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O que procurar no Inverno: O umbigo-de-vénus

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Carine Azevedo apresenta-nos esta que talvez seja a planta suculenta nativa mais conhecida em Portugal, especialmente abundante em períodos chuvosos e húmidos, como sucede nesta estação.

As plantas suculentas talvez sejam, atualmente, das plantas mais procuradas para jardins de interior e até de exterior, pela enorme variedade de formas, tamanhos, cores e texturas.

Na sua maioria são de fácil manutenção, bastante resistentes, e possuem uma grande capacidade de adaptação a diferentes ambientes.

Na generalidade, são espécies nativas de regiões secas e quentes, mas também existem espécies que vivem em regiões secas e frias, como é o caso de algumas espécies dos géneros Sedum, Umbilicus e Sempervivum.

Em Portugal, são inúmeras as espécies suculentas nativas que ocorrem de norte a sul do território continental e também nas ilhas.

O umbigo-de-vénus (Umbilicus rupestris) talvez seja a suculenta nativa mais conhecida de todos.

O que são plantas suculentas?

As plantas suculentas são plantas que armazenam água.

O termo “suculenta” deriva da palavra em latim Sucus, que significa suco ou seiva, daí que as folhas, os caules e as raízes destas plantas sejam maioritariamente carnudos e grossos, uma vez que estas plantas conseguem acumular nos seus órgãos reservas líquidas durante períodos prolongados.

Esta adaptação permite que estas plantas sejam resistentes à seca e sobrevivam em ambientes áridos e secos, locais inabitáveis para as outras plantas.

Estima-se que existam à volta de 7700 espécies de suculentas, distribuídas por cerca de 60 famílias, sendo as mais representativas a Crassulaceae, a Cactaceae e a Aizoaceae.

No entanto, com o número de cultivares e de híbridos que continuamente são cruzados em viveiro um pouco por todo o mundo, estima-se que o conjunto de espécies de plantas suculentas ultrapasse as 20 mil.

Crassulaceae

O umbigo-de-vénus é uma espécie da família Crassulaceae, composta por 36 géneros botânicos e cerca de 1700 espécies, a grande maioria plantas suculentas.

Foto: Joanbanjo

Os membros desta família podem ser perenes ou anuais. São caracterizados por possuírem folhas carnudas, muito espessas, que se agrupam numa roseta que pode estar na base ou no ápice dos raminhos, também eles carnudos. Além das folhas carnudas, estas plantas são revestidas por uma cutícula de cera espessa que favorece a sobrevivência em condições climáticas mais desfavoráveis.

A família inclui uma vasta coleção de plantas ornamentais, amplamente cultivadas, como: a planta de jade (Crassula ovata), a flor-da-fortuna (Kalanchoe blossfeldiana), a rosa de pedra (Echeveria elegans), a erva-de-cão (Sedum acre) e o Sempervivum tectorum.

Em Portugal, esta família está representada por sete géneros botânicos e por aproximadamente três dezenas de espécies.

Uma dezena dessas espécies são endémicas do arquipélago da Madeira: o ensaião-de-pasta (Aeonium glandulosum), o farrobo (Aeonium glutinosum), o ensaião (Aichryson divaricatum), o Aichryson dumosum, o ensaião (Aichryson villosum), o Monanthes lowei, o arroz-da-rocha (Sedum brissemoretii), a erva-arroz (Sedum farinosum), a uva-de-rato (Sedum nudum) e o Sedum fusiforme. Já a Aichryson santamariensis é uma espécie endémica da Ilha de Santa Maria, nos Açores.

O umbigo-de-vénus

O umbigo-de-vénus é também conhecido como bacelos, bifes, cachilro, chapéus-de-parede, cauxilhos, chapéu-dos-telhados, cochilros, conchelos, copilas, couxilgos, orelha-de-monge e sombreirinho-dos-telhados.

Regionalmente na Madeira dá-se também pelo nome de inhame-de-lagartixa e pimpilros. Nos Açores é conhecida como conchelos.

O umbigo-de-vénus é uma planta perene, herbácea, suculenta e glabra, de aparência rasteira, que pode medir entre nove a 60 centímetros de altura. Os caules são direitos, delgados, geralmente simples e carnudos. 

Quanto às folhas, são carnudas e de dois tipos. As folhas basais possuem forma peltata, ou seja, forma aproximadamente arredondada, com pecíolo central comprido, que surge mais ou menos do centro do limbo.

Já as folhas caulinares diminuem progressivamente, em tamanho e em quantidade, em direção à parte superior. São subespatuladas a lanceoladas, e possuem margem ligeiramente dentada.

No geral, as folhas são ligeiramente côncavas, verdes e brilhantes, embora possam ficar avermelhadas quando expostas ao sol.

Foto: Júlio Reis

Em Portugal continental, o umbigo-de-vénus floresce entre os meses de fevereiro e julho. Já no Arquipélago da Madeira a floração ocorre maioritariamente em maio e no Arquipélago dos Açores pode ver-se em flor nos meses de abril e maio.

As flores surgem em inflorescências densas, estreitas e compridas, que ocupam 60-90% do comprimento da haste floral.

A haste floral é ereta, verde ou avermelhada e carnuda. As flores são branco-amareladas e surgem suspensas ao longo da inflorescência. A corola é tubular ou campanulada, formada por cinco pétalas soldadas, verde-amareladas ou raramente avermelhadas e pálidas.  O cálice é composto por cinco sépalas agudas, verdes e soldadas na base.

O fruto é verde, do tipo polifolículo, ou seja, é um fruto múltiplo, formado por numerosos folículos. Cada folículo é composto por numerosas sementes ovóides e castanho-escuras.

O umbigo-de-vénus produz uma grande quantidade de sementes que facilmente se espalham pela ação do vento – dispersão anemófila.

Habitat e ecologia

A denominação científica da espécie deve-se ao tipo de folhas e habitat.

O nome do género Umbilicus deriva do latim e significa “umbigo”, devido à depressão saliente que surge no centro e à superfície das folhas, semelhante ao umbigo.

O restritivo específico rupestris deriva igualmente do latim, significa “rupestre”, e simboliza o seu habitat natural, por viver sobre as rochas, nos muros e paredes.

O umbigo-de-vénus distribui-se por toda a Europa Meridional, parte da Europa Ocidental (França) e Setentrional (Irlanda e Grã-Bretanha) e no Norte de África (Argélia, Marrocos, Tunísia e Líbia).

Em Portugal ocorre em todo o território do continente, bem como nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores.

Trata-se de uma espécie ruderal, bastante rústica, que pode sobreviver em praticamente qualquer ambiente, sendo mais abundante nos períodos mais chuvosos e húmidos, uma vez que essas são as condições adequadas ao desenvolvimento das suas raízes.

Esta planta pode ocorrer em escarpas, em fendas húmidas de superfícies rochosas, ou ainda em muros e paredes verticais, quer sejam naturais ou de origem humana, e até mesmo em telhados.

Foto: Joanbanjo

O umbigo-de-vénus também pode viver sobre outras plantas – planta epífita, nomeadamente sobre o tronco de árvores e de arbustos. Está muitas vezes associada a outras plantas, como o musgo, e também a líquenes.

Além disso, por vezes, desenvolve-se diretamente no solo no sub-coberto de tojais (Ulex spp.) e escovais (Cytisus spp.).

O umbigo-de-vénus suporta uma faixa climática muito elevada e requer luz para prosperar, embora também possa crescer à sombra. 

Não necessita de solos férteis para crescer e é indiferente ao tipo de substrato, mas desenvolve-se melhor em solos graníticos e ácidos. É resistente à geada moderada e pode suportar, por curtos períodos, temperaturas até -15ºC.

Quando as folhas ou outras partes da planta são afetadas pela falta de água ou pelo frio, por exemplo, estas conseguem facilmente recuperar, assim que as condições de temperatura e humidade voltam a melhorar. Quanto a doenças, é especialmente sensível a fungos.

Utilizações desta planta

O umbigo-de-vénus não é geralmente usado para fins ornamentais, sendo quase exclusivamente silvestre. No entanto, a sua facilidade de dispersão e resistência, nomeadamente em locais difíceis para outras plantas, são fatores a ter em conta na escolha desta planta.

Além disso, as suas folhas carnudas e características, bem como as suas inflorescências peculiares e de florescimento prolongado, são outros motivos interessantes para plantar esta espécie em locais de difícil desenvolvimento para outras plantas.

O umbigo-de-vénus é uma fonte de nutrientes e propriedades bioativas. Contém sais minerais sobretudo cálcio, potássio, silício, ferro, vitamina C, polifenóis, ácidos gordos polinsaturados (ómega 3), flavonóides e taninos.

Foto: Ghislain118

Esta suculenta tem também atividade anti-inflamatória, analgésica, antisséptica, cicatrizante, adstringente, diurética, lenitiva e hemostática. Também é um bom protetor da pele e hepático.

Na medicina popular, as folhas são transformadas em cataplasma e usadas, para acelerar a cicatrização de feridas e a cicatrização de queimaduras, tratar calosidades, úlceras cutâneas, picadas de inseto e dores de ouvidos. O sumo e o extrato seco da planta têm reputação antiga no tratamento da epilepsia.

Uma decocção das folhas é considerada refrescante e diurética e o suco tomado internamente é considerado excelente para o tratamento de inflamações do fígado e do baço. Outro uso popular passa por cozinhar a planta em azeite para aliviar dores reumáticas e amaciar a pele.

Estudos recentes revelaram ainda que esta planta promove a eliminação de radicais livres e a inibição da peroxidação lipídica e do crescimento de diferentes bactérias multirresistentes.

As folhas, cruas ou cozidas, consomem-se em saladas, sandes, omeletes, quiches e batidos. Pode incluir-se em sopas, devendo ser colocada logo após a fervura da mesma. Apresentam um sabor suave e fresco, sobretudo durante o inverno e o início da primavera. No verão, as folhas possuem um sabor mais intenso e levemente amargo, devido à presença de alguns taninos.

A planta tende a absorver metais pesados, como tal deve evitar-se colher em locais poluídos e contaminados. 

Como acontece com outras espécies botânicas, a sua utilização para fins terapêuticos não deve ser feita sem acompanhamento médico.

O umbigo-de-vénus é fácil de encontrar, basta um olhar atento para descobrir estas pequenas plantas, com folhas muito peculiares, em qualquer fenda de muro, parede ou árvore. Se o encontrar, fotografe-o e partilhe connosco nas redes sociais com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Suculenta – planta ou parte desta que, devido à abundância de sucos, é muito espessa e carnuda.

Carnuda – suculenta, mas firme.

Roseta – conjunto de folhas muito próximas, dispostas radialmente e a uma altura semelhante, e que geralmente se desenvolvem na base do caule da planta.

Cutícula – película formada por cutina que reveste externamente alguns órgãos das plantas.

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Herbácea – planta de consistência não lenhosa e verde.

Glabra – sem pêlos.

Peltada – folha com forma arredondada, cujo pecíolo fica inserido no meio do limbo, formando uma estrutura que lembra um guarda-chuva.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Limbo – parte larga de uma folha normal.

Espatulada – folha em forma de espátula, isto é, ápice mais largo e arredondado e parte inferior mais atenuada.

Lanceolada – folha com limbo que apresenta a forma de lança.

Dentada – folha provida de “dentes” mais ou menos perpendiculares à linha da margem.

Inflorescência – forma como as flores estão agrupadas numa planta.

Haste floral – pedúnculo, geralmente desprovido de folhas, que no ápice termina numa flor ou numa inflorescência, rodeado ou não, na base, por folhas.

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.

Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.

Tubular – flor cuja corola possui a forma de um tubo muito alongado.

Campanulada em forma de sino invertido.

Cálice – conjunto das sépalas (peças florais frequentemente verdes), que protegem externamente a flor.

Folículo – fruto seco, com várias sementes, que se abre por uma única fenda para libertar as suas sementes.

Polinização anemófila – realizada pelo vento.

Epífita – planta que cresce sobre o tronco ou ramos de árvores, de arbustos ou de outras plantas.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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