Foto: Thomas Krucker/Wiki Commons
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O que procurar na Primavera: as orquídeas

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Carine Azevedo convida-nos para o mundo destas plantas misteriosas e diferentes, com uma forma tão fascinante de vida, e que por estes dias poderemos encontrar num passeio mais atento.

As flores exuberantes e vistosas das orquídeas atraem legiões de apreciadores, que em alguns casos as classificam como as plantas mais evoluídas da natureza.

Podemos encontrar estas plantas em quase todos os continentes, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais, embora possam ocorrem nos mais diversos habitats.

Em Portugal, há uma enorme variedade de orquídeas nativas. Não têm flores tão grandes como as orquídeas ornamentais, mas têm também uma aparência exótica, com formas e características de uma beleza ímpar.

E é em Portugal que podemos encontrar a orquídea mais rara da Europa.

Orchidaceae

A família Orchidaceae é uma das maiores famílias de plantas com flor. É constituída por mais de 25.000 espécies, distribuídas por aproximadamente 800 géneros botânicos e muitos híbridos.

As orquídeas são plantas herbáceas, perenes, epífitas, terrestres ou rupícolas, raramente saprófitas.

As espécies epífitas crescem sobre outras plantas sem as parasitar, usando o seu hospedeiro apenas como apoio. Estas plantas possuem caule e raízes aéreas e formam a grande maioria das orquídeas cultivadas, como é o exemplo de algumas espécies do género Vanda, Phalaenopsis, Cattleya, Dendrobium e Laelia, entre várias outras.

Orquídea do género Cattleya. Foto: Alejandro Bayer Tamayo/Wiki Commons

As orquídeas terrestres são normalmente plantas mais resistentes e como o nome indica, vivem sobre um substrato, no solo. Este substrato é geralmente rico em nutrientes, composto por matéria-orgânica resultante da decomposição do húmus, que favorece o desenvolvimento das plantas. De entre as principais espécies de orquídeas terrestres estão as dos géneros Paphiopedilum, Arundina, Sobralia, entre outras.

As espécies rupícolas são, habitualmente, plantas mais pequenas, que ocorrem geralmente em ambientes mais áridos, sob sol pleno, e onde predominam os solos rochosos – locais onde geralmente é difícil o desenvolvimento da maioria das outras plantas.

As orquídeas rupícolas desenvolvem as suas raízes nas fendas das rochas onde vão obtendo os nutrientes, muito escassos, de que necessitam para crescerem. Pertencem a este grupo de orquídeas algumas espécies do género Cattleya, anteriormente agrupadas no género Hoffmannseggella.

Existe ainda um número muito reduzido de espécies de orquídeas que vivem em associação com um fungo micorrízico ou saprófita, conhecidas como mico-heterotróficas. Estas orquídeas são parasitas, carentes em clorofila, e obtêm o seu alimento através do fungo que parasitam, retirando deste todos os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento, como acontece com a orquídea Wullschlaegelia aphylla.

Orquídeas em Portugal

Em Portugal ocorrem 15 géneros e cerca de 50 espécies de orquídeas terrestres, algumas das quais são espécies endémicas das regiões autónomas da Madeira e dos Açores. É o caso da orquídea-da-serra (Dactylorhiza foliosa), da orquídea-branca (Goodyera macrophylla) e da orquídea-da-rocha (Orchis mascula subsp. scopulorum), todas espécies endémicas do arquipélago da Madeira.

No arquipélago dos Açores também ocorrem três espécies endémicas, todas pertencentes ao género botânico Platanthera, concretamente a Platanthera azorica, a Platanthera micrantha e a Platanthera pollostantha.

A Platanthera azorica está classificada como sendo a orquídea mais rara da Europa. Os registos mais recentes apontam para a sua redescoberta no ano de 2013, estimando-se a existência de 200 a 300 exemplares – uma população muito pequena, restrita ao Pico da Esperança, na cordilheira central de São Jorge.

Em Portugal Continental ocorrem 49 espécies de orquídeas, distribuídas por catorze géneros botânicos. Muitas apresentam um estatuto de conservação muito particular em Portugal Continental.

Segundo as categorias da IUCN – International Union for Conservation of Nature (União Internacional para a Conservação da Natureza), que podem ser utilizadas na avaliação do risco de extinção das espécies a nível regional, algumas das espécies de orquídeas nacionais são classificadas como:  

Em Perigo:

Cephalanthera rubra 

Dactylorhiza insularis

Epipactis fageticola 

Gymnadenia conopsea 

Anacamptis laxiflora 

Platanthera bifolia 

Serapias perez-chiscanoi

Criticamente em Perigo:

Anacamptis collina

Orchis provincialis

Neotinea ustulata

A Spiranthes aestivalis aparece na lista como Quase Ameaçada. A Neottia nidus-avis está classificada como Vulnerável e a Epipactis palustris como Regionalmente Extinta.

As restantes espécies nativas que ocorrem em Portugal Continental não apresentam nenhum estatuto de conservação em particular, embora sejam plantas raras, devendo ser igualmente preservadas.

Vamos conhecer três das espécies mais comuns e que se encontram agora em flor: a erva-abelha (Ophrys apifera), a erva-língua (Serapias lingua) e a satirião-menor (Anacamptis pyramidalis).

A erva-abelha

Foto: Bernard DUPONT/Wiki Commons

A erva-abelha (Ophrys apifera) também é conhecida como erva-aranha e abelheira. O nome comum de erva-abelha e a designação científica Ophrys apifera devem-se à forma das flores.

O nome do género Ophrys foi o nome grego dado a uma orquídea (talvez Listera ovata) usada para escurecer as sobrancelhas (ophrys-brows) e que foi mais tarde transferido para este género de plantas, devido às bordas peludas e acastanhadas do labelo de algumas espécies.

O restritivo específico apifera significa “semelhante a uma abelha”, porque as flores desta espécie assemelham-se ao corpo peludo de uma abelha.

A erva-abelha é uma planta pequena, perene, que pode crescer entre 20 a 50 centímetros de altura e que se desenvolve a partir de pequenos tubérculos subterrâneos globosos que se mantêm ativos ao longo de todo o ano. Mesmo quando a planta, após a floração, perde a parte aérea e entra em repouso vegetativo.

As folhas são verde-claras e têm uma forma oval a lanceolada. As primeiras folhas surgem no outono e formam uma roseta basal que vai crescendo durante a estação mais fria. As folhas do caule aparecem mais tarde e são de menor tamanho.

A floração ocorre entre março e junho e cada planta pode ter entre três a dez flores por inflorescência.

Cada flor é composta por diferentes peças florais: possui três grandes sépalas, semelhantes a pétalas, rosadas, rosa-púrpura ou rosa-esbranquiçado, com forma oval e duas pétalas mais pequenas e superiores, de cor esverdeada, aveludadas e geralmente mais estreitas e arredondadas na extremidade. 

Na parte inferior da flor, existe o labelo – uma tépala maior que as restantes peças florais. O labelo é trilobado, aveludado e castanho-avermelhado, com uma faixa marginal em forma de U ou W de cor amarelo-intenso.

O fruto é uma cápsula que contém milhares de sementes, planas, reticuladas e muito pequenas.

A erva-abelha é muito comum em Portugal e ocorre naturalmente em algumas regiões do Nordeste, no Litoral Oeste e no Sul do território continental, sobretudo em solos calcários, mais ou menos húmidos e relativamente profundos.

A erva-língua

Foto: Thomas Krucker/Wiki Commons

A erva-língua (Serapias lingua), também vulgarmente conhecida como serapião, é uma planta vivaz e herbácea. É formada por vários tubérculos subterrâneos e pode crescer entre 10 a 60 centímetros de altura.

Esta planta possui caules verdes de onde partem as folhas basais, também elas esverdeadas e sem manchas. As folhas distais, que ocorrem ao longo do caule, são bracteiformes.

A floração desta orquídea ocorre entre março e junho e as flores surgem em inflorescências, mais ou menos frouxas, em grupos de duas a seis flores.

Cada flor é formada por brácteas lanceoladas, glabras, de cor purpúreo-violácea e com tonalidades esverdeadas e nervuras de cor púrpura mais intensa.

As sépalas são ovadas ou lanceoladas e de cor púrpura-violácea mais clara e as pétalas são laterais, ligeiramente mais curtas que as sépalas, e geralmente de base arredondada e de cor púrpura. O labelo é oblongo, vermelho, castanho, castanho-púrpura, ou por vezes amarelo. É viloso a puberulento.

O fruto é uma cápsula que contém no seu interior inúmeras sementes planas, reticuladas e de cor ocre-acastanhado.

A denominação científica desta espécie está associada à mitologia e à morfologia da flor.

O nome do género Serapias deriva de Serapis, divindade egípcia da fertilidade que foi declarada deus oficial do Egito e da Grécia por Ptolomeu I, com a intenção de unir culturalmente os dois povos.

O epíteto específico lingua refere-se à forma característica do labelo que, de facto, se assemelha a uma língua.

A erva-língua distribui-se um pouco por todo o território continental, sendo indiferente ao tipo de substrato onde se desenvolve, embora tenha preferência por solos ácidos ou ligeiramente neutros.

É comum em zonas de prado, relvados húmidos, pauis, azinhais, sobreirais, pinhais e na clareira de matos.

A satirião-menor

Foto: Hectonichus/Wiki Commons

A satirião-menor ou orquídea-piramidal (Anacamptis pyramidalis) é uma planta vivaz formada por tubérculos subterrâneos e por caules delgados, sólidos, verdes e glabros, que podem atingir até cerca de 70 centímetros de altura.

As folhas são agudas, linear-lanceoladas, embainhadas e glabras. As folhas superiores são progressivamente mais curtas e nas proximidades da inflorescência são bracteiformes.

A floração ocorre entre março e junho. As flores surgem dispostas em inflorescências em espiga terminal, multifloral e densa, com uma forma piramidal. Cada inflorescência é formada por 15 a 40 flores, sésseis, hermafroditas, de cor púrpura ou rosada, raramente brancas.

Cada flor é composta por sépalas e pétalas lanceoladas e glabras e pelo labelo. O labelo é cuneiforme, trilobado e possui duas saliências características. Os dois lobos laterais são divergentes, oblongos a ovados e o lobo central é mais comprido, por vezes mais estreito que os restantes, e geralmente com a parte interna branca. Na parte de trás de cada flor existe um esporão filiforme, arqueado e descendente.

O fruto é uma cápsula erecta e oblonga que contém inúmeras sementes planas e reticuladas.

Como acontece com as outras espécies, o nome científico da Anacamptis pyramidalis está associado à morfologia floral.

O nome genérico deriva da palavra grega anakámpto, que significa ” dobrado para dentro”, em referência ao longo esporão recurvado para trás presente em cada uma das flores. O restritivo específico pyramidalis deriva do latim e refere-se à forma piramidal da inflorescência.

A satirião-menor ocorre na região ocidental do país, sobretudo nas regiões da Beira Litoral e Algarve, em áreas abertas e ensolaradas, preferencialmente em solos calcários e secos.

Estranha forma de vida

Estas orquídeas, típicas de climas temperados, amplamente distribuídas por quase toda a Europa, Norte de África e Oeste da Ásia, possuem estratégias de polinização muito peculiares e especializadas de forma a garantir o sucesso reprodutivo da espécie.

A polinização destas espécies é totalmente dependente dos insectos – polinização entomófila.

Mas a polinização não é fácil, pois a parte da planta que recebe o pólen não está exposta o suficiente e as estruturas onde o mesmo está armazenado são demasiado pesadas para serem disseminadas pelo vento. Assim, as orquídeas desenvolveram mecanismos de atração particulares para facilitar o processo.

A erva-abelha (Ophrys apifera), por exemplo, é polinizada pela abelha Eucera nigrilabris, que é atraída pela forma e odor da flor. Ao imitar a forma e o odor de uma abelha, a flor da erva-abelha consegue atrair o macho, levando-o a pousar sobre a flor pensando que está a acasalar com uma fêmea da sua própria espécie.

Macho da abelha Eucera nigrilabis. Foto: Gidip/Wiki Commons

A erva-língua (Serapias lingua), como acontece com muitas outras orquídeas, não produz néctar como recompensa floral; no entanto possui flores em forma de cavidade ou galeria, que fornecem abrigo e proteção contra o frio e contra predadores de inúmeros insectos. Algumas abelhas, vespas e besouros procuram proteção nestas flores e simultaneamente ajudam na polinização, transportando os grãos de pólen que aderem ao seu corpo de flor em flor.

Já a polinização da satirião-menor (Anacamptis pyramidalis) ocorre por engano. As flores desta planta possuem um esporão que, contrariamente a outras espécies, não possui néctar.

A polinização desta orquídea é feita por borboletas e traças, das quais se destacam como principais polinizadores a Zygaena minos e a Aporia crataegi.

Borboleta Zygaena minos. Foto: Bernd Haynold/Wiki Commons

Os polinizadores são atraídos pelo odor das flores e são iludidos com uma falsa recompensa floral. Ao explorarem a flor, os grãos de pólen aderem à probóscide, sendo transportados para outras flores.

O fascínio das Orquídeas

As orquídeas são talvez das plantas que mais fascinam os seres humanos, seja pela sua beleza ou pela complexidade e estratégias de sobrevivência.

Mas estas plantas silvestres, ainda que sejam, no geral, mais pequenas e menos vistosas que as orquídeas tropicais e passem quase totalmente despercebidas pela maioria das pessoas, têm um encanto especial e tanta ou mais beleza que as restantes espécies desta família.

Para as apreciar temos de estar bastante atentos e aproximarmo-nos bem delas, mas quando as encontramos ficamos com a certeza de que temos um pequeno tesouro natural à nossa frente.

Para poder confirmar a beleza ímpar destas plantas deixo este desafio: procure, aprecie, observe e fotografe, mas não as colha. Deixe-as ficar para serem polinizadas e continuarem a encantar na próxima época de floração.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Epífita – que cresce sobre o tronco ou ramos de árvores, de arbustos ou de outras plantas.

Rupícola – que cresce entre as rochas.

Saprófita – organismo que se alimenta de matéria-orgânica em decomposição. 

Micorriza – relação de simbiose entre o micélio de certos fungos e as raízes de muitas plantas.

Mico-heterotrófica – relação de simbiose entre o fungo e a planta, em que a planta obtém uma parte ou a totalidade do seu alimento através do fungo que parasita.

Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.

Tubérculo – caule geralmente subterrâneo, suculento e volumoso, que contém substâncias de reserva.

Lanceolada – com forma semelhante a uma lança. 

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.

Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.

Labelo – tépala mediana, de tamanho e coloração diferentes das restantes peças florais, que serve para atrair os insectos polinizadores.

 Tépala – peça floral não diferenciada em pétala ou sépala.

Trilobado – dividido em três lóbulos.

Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.

Folha distal – folha que está mais afastada do ponto de inserção.

Bracteiforme – semelhante a bráctea.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.

Glabra – sem pêlos.

Viloso – possui pelos longos, macios, não muito densos.

Puberulento – possui pelos finos, curtos e pouco densos, dificilmente visíveis á vista desarmada.

Linear – folha estreita e comprida (comprimento é 6 a 12 vezes mais do que a largura), com margens quase paralelas.

Embainhada – folha sem bainha.

Multifloral – que tem ou produz muitas flores.

Séssil – que se insere diretamente pela base, sem intermédio de qualquer suporte.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Cuneiforme – em forma de cunha ou de triângulo invertido.

Esporão – prolongamento oco, fechado no extremo inferior, que se encontra na base das pétalas ou das sépalas de algumas flores, e que pode ou não conter néctar.

Polinização entomófila – realizada por insetos.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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