Foto: Javier martin/Wiki Commons
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O que procurar no Outono: o carvalho-de-monchique

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Chegou o mês do Natal, e com ele, as inúmeras tradições típicas da época, a iluminação e a decoração das casas com enfeites natalícios, o presépio e a indispensável árvore de Natal.

Artificial ou natural, é certo que nenhuma família portuguesa passa a quadra natalícia sem árvore de Natal. Para muitos, é um abeto, para outros, um pinheiro, mas também faz parte desta tradição o uso do carvalho nesta época de luz e de cor.

A tradição da árvore de Natal é bem mais longínqua do que se possa imaginar. Os romanos enfeitavam árvores em Dezembro em honra ao deus Saturno, por ocasião da Saturnalia. Os egípcios enfeitavam as casas com galhos verdes no Solstício de Inverno e os druidas decoravam carvalhos.

Sem especificar a espécie exata em particular, alguns registos históricos, mitos e lendas apontam o carvalho como a primeira árvore de Natal. O carvalho era visto como a árvore mais poderosa e divina, capaz de proteger e de aumentar a força e o sucesso.

Na minha infância, era muito comum o uso do carvalho como árvore de Natal. As pessoas recorriam às matas para cortarem um pequeno ramo de uma árvore mais frondosa, para levarem e decorarem no interior das suas casas, mas nunca cortavam uma árvore inteira.

Por tudo isso, hoje vamos conhecer um dos carvalhos mais raros do nosso país, uma espécie nativa Criticamente em Perigo em Portugal Continental, segundo a IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza: o carvalho-de-monchique (Quercus canariensis).

Foto: Javier martin/Wiki Commons

De acordo com a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, estima-se que a população nativa de carvalho-de-monchique seja inferior a 250 indivíduos maduros, sendo a sua distribuição restrita à serra de Monchique e área adjacente.

O carvalho-de-monchique

O carvalho-de-monchique, também conhecido com carvalho-das-canárias e carvalho-da-argélia, é uma árvore de médio a grande porte que pode atingir 30 metros de altura, sendo também comum em porte arbustivo, em condições mais desfavoráveis de desenvolvimento.

É uma árvore robusta, de copa ampla, tronco direito, ramificação tortuosa e casca rugosa.

A folhagem do carvalho-de-monchique é marcescente e perene, pois uma parte das folhas mantêm-se na árvore, mesmo depois de já terem murchado, e aí continuam até à formação de novas folhas, na primavera. As restantes folhas conservam-se verdes mesmo durante o inverno.

A renovação das folhas é tão lenta que é normal, quando chega a primavera, que estas árvores possam apresentar folhas verdes jovens e recentes, folhas secas desde o outono do ano anterior e outras ligeiramente amareladas, como consequência da passagem do inverno, e que ainda não caíram da árvore.

As folhas são coriáceas e de tamanho irregular, possuem forma lanceolada, elíptica ou oblonga e margem serrada a crenada, com lóbulos mais ou menos irregulares.

As folhas mais jovens são densamente revestidas de pelos amarelados que se desprendem facilmente, tornando-se glabras na maturidade. Já as folhas adultas são verde-escuras e glabrescentes na página superior e glaucas na página inferior, podendo algumas possuir algum indumento junto às nervuras principal e secundárias. As folhas são caracterizadas por possuir nervuras secundárias salientes, paralelas e muito retas e um pecíolo comprido.

Foto: Javier martin/Wiki Commons

A floração ocorre na primavera, entre abril e maio, e como acontece com as restantes espécies do género Quercus, o carvalho-de-monchique é uma espécie de floração monóica – as flores masculinas e femininas surgem separadamente no mesmo indivíduo.

As flores masculinas são amarelo-esverdeadas, agrupadas em amentilhos terminais; as flores femininas são menos vistosas e formam-se sobre um pedúnculo curto.

A maturação dos frutos é anual e ocorre no outono, entre outubro e novembro. O fruto é uma glande ou bolota oval, que surge solitária ou em grupos de duas a três bolotas, castanhas-amareladas quando maduras. Possuem um pedúnculo curto e uma cúpula semiesférica, revestida de escamas velosas, que protege 1/3 da bolota. Os frutos permanecem na árvore por muito tempo, mesmo após a maturação.

Carvalho endémico

O carvalho-de-monchique é uma espécie endémica do sudoeste da Bacia do Mediterrâneo, presente na Península Ibérica, Argélia, Marrocos e Tunísia.

Em Portugal ocorre naturalmente apenas na Serra de Monchique e na Bacia do Mira, sobretudo em pequenos bosques isolados.

É uma árvore de meia-luz, com preferência por climas suaves, encostas abrigadas, húmidas e frescas. Aprecia substratos ácidos, preferencialmente siliciosos. Necessita de humidade atmosférica regular e pluviosidade média anual superior a 600 mm.

As temperaturas ideais de desenvolvimento compreendem-se entre os 0 e 12ºC, no inverno, e entre 20 e 24ºC, no verão.

É resistente ao frio. No entanto, dificilmente se desenvolve afastado das regiões com influência marítima, razão pela qual não se encontra na parte mais continental do território.

Este carvalho encontra-se inserido naquele que é o segundo maior hotspot de biodiversidade do mundo, a Bacia do Mediterrâneo, sendo uma espécie de extrema importância biológica. Tem um papel essencial na proteção e criação do solo, para além das suas folhas e frutos serem uma importante fonte de alimento para muitos mamíferos e alguns pássaros.

É uma árvore com elevada capacidade de regeneração após o corte ou a passagem de um incêndio florestal, uma vez que rebenta bem pela touça e raízes. Também se propaga facilmente por semente; no entanto, as bolotas perdem rapidamente a sua viabilidade.

Elegância e raridade

É um carvalho elegante e de crescimento rápido, esteticamente interessante do ponto de vista ornamental. Em algumas regiões do Sul de Portugal é usado em parques como uma árvore de sombra. Todavia, não é comum nos jardins e parques das regiões do Norte e Centro.

Foto: Javier martin/Wiki Commons

A raridade desta espécie, aliada à beleza e elegância do porte, bem como às suas curiosas folhas – mais semelhantes às de um castanheiro do que às de um carvalho – tornam-no numa excelente escolha para qualquer jardim ou espaço verde, ainda que possa ter um crescimento e desenvolvimento mais longos e não atingir as dimensões naturais. É uma árvore bela de valor ecológico e estético maior do que qualquer espécie exótica, além de requerer pouca manutenção.

O carvalho-de-monchique é uma espécie florestal, que produz madeira de alta qualidade, de cor escura, pesada e fácil de trabalhar. Pela sua raridade não é comum a sua utilização em Portugal, apesar de existirem registos do seu uso em marcenaria, tanoaria, construção naval, nomeadamente para travessas, aduelas e lenha. Também é usada, juntamente com a casca para carvão. As bolotas são utilizadas na alimentação do gado.

É uma árvore que pode viver mais de 300 anos e começa a frutificar desde jovem.

A raiz etimológica do nome científico desta espécie deriva do latim e terá surgido devido a um equívoco. Quercus é a designação latina para o Carvalho – planta sagrada para Júpiter – e canariensis deriva de canariensis-e, alusivo às Ilhas Canárias. Todavia esse nome pode induzir em erro, uma vez que esta espécie não cresce de forma espontânea nas Canárias.

Segundo alguns registos, esta designação teve origem num erro de etiquetagem que terá ocorrido durante a expedição botânica do médico e naturalista francês, Pierre Broussonet, às Canárias e Norte de África.

O botânico alemão Carl Ludwig Willdenow descreveu esta espécie com base em exemplares de herbário recolhidos durante a referida expedição botânica, não tendo comprovado in loco a origem dos espécimes. Com base na informação constante na etiqueta, que referia a proveniência da ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, atribuiu-lhe o epíteto “canariensis“, apesar de esta espécie não ocorrer naquelas ilhas.

Estatuto de conservação

A preservação desta espécie e do seu habitat são muito importantes do ponto de vista da conservação e valorização da floresta natural.

Os habitats onde o carvalho-de-monchique é uma espécie dominante – designados oficialmente como ‘Habitat 9240 Carvalhais ibéricos de Quercus faginea e Quercus canariensis‘ – estão protegidos por legislação comunitária. Em causa está o anexo I da Diretiva Habitats – Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992 – que é relativa à preservação de habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. Os habitats constantes neste anexo apresentam-se como sendo “tipos de habitats naturais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação”.

Foto: Ximenex/Wiki Commons

Assim, os habitats onde este carvalho é dominante constam da Rede Natura 2000, que constitui o principal instrumento para a conservação da natureza na União Europeia. A finalidade desta rede de áreas classificadas é assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de biodiversidade.

A importância das florestas de carvalho-alvarinho é também reconhecida pela Agência Europeia para o Ambiente, que classifica as florestas Ibéricas e do Norte de África e matas dominadas por Quercus canariensis como florestas de carácter único na Europa e de extrema importância biológica.

As principais pressões e ameaças a esta espécie devem-se sobretudo ao aumento da área de floresta de produção (por exemplo, sobreiro, pinheiro e eucalipto), aos incêndios florestais e à expansão de espécies exóticas invasoras, favorecidas pela passagem do fogo (acácia e háquea, entre outras), assim como à suposta facilidade de hibridação com outras espécies do género.

É fundamental a promoção e o favorecimento desta espécie em ambiente natural, mas também em viveiros e plantações de forma a garantir a sua sustentabilidade e a alargar a sua área de expansão. 

Foto: Javier martin/Wiki Commons

A Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental sugere aliás que esta “árvore seja legalmente designada como espécie a proteger em Portugal e que seja desenvolvido um plano de conservação que integre medidas de conservação efetivas (gestão de habitat, erradicação de exóticas), ações de reforço populacional, estudos e ainda a monitorização da população nacional.” Tudo isto de forma a garantir a sua conservação. 

Simultaneamente, estaremos a promover a plantação de espécies nativas, o combate aos incêndios florestais, com a criação de mosaicos de espécies mais resistentes ao fogo, que funcionam como barreira para retardar o avanço das chamas, e a diminuir a monocultura que se tem verificado em muitas regiões. 

Já os Celtas afirmavam que “o carvalho é uma lenda viva que representa tudo o que é verdadeiro, saudável, estável e nobre.” Preservemos todos os carvalhos, mas este em particular necessita de um cuidado especial.

E, para todos, um Feliz Natal.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Marcescente – folha que persiste na árvore, mesmo depois de murcha ou seca. Geralmente fica pendurada na árvore até a formação das novas folhas, na estação mais favorável.

Perene – folha que persiste verde, na árvore, ao longo de todo o ano, fazendo a sua renovação gradual sem que a árvore fique despida.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Oblonga – folha com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.

Serrada – margem com dentes marginais agudos, como os de uma serra.

Crenada – margem com recortes arredondados.

Lóbulo – parte da folha com recorte pouco acentuado.

Glabra – sem pelos.

Indumento – revestimento de pêlos.

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.

Amentilho – inflorescência semelhante a uma espiga, onde as flores, geralmente unissexuais, surgem agrupadas num eixo comum.

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.

Cúpula – invólucro duro, em forma de taça, formado por numerosas e pequenas brácteas, que protege e envolve (totalmente ou parcialmente) a flor e o fruto, de algumas espécies arbóreas e arbustivas, nomeadamente da família Fagaceae.

Velosa – com lanugem macia.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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