clytie syriaca, a ‘Trent Double-stripe’ (Clytie illunaris) e a ‘Tamarisk Peacock’ (Chiasmia aestimaria). Já a Coleophora asthenella, além de aí depositar os seus ovos, depende totalmente da tamargueira (Tamarix africana) para alimentar as suas larvas.

As suas flores são também muito melíferas e muito atrativas para os polinizadores, entre os quais as abelhas.

Ecologicamente, a tamargueira é também muito importante para os solos, uma vez que é muito resistente ao fogo, conseguindo renovar a parte aérea a partir do seu sistema radicular. O sistema radicular profundo que possui é fundamental para a fixação das dunas e das margens dos rios, prevenindo inundações das áreas adjacentes. É também uma excelente barreira de proteção contra os ventos fortes.

Foto: Carlos Aguiar/Flora-On

O uso da tamargueira como planta ornamental também é muito comum, em particular pela beleza e exuberância da sua floração e por outro lado pela sua grande rusticidade e por ser uma espécie de crescimento relativamente rápido.

A tamargueira pode ser plantada isolada, em grupos, ou formar sebes livres e irregulares. É uma boa alternativa para a formação de barreiras e corta-ventos, sobretudo em regiões quentes e expostas e em jardins à beira-mar. Como é tolerante às podas, também pode ser conduzida como bonsai.

Tamarix em Portugal

O género Tamarix é muito complexo devido à proximidade de características morfológicas entre as espécies, o que dificulta a sua identificação rápida e precisa.

As características morfológicas que diferenciam as espécies estão relacionadas, sobretudo, com as peças florais, nomeadamente: o tamanho e número de pétalas, o comprimento das brácteas e das sépalas, a configuração do nectarífero, entre outros, e as dimensões gerais das inflorescências. 

De uma forma simples, para ajudar a identificar as espécies nativas presentes no território continental, sabemos que todas possuem cinco pétalas. À exceção da tamargueira (Tamarix africana), têm – flores mais pequenas, as inflorescências são mais estreitas e nascem nos ramos jovens do ano.

No que diz respeito ao disco nectarífero, sabe-se que é do tipo paráfolo na Tamarix mascatensis e do tipo sínlofo nas restantes espécies nativas.

Tamarix mascatensis. Foto: Carlos Aguiar/Flora-On

Além disso, o tamariz (T. gallica) pode atingir porte arbustivo ou de pequena árvore, com uma altura máxima de nove a dez metros, e ocorre nas regiões da Beira Litoral e Estremadura. Esta espécie também ocorre no arquipélago da Madeira, onde foi introduzida e onde rapidamente se naturalizou, mas não existe nos Açores.

Tamarix gallica. Foto: Javier martinlo/Wiki Commons

Já a tamargueira-raiana (T. mascatensis) pode crescer até aos três ou quatro metros de altura e é conhecida no Alentejo, em Trás-os-Montes e Alto Douro.

Quanto à tamargueira-rosada (T. canariensis), não cresce mais do que cinco a seis metros de altura e pode ser encontrada um pouco por todo o país, especialmente em Trás-os-Montes, Estremadura, Beira Litoral, Alentejo e Algarve. De todas as espécies esta será a mais resistente à salinidade.

Além das espécies nativas, todas elas com potencial ornamental, é possível encontrar outras espécies exóticas que terão sido introduzidas no território nacional como plantas ornamentais, como por exemplo o Tamarix parviflora, vulgarmente conhecida como cedro-do-sal. Esta espécie, que facilmente se naturalizou em território continental, ocorre sobretudo na faixa litoral da Estremadura.

Tamarix parviflora. Foto: Kenraiz/Wiki Commons

É uma espécie nativa do Sudeste Europeu e também do Oeste Asiático. Possui inflorescências mais estreitas e mais pequenas que as espécies nativas e ao contrário das outras espécies é uma espécie tetrâmera, ou seja, a corola das flores é composta apenas por quatro pétalas. Tanto as brácteas como as sépalas apresentam ápices de cor púrpura e o disco nectarífero é sínlofo.

A tamargueira, assim como todas as outras espécies do género Tamarix é, sem dúvida, uma espécie importante a conservar.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Halófita – planta própria de solos fisiologicamente secos, devido à grande concentração de sais.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Caduca – folha que cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.

Escamiforme – folha semelhante a uma escama.

Séssil – que se insere diretamente pela base, sem pecíolo ou pedicelo.

Diáfana – muito delgada, quase transparente e desprovido de cor.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Pentâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.

Peças florais – pétalas, sépalas, tépalas, estames e carpelos.

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.

Valva – cada uma das peças em que se abrem as cápsulas.

Dispersão anemócorica ou Anemocoria – dispersão realizada pelo vento.

Dispersão hidrocórica ou Hidrocoria – dispersão realizada pela água.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.

Nectarífero – excrescência glandulosa em forma de disco ou anel que forma o receptáculo, que por sua vez é a parte superior e alargada do “pé” da flor onde se inserem as peças florais, e que segrega néctar.

Paráfolo – nectarífero dividido em quatro ou cinco lóbulos com ápice truncado e unido a um estame.

Sínlofo – nectarífero profundamente dividido em quatro ou cinco (por vezes, três) lóbulos com ápice atenuado e unido a um estame, pelo que este aparenta estar dilatado na base.

Tetrâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de quatro ou em múltiplos de quatro.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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