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O que procurar na Primavera: a tramazeira

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Com uma bela floração branca, a tramazeira (Sorbus aucuparia) inicia agora uma nova etapa do seu ciclo de vida. As suas pequenas flores perfumadas começam a florir, mantendo-se assim até finais de julho.

A tramazeira é uma árvore ornamental muito elegante. A sua folhagem, as flores e os frutos tornam-na numa árvore magnífica e atrativa em jardins e outros espaços verdes durante uma longa parte do ano. Possui também um grande interesse florestal pela sua madeira de textura fina e clara e é muito importante do ponto de vista ecológico, uma vez que o néctar das suas flores e os seus frutos servem de alimento a muitos animais.

A tramazeira

A tramazeira, também vulgarmente conhecida como cornogodinho, sorveira, escancerejo, sorveira-brava e sorveira-dos-passarinhos, é uma pequena árvore da família Rosaceae, que inclui espécies bem conhecidas como o pilriteiro, a amendoeira, a cerejeira, a pereira, a macieira e muitas outras. 

Os ingleses chamam-lhe Moutain ash (Freixo da montanha) pelas suas semelhanças com o freixo e por ser uma espécie tipicamente de montanha.

Foto: Eeno11 / Wiki Commons

Esta árvore pode atingir até 15 metros de altura. Possui uma copa arredondada, por vezes irregular e pouco densa. Os raminhos jovens, de tons acinzentados a púrpura-acastanhados, são peludos e com abundantes lentículas (poros da casca da árvore). Quanto ao ritidoma, que é a parte externa e seca da casca das árvores, é liso, acinzentado, igualmente com numerosas lentículas, tornando-se acastanhado e ligeiramente fendido com a idade. Tem um sistema radicular profundo e de longo alcance.

É uma espécie caducifólia, de folhas compostas, peludas, que vão perdendo os pelos, tornando-se glabras, após a floração. Cada folha possui 5 a 7 pares de folíolos laterais e um folíolo apical, lanceolados e de margem serrada. As folhas são verde-escuras na página superior e cobertas por uma esparsa pubescência na face inferior, que assume assim uma cor esbranquiçada a acinzentada. A folhagem adquire tons amarelos e avermelhados no outono.

Foto: 3268zauber / Wiki Commons

A floração desta árvore ocorre entre maio e julho. As flores hermafroditas (femininas e masculinas) encontram-se reunidas em inflorescências – corimbos compostos e terminais com cerca de 15 cm de diâmetro. Cada flor possui cinco pétalas brancas, livres e glabras, protegidas por cinco sépalas com a face externa tormentosa (penugenta). As flores da tramazeira são perfumadas, no entanto o aroma é um tanto desagradável. O seu néctar é rico em frutoses e glicose.

Já o fruto, conhecido como sorva, é um pomo subgloboso – semelhante a uma pequena maçã – de cor verde na fase inicial de formação e vermelho a alaranjado e brilhante na fase final da maturação. Possui uma polpa homogénea e contém entre 1 a 6 sementes no seu interior. Os frutos amadurecem durante o verão e o início do outono e permanecem na árvore mesmo depois da queda das folhas, enquanto as aves não os comem. A primeira frutificação ocorre a partir dos 10 a 15 anos de idade e é geralmente anual. Em média, a tramazeira pode viver entre 80 a 120 anos.

A designação científica desta espécie está muito associada às características dos frutos e à sua importância ecológica. O nome genérico Sorbus poderá derivar do latim “sorbeo” que significa engolir, muito provavelmente devido aos seus frutos comestíveis, ou do celta “sormel” que significa maçã áspera, também alusivo ao seu pequeno fruto. O restritivo específico aucuparia deriva do latim “aucupor” – que serve para caçar pássaros – em referência ao facto de os seus frutos serem atrativos para os pássaros que se alimentam deles. Aliás, esta árvore é muito conhecida entre os caçadores que costumam usar os seus frutos, como isco, para atrair as aves.

Sorveira-dos-passarinhos

A tramazeira é uma espécie nativa da Europa e da Ásia Menor. Em Portugal Continental, ocorre naturalmente nas regiões de montanha do Norte e Centro, nomeadamente nas serras do Gerês, Cabreira, Larouco, Montesinho, Gardunha e Estrela. É muito rara no Sul e na faixa litoral.

Dom-fafe a alimentar-se de frutos de tramazeira. Foto: Reelika Saar / Wiki Commons

É uma espécie de pleno sol ou de semi-sombra, que requer humidade moderada. Pode crescer e desenvolver-se em solos pedregosos, argilosos, arenosos ou turfosos, preferindo substratos ácidos, férteis, profundos, frescos e soltos. É intolerante ao alagamento, a solos salinos e com demasiado calcário. É bastante resistente aos ventos fortes, à neve e a temperaturas baixas, sendo capaz de suportar temperaturas abaixo dos 30ºC negativos. É tolerante à poluição urbana e regenera muito bem após o corte.

É comum na orla de bosques caducifólios, acompanhando bétulas, faias e carvalhos, mas também a podemos encontrar junto a pinhais e por vezes em matagais, em zonas montanhosas.

A tramazeira tem um crescimento bastante rápido durante os primeiros anos e é uma espécie pioneira, ocupando áreas onde muitas outras espécies não se conseguem estabelecer. E é essencial na fixação do solo através das suas raízes profundas, protegendo-o contra a erosão. As suas folhas decompõem-se rapidamente, o que favorece a formação de húmus. 

É uma árvore muito apreciada pelos seus frutos por melros, tordos e outros pássaros – daí a sua designação comum sorveira-dos-passarinhos – e por inúmeros mamíferos como as raposas, texugos e esquilos. Todos estes animais desempenham um papel fundamental na dispersão das suas sementes.

Mil e uma aplicações

Esta planta é frequentemente cultivada para fins ornamentais e pode utilizar-se isolada e em pequenos bosques ou sebes e também em alinhamentos. 

É uma árvore bastante interessante do ponto de vista florestal, a madeira é muito compacta, dura e elástica, de textura fina, resistente e de cor branca, por vezes rosada. Usada para tornear, para o fabrico de rodas e de cintas para as pipas, assim como no fabrico de peças sujeitas a desgaste (cabos para ferramentas). Da madeira da tramazeira também se podem obter instrumentos musicais (flautas). A lenha é um bom combustível.

Os frutos, apesar de serem ácidos e levemente amargos, são usados, depois de cozinhados, na confecção de compotas, geleias, molhos e conservas. Após a sua fermentação, também podem ser utilizados no fabrico de bebidas alcoólicas, como aguardente, vodka, licores de frutas e até vinagre. 

Não é aconselhável comer os frutos crus uma vez que contêm parasorbina – substância aromática de cheiro doce e ligeiramente tóxica, pois pode causar irritação, vómito, inflamação gastrointestinal. Se ingeridos, deve-se garantir que estão totalmente maduros e nunca em grandes quantidades.

Da tramazeira é possível extrair ácido sórbico, um conservante para alimentos com ação antifúngica, e o sorbitol, um poliol (álcool de açúcar) de sabor adocicado usado como adoçante.

Foto: Nxr-at / Wiki Commons

Além das aplicações culinárias, a tramazeira tem várias aplicações medicinais: propriedades antioxidantes, antidiarreica, anti-inflamatória, digestiva, adstringente, diurética, anticancerígena, antiescorbúticas e anti-hemorroidal, além de ser rica em vitamina C em taninos.

A infusão do fruto e a decocção feita a partir da casca do tronco são úteis no combate à diarreia, hemorroidas e no tratamento de gastrites e irritações das mucosas. 

As infusões também podem utilizar-se em gargarejos, para tratar inflamações da boca e da garganta. Têm um efeito de regulação e normalização do trânsito intestinal e o seu uso também é recomendado em casos de doenças febris, gripes, resfriados e cansaço. Alguns autores referem ainda que o consumo destes frutos, após cozedura, ajudam a limpar o sangue e a fortalecer o sistema imunitário, além de ajudar na prevenção do envelhecimento precoce e na saúde da pele. A decocção feita a partir da casca pode ser aplicada externamente no tratamento e desinfeção de cortes e pequenas feridas. 

As flores e as folhas também podem ser utilizadas para fazer uma tisana calmante, com propriedades semelhantes à tília.

Lendas e histórias

A tramazeira é uma árvore envolta de história e misticismo. Ainda antes da era cristã era uma árvore venerada pelos antigos celtas, considerada mágica e sagrada e muito utilizada em rituais religiosos e na magia popular. 

Para os celtas, a floresta era vista como divina, existindo o culto às árvores. Com eles surgiu o oráculo das árvores, um dos oráculos mais antigos de que se tem conhecimento, composto por 25 árvores, onde se inclui a tramazeira. Estas árvores segredavam ou murmuravam segredos e mensagens a quem as consultava. O oráculo era também utilizado para fazer previsões e dar aconselhamentos e orientações em prol do autoconhecimento.

Foto: Joanna Boisse / Wiki Commons

Associada à proteção contra o mau-olhado, a bruxaria e as trovoadas, os frutos, secos, eram usados como “repelentes” para bruxas, lobisomens e demónios e como “antídoto” contra o mal e os feitiços. 

Alguns povos plantavam-na à entrada de casa ou então penduravam uns raminhos na porta para proteção contra os maus espíritos. Os cristãos usavam-na em pequenas cruzes com ramos atados por uma fita vermelha que se penduravam por cima das portas na época da Páscoa ou nos rituais da primavera.

Numa próxima visita às serras do Norte e Centro de Portugal, procure esta espécie. Se for agora, na primavera, irá encontrar as suas belas flores brancas, durante o verão poderá apreciar a beleza dos seus frutos e a sombra fresca e leve da sua folhagem. No outono poderá encontrar os frutos vermelhos e a folhagem dourada típica da estação e no inverno encontrará a árvore despida de folhas, mas ainda carregada de frutos.


Dicionário informal do mundo vegetal: 

Lentícula – poro da casca da árvore, pelo qual penetra o ar, apoiando o processo de respiração

Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide

Limbo – parte larga de uma folha

Apical – que está no ápice, ponto terminal ou vértice da folha

Lanceolada – cada folíolo apresenta a forma de lança

Serrada – margem com dentes marginais agudos, como os de uma serra

Corimbo – inflorescência cujas hastes florais partem de pontos diversos, mas alcançando altura semelhante


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.