Foto: H. Zell / Wiki Commons
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O que procurar no Outono: a aroeira

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Com a chegada do frio já não saímos de casa sem um bom agasalho. E as plantas, como reagem a esta altura do ano?

As plantas também se adaptam às flutuações sazonais do clima. Muitas já iniciaram o seu estado de dormência para poderem enfrentar o Inverno. Algumas árvores e arbustos, por exemplo, perdem as folhas na sua totalidade, renovando-as na primavera. Outras plantas, mais pequenas, “escondem-se” no solo e permanecem ativas sob a forma de órgão subterrâneo.

Esta fase é fundamental para algumas espécies que, nesta altura, desenvolvem estratégias que lhes permitem guardar energia para florescer e frutificar quando as condições climatéricas forem mais favoráveis.

Outras ainda, continuam ativas e ajudam a colorir a paisagem.

Os frutos da aroeira (Pistacia lenticus) destacam-se nesta época do ano. O vermelho intenso dos frutos imaturos ganha tons mais escuros entre o azul e o negro, à medida que avançam na maturação, criando um espetáculo de cores contrastante com a folhagem luminosa, verde-escura, que por vezes também assume tons vermelhos que abrangem a totalidade do arbusto ou somente alguns ramos.

Venham conhecer esta planta de inverno.

Foto: H. Zell / Wiki Commons

Pistacia

A aroeira, também conhecida como lentisco, alfostigueiro, almessigeira, árvore-do-mástique, darmacho, lentisco-verdadeiro, entre outros, é uma espécie da família Anacardiaceae. Esta família está representada por mais de 90 géneros botânicos, um pouco por todo o mundo, e é conhecida pelas suas árvores frutíferas e plantas ornamentais, entre elas: a manga (Mangifera indica), o caju (Anacardium occidentale), o pistache (Pistacia vera) e a pimenteira-bastarda (Schinus molle).

Em Portugal, esta família está representada apenas pelo género Pistacia, havendo registos de apenas duas espécies nativas: a aroeira (Pistacia lentiscus) e a cornalheira (Pistacia terebinthus), também muito impactante nesta época do ano pelas cores vibrantes dos seus frutos e da folhagem.

A designação científica deste género de plantas – Pistacia – deriva do grego pistakion, de pistake, que significa noz, e do latim pistacium que significa “noz de pistache” – nome em latim para o pistache ou pistáchio, as sementes típicas, comestíveis e bem conhecidas da Pistacia vera

O termo lentiscus deriva do latim lentus, que significa viscoso devido à resina aromática que produz, e é a denominação usada para referir a aroeira.

A aroeira

A aroeira é uma planta arbustiva, raramente arbórea, que pode crescer até aos três a quatro metros de altura por outros tantos de largura, raramente ultrapassando os seis metros. É uma planta “volumosa”, densamente ramificada desde a base, de crescimento ereto e forma irregular.

É uma espécie de crescimento lento, com uma longevidade de cerca de 100 anos.

Foto: KoS / Wiki Commons

A aroeira tem folhagem persistente e textura coriácea. As folhas são aromáticas, glabras, de cor verde-escura e brilhante na página superior, verde-pálido na inferior e de pecíolo avermelhado.

São compostas e paripinuladas, isto é, cada folha é composta por vários folíolos (de 2 a 14), sem folíolo terminal, terminando a folha em forma de V. Os folíolos são espessos, sésseis, inteiros e possuem forma elíptica-lanceolada e de ápice obtuso.

A aroeira é uma espécie dióica, com flores femininas e masculinas separadas em plantas diferentes, e a floração ocorre na primavera, entre março e maio. As flores são muito pequenas, unissexuais, actinomorfas e pentâmeras. As flores individuais são quase insignificantes, mas são produzidas em densos aglomerados – inflorescências, semelhantes a espigas.

As flores vermelhas masculinas são as mais vistosas. A cor destas flores deve-se ao vermelho-intenso das anteras que constituem os estames, já que não possuem pétalas e apresentam um cálice com cinco sépalas verdes.

Foto: Júlio Reis / Wiki Commons

As flores femininas são esverdeadas ou amareladas, coroadas de vermelho na ponta, devido ao estigma. Também não possuem pétalas e o cálice é composto por três a quatro sépalas verdes.

As flores surgem na axila das folhas dos ramos do ano anterior, dispostas em inflorescências panículas cilíndricas curtas e densas.

Os frutos – drupas – são globosos, pouco carnudos e muito aromáticos. Amadurecem no outono, entre setembro e novembro, e na fase inicial de formação e maturação podem assumir cores compreendidas entre o verde e o vermelho, respectivamente. Tornam-se mais escuros, quase pretos, na fase final de maturação, e cada fruto dá origem a uma única semente.

Origem e distribuição

A aroeira é uma espécie típica da região mediterrânica, existindo em toda a bacia do Mediterrâneo, incluindo nas Ilhas Canárias.

Em Portugal ocorre nas regiões do Centro e Sul do país, sendo rara a inexistente nas regiões do Norte e nas regiões continentais mais frias.

É uma espécie de exposição solar plena, no entanto suporta zonas de meia-sombra.

Edaficamente, tem preferência por solos bem drenados, inclusive secos, soltos e ricos em matéria orgânica, de origem calcária, ainda que também se desenvolva bem em solos arenosos, pobres, pedregosos e áridos ou em substratos argilosos e compactos.

Foto: H. Zell / Wiki Commons

Suporta muito bem a salinidade dos solos. No entanto não é tolerante a solos excessivamente húmidos e apresenta uma fraca resistência ao frio, não suportando geadas fortes e temperaturas inferiores a -8.ºC por períodos prolongados.

É uma espécie muito bem adaptada à secura e ao calor extremo, permanecendo verde mesmo durante os períodos de maior seca devido à sua resistência à aridez. Também suporta ventos fortes, incluindo o marítimo.

A aroeira tem uma ampla variedade de habitat, podendo ser encontrada em bosques e matos mediterrânicos, matagais, carrascais e em montados de azinho e na berma de caminhos.

De grande valor ecológico e resistência

É uma espécie particularmente importante do ponto de vista ecológico, sendo reconhecida como uma planta enriquecedora do solo, essencial na recuperação e evolução de áreas degradadas. Além disso, tem uma elevada capacidade regenerativa, após a passagem de um incêndio. Mesmo que pareça que tenha sido totalmente destruída, a planta rapidamente regenera formando nova rebentação.

A aroeira é um arbusto fundamental para a fauna silvestre, nomeadamente nesta época do ano para as aves que se alimentam dos seus frutos. Também serve de abrigo a outros animais que aí fazem as suas tocas, como os coelhos, ou os seus ninhos, como é o caso das perdizes.

Por outro lado, é uma planta arbustiva muito decorativa e interessante do ponto de vista ornamental, tanto no meio natural como em jardins e outros espaços verdes, pois não requer muitos cuidados de manutenção, além de ser muito resistente, particularmente ao calor e à seca, e a pragas e doenças comuns dos jardins. E pelas diferentes tonalidades de cores das folhas, flores e frutos, é uma planta esteticamente agradável ao longo de todo o ano.

Foto: Jaume Calafat

É geralmente plantada como espécime isolado, como uma pequena árvore ou arbusto, ou como elemento na composição de maciços arbustivos, puros ou mistos com outras espécies semelhantes, sendo ideal para jardins costeiros mediterrânicos.

Também pode ser plantada em vasos de grandes dimensões, para embelezar varandas ou terraços. É ainda uma planta adequada para sebes ou como planta de topiária e adequada para ser trabalhada como bonsai, uma vez que suporta bem intervenções de poda moderada.

Mastique, a resina aromática

A aroeira é utilizada há milhares de anos pela sua resina aromática – mastique – que é extraída dos seus troncos e ramos, e que tem sido amplamente utilizada para diversos fins, desde alimentares a medicinais e outros.

Foto: Ailinaleixo / Wiki Commons

Na medicina, a mastique tem sido utilizada como diurético, expectorante e analgésico. É comum no alívio das dores de dentes, no combate à febre e no tratamento de feridas com hemorragia ou picadas de insectos.

O óleo essencial obtido da planta é considerado eficaz no tratamento do reumatismo, e também possui propriedades balsâmicas, anti-inflamatórias, sedativas e antissépticas, sendo utilizado para diversos fins terapêuticos, tais como distúrbios cardio-musculares, varizes e úlceras gástricas. É um ótimo balsâmico, tonificante e refrescante para adicionar à água do banho, e também pode ser usado para perfumar o ar dos espaços fechados. 

No entanto, devido ao alto teor de taninos presentes na planta, não é recomendado o uso interno, recomendando-se a prescrição médica, uma vez que pode causar intoxicações graves.

A mastique também é utilizada nas mais diversas indústrias, nomeadamente na preparação de cimentos dentários, pastas para obturações dentárias e dentaduras, na composição de perfumes, sabonetes e outros cosméticos, vernizes e em alguns materiais adesivos usados na construção civil.

Foto: Lemmikkipuu / Wiki Commons

A resina seca pode ser usada para perfumar armários e afastar os insetos.

Do ponto de vista alimentar, os frutos da aroeira são comestíveis, mas sem grande interesse gustativo. A mastique é usada como especiaria e aromatizante de licores e outras bebidas, gomas de mascar, pastilhas elásticas, doces e bolos.

A madeira de aroeira é dura, de grão fino e ligeiramente rosada ou ocre, com veios amarelos, sendo muito procurada para trabalhos de ebanisteria, marcenaria e de embutidos. É também um bom combustível, sendo procurada para produzir carvão vegetal, muito apreciado para alimentar fornos a lenha de pizzarias, pois sua combustão permite atingir rapidamente altas temperaturas.

Se gostou de conhecer esta planta procure-a na natureza e deslumbre-se com os contrastes e cores vibrantes que esta pode oferecer nesta época do ano.

Já o meu desafio será plantar um exemplar desta espécie no meu jardim de plantas nativas, pelas cores e biodiversidade que oferece.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Persistente – folhagem que se mantém verde na árvore ao longo de todo o ano, renovando-se gradualmente sem que a árvore fique despida.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Glabra – sem pelos.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Composta – folha cujo limbo é dividido em vários folíolos.

Limbo – parte larga de uma folha.

Folíolo – cada uma das partes em que o limbo, de uma folha composta ou recomposta, se divide. 

Paripinulada – folha composta por vários folíolos, em número par, dispostos lado a lado, e sem folíolo terminal, terminando a folha em forma de V.

Sésseis – folíolos que apresentam apenas limbo, ou seja, não possuem pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no pecíolo da folha composta.

Dióica – espécie que apresenta flores unissexuadas, femininas e masculinas, ocorrendo em indivíduos diferentes.

Actinomorfa – flor com simetria radial, ou seja, a flor pode ser dividida em várias partes iguais.

Pentâmera – as peças florais apresentam-se em conjuntos de cinco ou em múltiplos de cinco.

Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.

Antera – porção terminal do estame onde são produzidos os grãos de pólen.

Estame – órgão reprodutor masculino da flor, onde se produz o pólen, formado geralmente por filete e antera.

Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.

Corola – conjunto das pétalas que protegem os órgãos reprodutores da planta (os estames e o pistilo).

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas.

Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice.

Estigma – porção terminal do pistilo que recebe os grãos de pólen.

Pistilo – órgão reprodutor feminino da flor, formado por ovário e estigma e por vezes por um estilete.

Panícula – Inflorescência em cacho ou em espiga.

Drupa – Fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.