Foto: Alvesgaspar
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O que procurar na Primavera: abelhinhas ou briza

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Carine Azevedo apresenta-nos uma pequena plantinha de nome curioso e que lhe traz memórias de brincadeiras antigas, que podemos encontrar por todo o Portugal Continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

A abelhinhas ou briza, como sempre a conheci, é uma daquelas plantinhas que me fazem recuar à minha infância. 

Recordo-me do aspeto leve e frágil das suas pequenas inflorescências, em forma de coração, a abanar ao sabor da brisa, no meio dos campos junto a casa. Recordo-me também de as colher e de brincar com elas, de as agitar como se fossem um espanta-espíritos natural, que depois levava e colocava numa jarra onde se mantinham bonitas por muito tempo.

Foto: Luis Fernández García

Por vezes, também me pareciam pequenos insectos que se movimentavam sobre o mesmo eixo, dando a ideia de que estavam a proteger alguma coisa valiosa.

Mais tarde, descobri que o nome científico desta espécie estava diretamente associado a essa característica de movimento das inflorescências.

O nome genérico Briza deriva do grego brizo, que significa “acenar”, e terá sido o nome dado inicialmente a um tipo de cereal, possivelmente centeio, mais tarde transferido para estas plantas – devido à particularidade das inflorescências se inclinarem para baixo e se moverem facilmente com a mais leve das brisas de ar, dando a ideia de que estão a dormir em pé.

O restritivo específico maxima deriva do latim maximus, e significa “maior” em alusão ao tamanho das suas espiguetas, as maiores do género, em oposição às restantes espécies Briza minor e Briza media, por exemplo.

Poaceae

A abelhinhas (Briza maxima) também é vulgarmente conhecida como bole-bole-maior, bole-bole, bule-bule, bule-bule-grado, campainhas-do-diabo, chocalheira-maior, quilhão-de-galo, entre outros nomes, e pertence a uma das famílias botânicas de maior importância para o homem, a Poaceae.

A família Poaceae, também conhecida como a família das gramíneas, é a quarta família botânica mais abundante da flora terrestre, só ultrapassada pelas famílias Asteraceae, Orquidaceae e Fabaceae.

É composta por mais de 11.000 espécies, distribuídas por 790 géneros botânicos, maioritariamente plantas herbáceas, embora existam espécies que alcançam grandes dimensões que se podem considerar lenhosas, como por exemplo o bambu-gigante (Dendrocalamus giganteus).

As espécies pertencentes a esta família são cosmopolitas e encontram-se praticamente em todo o mundo, nos mais diversos habitats, excepto em grandes altitudes.

Muitas das plantas desta família são a base da alimentação de grande parte da população humana. As mais conhecidas são o arroz (Oryza sativa), o milho (Zea mays), o trigo (Triticum aestivum), a cevada (Hordeum vulgare), o centeio (Secale cereale), a aveia (Avena sativa), a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum), a erva-príncipe (Cymbopogon citratus),entre muitas outras.

Embora não possuam flores muito vistosas, algumas destas plantas também têm características ornamentais importantes, destacando-se as espécies comuns em relvados e em gramados e os bambus.

Um grande número de representantes desta família também fornece forragem para os animais, nomeadamente para o gado.

Em Portugal ocorrem cerca de 83 géneros nativos desta família, representados por pouco mais de duas centenas de espécies.

Abelhinhas

A abelhinhas (Briza maxima) é uma espécie pertencente ao género botânico Briza, representado em todo o mundo por cinco espécies, das quais três ocorrem de forma natural em Portugal.

A Briza maxima é uma planta herbácea, anual, com caules estriados, glabros, geralmente eretos, embora possam ser decumbentes. Os caules são verdadeiros colmos. São ocos e cilíndricos, com nós bem diferenciados e engrossados, que podem crescer até cerca de 80 centímetros de altura. 

As folhas são verdes, planas, inteiras, glabras, possuem uma forma linear e inserem-se nos espaços dos entrenós. Na junção entre o limbo e o pecíolo, possuem uma lígula membranosa, comprida e lanceolada, com margem áspera, revestida de pêlos duros e fortes, com uma bainha fechada e lisa.

As flores surgem entre abril e junho sobre um escarpo floral bastante fino, redondo, com quatro a cinco nós, maioritariamente envolvido pela bainha das folhas.

Foto: Ricardo Oliveira

Surgem em inflorescências, em forma de panícula simples, pouco densa, constituída por pequenas espigas (espiguetas), geralmente com várias flores com uma grande simplicidade estrutural.

As flores desta planta, assim como das restantes Poaceae, não possuem pétalas nem sépalas, uma vez que não precisam de atrair os insectos para serem polinizadas. A leveza destas flores permite que a dispersão das suas sementes seja facilmente feita pelo vento ou pela água.

As espiguetas são mais curtas que os pedúnculos, mais ou menos pendentes. São ovóides e juntam-se em duas filas compostas por oito a 20 flores hermafroditas, imbricadas e compridas lateralmente. São geralmente glabras ou por vezes pubescentes na metade superior.

As espiguetas são também maioritariamente esverdeadas e possuem, na base, duas glumas – brácteas protetoras estéreis e membranosas, de cor púrpura ou castanho-avermelhada. As glumas também têm uma função bastante importante na dispersão das sementes.

Foto: Donald Hobern/Wiki Commons

Quando maduras, as espiguetas assumem um tom dourado e ficam bastante lustrosas.

Por sua vez, o fruto é uma cariopse, ou seja, um fruto seco, indeiscente e monospérmico, comum das espécies pertencentes a esta família botânica.

Ecologia

A abelhinha é nativa da região mediterrânica, em países como Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Bulgária, Turquia, Síria, Jordânia, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, entre outros, e da Macaronésia (Açores, Madeira e Canárias).

Em Portugal, ocorre em todo o território continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, embora alguns registos apontem para que possa ter sido introduzida nesta última localização.

A Briza maxima pode crescer e desenvolver-se em locais com características ecológicas muito diferentes, preferindo ambientes secos e áridos. Pode ocorrer tanto em lugares com exposição solar plena ou mesmo semi-sombreados, e suporta a maioria dos solos, desde que bem drenados. Tolera o calor e também resiste a temperaturas mínimas de inverno, até aos 20º C negativos.

É frequentemente observada em terrenos cultivados e incultos, em prados, campos agrícolas, searas, baldios, em clareiras e orlas de matos, em bosques, pinhais, montados, olivais e pomares.

Foto: H. Zell/Wiki Commons

A Briza maxima, assim como as restantes espécies de Briza, é uma importante fonte de alimento de inúmeras larvas de insectos da ordem Lepidoptera, que inclui as borboletas e as traças, como por exemplo a Coleophora lixella (conhecida em inglês por ‘downland case-bearer’).

Esta planta também pode ser usada como forragem para animais.

Erva de jardim

A Briza maxima é também uma espécie interessante do ponto de vista ornamental. A sua silhueta leve e esbelta, as fascinantes e inúmeras espiguetas que balançam ao vento e que mantêm o valor ornamental durante a primavera e verão, tornam esta herbácea interessante em paisagismo para a decoração de canteiros ou em bordaduras ao longo de caminhos, em jardins naturais, em jardins de pedra ou até em vasos grandes, suficientemente grandes para formar densos tufos de plantas, e para decorar em terraços e varandas, combinada ou não com outras espécies herbáceas.

As suas hastes finas e folhagem esparsa não competem com outras plantas, logo também pode ser misturada com outras espécies anuais para criar prados floridos, sendo uma excelente opção para cobertura do solo.

A Briza maxima também é muito utilizada como flor de corte em arranjos de florais secos. As espiguetas mantêm um aspecto fresco e natural por muito tempo, dando um toque refrescante a qualquer arranjo de flores.

Foto: Alvesgaspar

Alguns registos etnobotânicos referem que as espiguetas, ainda imaturas (verdes), são comestíveis e apresentam um sabor adocicado de baunilha ou alcaçuz. Antigamente eram mastigadas ou sugadas para perfumar o hálito.

Também há registo de que uma infusão com as inflorescências desta planta é útil no tratamento de picadas de alguns insectos como, por exemplo, o lacrau.

Outras Briza nativas

Além da Briza maxima, em Portugal ocorrem mais duas espécies do género Briza: a Briza media e a Briza minor.

As características das três espécies são muito semelhantes, estando as diferenças entre elas basicamente no tamanho da planta e das inflorescências, conforme o próprio nome indica.

Das três espécies que ocorrem em Portugal, a Briza media, também vulgarmente conhecida como bole-bole, bule-bule, bole-bole-intermédio, bulu-bule-intermédio ou chocalheira-intermédia é menos comum, possuindo uma distribuição mais restrita às regiões de Trás-os-Montes e Beiras, em habitats mais húmidos, em particular em áreas de lameiros e prados. Também há registo da sua ocorrência no arquipélago dos Açores.

Brisa media. Foto: Radio Tonreg/Biodiversity4All

A Briza media pode atingir os 75 centímetros de altura. As suas numerosas espiguetas medem cerca de quatro a sete milímetros, são esverdeadas ou ligeiramente purpúreas e possuem cerca de quatro a 12 flores. A floração ocorre nos meses de junho e julho.

Já a Briza minima, como o nome indica, é a mais pequena das três espécies nativas. Também é conhecida como bule-bule e pode designar-se bule-bule-menor, bule-bule-miúdo, chocalheira-menor, chocalheirinha, pandeirinha.  

Esta espécie ocorre em quase todo o país, nomeadamente em locais húmidos, como lameiros, prados e margens de linhas de água. Ao contrário da Briza maxima, é raro ocorrer em locais secos. Também ocorre nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Briza minor. Foto: Becky/Biodiversity4All

A Briza minima pode atingir entre cinco a 60 centímetros de altura. As espiguetas são mais pequenas e também mais abundantes, em relação a qualquer uma das restantes espécies, e também são ligeiramente diferentes, uma vez que têm um aspeto mais triangular e são geralmente verde-pálidas. A floração ocorre de março a junho.

Existem Briza dos mais diversos tamanhos, mas todas elas com uma beleza particular. 

Se encontrar umas pequenas espiguetas a abanar ao sabor do vento, pare e explore para descobrir qual das espécies será.


 Dicionário informal do mundo vegetal:

Estriado – provido de estrias, ou seja, sulcos finos e superficiais, geralmente paralelos entre si.

Glabro – sem pêlos.

Decumbente – caule ou ramo deitado sobre a terra, por onde se alastra e com a ponta levantada para cima. 

Colmo – caule cilíndrico com nós salientes, bem diferenciados e entrenós mais ou menos longos, revestidos pelas bainhas das folhas.

Entrenó – porção do caule compreendida entre dois nós consecutivos.

Limbo – parte larga de uma folha normal.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Lígula – saliência membranosa situada na superfície interna das folhas de certas plantas.

Bainha – parte basal, mais ou menos alargada, de certas folhas e que envolve o raminho ou o escapo floral.

Escapo – haste floral.

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Panícula – inflorescência em cacho ou em espiga.

Espiga – inflorescência indefinida simples, com as flores sésseis (que se insere diretamente pela base, sem pecíolo) inseridas, geralmente, sobre um eixo mais ou menos alongado. 

Espigueta – inflorescência típica das Poaceae, constituída por uma, duas ou três brácteas estéreis (glumas) na base.

Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca.

Sépala – peça floral, geralmente verde.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Imbricada – disposição muito próxima das flores, geralmente sobrepostas como telhas ou escamas de peixe.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Gluma – cada uma das brácteas estéreis da base da espigueta, geralmente duas, gluma inferior e gluma superior.

Bráctea – folha mais ou menos modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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